MINHAS CRÔNICAS

sábado, 10 de outubro de 2009

NÃO EXISTE PANELA SEM TAMPA ou O AMOR É LINDO!

Ouvia, com paciência é verdade, porém, só fingia que acreditava no que a sua madrinha Ordália dizia, todas as vezes que se encontrava com ele:
- Meu afiado José Francisco, você tem que ter paciência, a sua cara metade ainda não surgiu não é por você não ser muito afeiçoado de aparência, como você pensa, ela vai aparecer, de repente, numa hora destas; não existe panela sem tampa.
O espelho, que consultava todos os dias, não deixava, no entanto, que ele se enganasse: José Francisco não havia sido bem aquinhoado pela mão da natureza; tinha a feição toda cheia de manchas e cicatrizes, advindas, provavelmente, de varicela adquirida na infância; para complicar, era um pouco zarolho, seqüela, segundo sua mãe, de um estupor na infância, provocado pelo reflexo do sol dentro da bacia cheia de água, quando tomava banho com o estômago cheio.
Fora estes inconvenientes, ele até que poderia ser aprovado em outros testes, não muito exigentes, sinalizadores de beleza física: era alto, para alguns mais implicantes, um pouco acima da média, uns dois ou três centímetros menos que 2 metros, braços compridos, porém, consentâneos com o tamanho do tronco, destoando, um pouquinho, o avantajado volume das mãos, aliás, fazendo simetria com o tamanho 44 dos pés.
- Dê tempo ao tempo, dizia-lhe sua consoladora madrinha, todos somos filhos de Deus, um dia, quando menos você esperar, vai aparecer alguém que não está procurando somente beleza física e então você vai poder mostrar seu valor. Beleza não se põe na mesa, o que vale é o caráter e este você tem pra dar e vender.
Quantas vezes José Francisco, postado de frente ao seu inimigo espelho, ainda presentes as palavras consoladoras da madrinha, tentava combater o desânimo, olhava de lado, de frente, se afastava um pouco, se aproximava e finalmente, por estar sozinho, repetia para si mesmo:
Que cara este cafumango foi arranjar, meu Deus do céu!
Os argumentos dos pais, principalmente do seu pai, destoavam um pouco do arquitetado pela madrinha, provavelmente por aceitarem que não conseguiram transmitir ao filho nenhum traço de beleza que, de resto, eles mesmos não possuíam.
- Meu fio, feio é roubar e não poder carregar, tem tanta gente pela redondeza mais feia que você e no, entanto, não vive se queixando da vida; olha a Maria do Rosário, fia do senhor Turdilho, além de não ser esta belezura capaz de fazer alguém se enrabichar, ainda sofre desta manqueba, que é restolho da paralisia infantil, porém, nunca fugiu de uma prosaria com ninguém.
Parece que este argumento foi mais convincente, José Francisco estava sentado à porta da casa, quando viu a Maria do Rosário passar, naquela passada difícil, quase que arrastando uma das pernas, cumprimentou-o, como sempre fazia, e continuou na sua caminhada rumo à sua casa, situada a algumas centenas de metros de distância.
O sorriso dela havia sido tão espontâneo, aliás, como sempre fora, só que nunca havia sido notado por ele; parece que ela, naquele dia, segurou um pouco mais o olhar no rumo do José Francisco...Será? Ou estaria ele vendo fantasma onde não existia?
De toda maneira ficou no ar, alguma duvida: seria olhar de melúria que José Francisco vira ou seria o desejo de tê-lo visto que estava se apossando, de mansico, daquele pobre e sofrido coração.
Independente da conclusão, o fato é que daquele dia em diante a pequenina e frágil Maria do Rosário passou a fazer parte do mundo de José Francisco.
Não se conteve, contou para sua madrinha os apertos do peito.
- Meu afiado, sei que ela não é um pancadão que enche as vistas de qualquer um, porém, não é nenhuma galinha na manguara que não tem preço, ela é piquitita, tem aquela dificuldade para andar, mas é de boa família; ôta José Francisco, minhas preces foram ouvidas, não banque o estabanado porque ela pode assustar com o seu porte, vai com calma porque ela não é de regateirage.
Era isto que o já apaixonado José Francisco queria ouvir, sentiu uma bambeza nas pernas só em pensar numa maneira de se aproximar, quis perguntar para a madrinha como fazer, porém, achou que isto seria muito abuso e desistiu; acharia um jeito!
Aconteceu! Já era de tardinha, naquela hora do lusco-fusco, quando os pássaros começam a cantar para encontrar a companheira ou o companheiro desgarrado, quando o sol já desapareceu, porém, seus raios iluminam o topo da montanha, parecendo existir ali, um enorme espelho a refletir por toda a encosta; hora romântica e encorajadora, até para os mais tímidos; hora que José Francisco avistou Maria do Rosário vindo no seu rumo, absorta no seu pequeno e rotineiro mundo.
- Posso te ajudar a carregar esta trouxa de roupa?
- Poder pode, mas num precisa!
- Além disto, precisava te perguntar uma coisa que está engasgada na minha pensa há muito tempo: se aparecesse um homem mais comprido que ocê, bem mais feio, porém, cheio de boas intenções e se te perguntasse na bucha: Vancê tem coragem de fazer um compromisso com este manguarão?
Uai, José Francisco, se esta criatura estivesse disposta a amparar uma baixinha, cambeta, igual à chita, nem feia nem bonita, porém, cheia de amor para dar, eu teria.

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