MINHAS CRÔNICAS

sábado, 10 de outubro de 2009

ERRAMOS O CAMINHO!

Após andarmos quase três léguas, observei que o Vital estava ficando inquieto, olhava de soslaio para mim, depois olhava para a direita, para esquerda e para trás; voltava a caminhar e voltava a parar. Minhas dúvidas, se é que ainda as tinha, acabaram-se quando ele parou um homem que cruzava no nosso caminho, para pedir informações.
- Vosmicê caminha neste rumo um bão eitão de duas léguas, vai topar direto com o espigão mestre da serra dos macacos; aidispois vancê atrevessa um riberão grosso, mais que dá váu, caminha uma légua mais ou menos e vai chegar num mato sujo que escafunda num brejal escumunguento, aidispois, na distânça de olho, vai topar com o pouso do João Tatu, é só flechar no prumo, já tá chegando no destino, pelos mandado de Nossa Senhora da Abadia.
Claro que este acontecimento me aborreceu sobremaneira, porém, não havia meio de voltar atrás; voltamos ao lugar de origem!
Não sei se o Vital entendeu adequadamente as informações, porém, voltou para perto de mim e disse com a voz de trovão:
- O que tá feito num tem remendo, só posso pedir desculpa pra todo mundo e vamos enfrentar o tremedal.
Realmente Vital estava certo nas suas previsões; o caminho, que já era ruim, tornou-se praticamente intransitável e para nosso maior sofrimento avistamos, a uma distância de mais ou menos 500 metros, um aglomerado de gente e animais no meio da estrada.
Ao aproximarmos, verificamos que havia uma pequena ponte, em péssimas condições e no meio da mesma, vários bois atolados, juntamente com o respectivo carro; aguardando, do lado de cá, vários outros carros de bois. O homem, proprietário do carro que estava atolado, gritava feito um possesso com os animais, principalmente com os dois velhos bois guias:
- Mercado! Pandeiro! Vamos!
Concomitantemente com os gritos, cutucava-os, agora com o auxílio do candieiro, sem dó nem piedade, com o ferrão; via-se, claramente, que os animais estavam esvaindo suas forças no lamaçal que roçava suas barrigas. Debalde, o carro não aluía nem um centímetro; quase não se via o cocão, completamente submerso na lama. Vital, enchendo-se de coragem, porque é preciso tê-la para dar um palpite numa hora dessas, quando o carreiro é um barril de pólvora prestes a explodir, dá um passo à frente e grita com a sua voz de trovão:
- Vamos emendar duas boiada companheiro!
Parece que o carreiro estava só esperando um auxílio, nem discutiu a proposta, olhou para o candieiro e gritou em alto e bom tom:
- Vamos homem, o que ocê tá esperando? Traz logo o outro tiro, escolhe aquele dacolá, os boi estão mais sacudidos! Vital sentiu firmeza, pulou para frente e começou a comandar as ações:
- Vamos fazer um revézo, vamo usar os dois bois de coice do cumpanheiro aqui, pois seus animal já tão cansado, vamo usar também os dois guias do cumpanheiro dacolá; se mal lhe pergunte, como é o nome dos baguá?
- É Campeão e Violento prá servir vosmicê!
- Gostei da apelidama dos bicho, pelos nome já dei conta que num são
qualquer boiota não; precisa haver conhecimento entre os animais, boi do cabeçalho num respeita junta dianteira que num conhece, si vosmicê quiser pode descangar uma junta, pois num tô aprovando muito o mau gênio daqueles dois danados, vamos colocar seis bois de chaveia, nestas horas o contracoice é o rei da fusarca.
Pessoal, num quero muita gente neste serviço aqui agora, pra num virá um arengue, os boi pode estranhar; vosmicê, tange os animais, grita eles pelos nomes próprios, eles ficam mais bem servidos, abrocha a canga do seu jeito, eu pessoalmente gosto de principiar pelo da direita, é questão de costume; enlaça de acordo a soga nas aspa da pareia, facilita entrosar o cambão na canga que vai encambichar na junta de traz, enfia o laço do tamoeiro e a chaveia, aperta bem com a corrêa, acho que no final, a enfiada, do jeito que adispuzemo ficou bôa; menino, pega o azeite no chifre que está dipendurado no fueiro trazeiro, unta o cocão, pra móde evitar um fogaréu, chaquaia o chocaio sem dó nem piedade bem na frente do Campeão e do Violento, pra mode eles comandar com alegria; vamos dar umas ferroadas nos dois bois coiceiros, com cadência e sem agito, daqui pra frente seja o que Nossa Senhora da Abadia quiser.
Candiero, chama lá com Deus e as almas do purgatório!
Dito e feito, com a força acumulada de 20 bois, arrastou-se o carro com a maior facilidade, sob os gritos, chapéus jogados para cima e aplausos da peonada.

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