MINHAS CRÔNICAS

sábado, 10 de outubro de 2009

15 de novembro de 1889 – a historia é sempre contada pelo vencedor

Os dramáticos acontecimentos que se desenrolaram no quartel general do exército no Rio de Janeiro, naquela manhã de 15 de novembro de 1889 ficaram registrados pela história com duas versões, não propriamente contraditórias, porém, com alguns detalhes do diálogo entre os presentes, tendentes a engrandecer um pouco mais a figura de Floriano Peixoto e, provavelmente, diminuir a de Deodoro da Fonseca, se isto é possível.
Como sabemos, ao tomar conhecimento do levante de grande parte do exército, o Visconde de Ouro Preto, então Chefe do Governo, resolveu, junto com alguns outros membros do gabinete, se dirigir, inicialmente para o Arsenal da Marinha, onde contava com real apoio, uma vez que já havia sido Ministro da Marinha, de onde, aliás, poderia organizar, se quisesse, algum tipo de resistência.
No entanto, foi convencido a se dirigir ao Quartel General do Exército, onde acabou por ser envolvido em uma emboscada, pois, naquele momento, as tropas comandadas por Deodoro da Fonseca estavam, justamente, invadindo as suas dependências.
A história registra, com a dramaticidade que o momento exigia, o diálogo mantido entre Ouro Preto, Floriano Peixoto e Deodoro da Fonseca. Ouçamos inicialmente, pela voz do historiador Dr. Austricliano de Carvalho (Historia do Brasil Colônia e Brasil Império, 1935) que, diga-se de passagem, foi a versão que ficou (repetida, quase que literalmente, pelos historiadores Hélio Silva, 1889:A república não esperou o amanhecer e R.Magalhães Junior, Deodoro- A espada contra o Império).
“Ouro Preto, sempre impávido, apesar de ter ouvido a observação do ajudante de ordens de Floriano, tenente Felipe Câmara, filho do visconde de Pelotas, de que ponderasse na carnificina inútil que iria causar, se o seu chefe executasse a ordem de atacar Deodoro.
Quis ainda Ouro Preto estimular o brio daquele, dizendo-lhe que na guerra contra o Paraguai ele fora um valente e que tomara bocas de fogo do inimigo, portanto, que fosse tomar as de Deodoro.
-As bocas de fogo do Paraguai, Senhor Ministro, respondeu Floriano, eram inimigas; aquelas que V.Excia. está vendo são brasileiras... Fique V.Excia. sabendo mais, estes galões que trago no punho foram ganhos nos campos de batalha e por serviços prestados à nação e não a ministros” .
Como sabemos, Ouro Preto foi preso e posteriormente deportado; de Tenerife, ainda a caminho do exílio, logo depois destes acontecimentos, lançou um manifesto que foi amplamente divulgado e, o mais interessante, não foi contradito neste episódio que estamos referindo, por nenhuma das personagens-testemunhas, todas elas ainda vivas na ocasião.
Ouçamos o que disse o famoso político, contrapondo o trecho deste diálogo ou discussão:
“Na realidade, quando pela quinta ou sexta vez, ordenei o ataque às forças de Deodoro, objetou-se Floriano que a artilharia daquele, apontada contra o Quartel-General, reduziria tudo a ruínas.
- Mas esta artilharia pode ser tomada à baioneta, retorqui-lhe; na pequena distância em que se acha postada, entre o primeiro e segundo tiro de uma peça, há tempo de cair sobre a guarnição.
- É impossível, respondeu Floriano, as peças estão colocadas de modo que qualquer sortida será varrida a metralha.
- Por que deixaram então que tomassem tais posições? Insisti; ignoravam? Mas não creio na impossibilidade senão diante do fato. No Paraguai os nossos soldados apoderaram-se de artilharia em piores condições.
- Sim, observou Floriano Peixoto, mas lá tínhamos em frente inimigos e aqui somos todos brasileiros.
Foi só, o que foi colocado por nós em negrito e que é a versão que circula entre os vencedores, é pura invencionice. Floriano nem tinha galões nos punhos e tampouco ele teria dito o restante da frase, pois é incompatível com os hábitos e pouco e comedidas frases do marechal, que sempre, até o último momento do dia 15, dispensou-me, como meu amigo, a maior deferência e reclamou contra a minha prisão e deportação, afinal cominadas por Deodoro”.
A segunda versão para discussão, agora partiu do filho do Visconde de Ouro Preto, o conde Affonso Celso.
No livro “Visconde de Ouro Preto- Excerptos biográphicos”, publicado em 1935 pela livraria Globo, Afonso Celso, que era membro da Academia Brasileira de Letras e do instituto histórico e geográfico do Rio de Janeiro. também descreve aqueles acontecimentos.
Ouçamos um pequeno trecho do seu relato, porém, , com a devida cautela para subtrairmos o que ali está embutido de carga emocional do filho escritor:
“ Asseverou-se que foi somente após saber que Dom Pedro II, depois de receber a renúncia do gabinete de Ouro Preto, motivada pelo motim militar, estava propenso a indicar o senador Silveira Martins, desafeto de Deodoro, para organizar o novo governo, foi que este resolveu proclamar a republica”.
Segundo ainda Afonso Celso, o Marechal Deodoro da Fonseca tinha profundo respeito pelo monarca e pensava, inclusive, expor a Dom Pedro II as suas intenções sobre o ministério sucessor do deposto.
“Quanto ao Imperador, - dissera Deodoro, ante o visconde de Ouro Preto e numeroso auditório, - tem minha dedicação, sou seu amigo, devo-lhe favores”; este trecho em negrito nunca foi, segundo o autor, desmentido por nenhuma das testemunhas e tampouco por Deodoro.
Finalmente, com a clara intenção de amenizar sua tentativa de diminuir o feito de Deodoro, conclui Afonso Celso “Tributando justiça ao patriótico brasileiro, pensamos que não foi subalterno motivo de ordem privada, o motivo que o levou a provocar mudança das instituições do pais”.
Fica o relato; a história é dinâmica, a procura constante de fatos escondidos nas entrelinhas dos relatos é necessária. Não cabe ao historiador analisar os fatos; cabe, tão somente, narrá-los!

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