MINHAS CRÔNICAS

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

BISBILHOTANDO A CORRESPONDÊNCIA ALHEIA

Estamos vivendo em um tempo em que normalmente as pessoas não mais escrevem cartas, os meios de comunicação, principalmente o e-mail, que são colocados à disposição do homem atual, mudaram completamente este costume.
Na década de 1960, quando fazia residência médica em São Paulo, mantive com Marília, na época minha noiva, uma longa (mais de duzentas cartas) correspondência epistolar; o carteiro da rua oito, segundo ela me conta, de longe já gritava:
- Hoje tem carta!
Como lembrança daquele tempo (o das cartas epistolares) só sobrou nosso arquivo secreto, algum dia...
Outro dia, manuseando meu “sebo” de preciosidades, deparei-me com algumas correspondências românticas que foram, a maioria, postumamente editadas em livros; algumas delas, trocadas por personagens hoje bem conhecidas do publico leitor, são muito interessantes, principalmente pela curiosidade em bisbilhotar a intimidade de um romancista, por exemplo, que levou-nos a viajar, na sua companhia, pelo mundo ficcional.
Encontrei, também, algumas outras, embora sem a visibilidade que a notoriedade expõe, pelo menos um dos missivistas, e que levou-me a imaginar aquele momento de enlevo que permite uma pessoa abrir o coração, não se preocupando com as possíveis ciladas do futuro, no que diz respeito à continuidade do relacionamento.
No ano 144 da era cristã, Marco Aurélio, naquela, época futuro Imperador de Roma, escreve para Fronto, seu professor e amante, uma carta de amor, onde ele descreve, sem nenhum romantismo, o seu dia-a-dia na Corte Imperial “...Estou dormindo tarde, peguei um resfriado e fiz gargarejo com água e mel, fui ver um sacrifício na companhia de meu pai...” depois ele pergunta à sua mãe “O que você imagina que meu Fronto está fazendo agora?”
Marco Aurélio termina a carta, como deve ser uma carta de amor, “...Adeus meu Fronto, onde você esteja meu querido mel adocicado, meu amor, meu prazer. O que existe entre você e eu? Amo você e você está longe...”.
James Joyce desde muito cedo tinha certeza de que seria um grande escritor, disse isto, muitas vezes e a vários interlocutores; muitos só acreditaram depois da publicação de Ulisses, uma das maiores obras literárias do século vinte.
Este Irlandês que mudou a história do romance, além de gênio, era, também, humano e como tal teve uma vida sentimental muito movimentada, destacando-se o seu envolvimento com Nora que durou mais de 30 anos.
Existem registrados vários episódios da sua vida em comum, ater-me-ei apenas a transcrição de trechos de algumas cartas enviadas por Joyce; por oportuno, fugirei da inacreditável correspondência escatológica e obscena, em pálida homenagem ao artista da escrita.
Ciúmes: “ ...na altura em que eu tinha o hábito de estar contigo, noite sim, noite não, tinhas encontros com um amigo meu à frente do Museu, andavas com ele pelas mesmas ruas, descias o canal, passavas pela casa onde costumávamos subir...Diz-mo, quando ias com outro ( um amigo meu) para aquele campo ao pé do Dodder (nas noites em que eu lá não estava), costumavam deitar-se no escuro, como fazias comigo e dizia-lhes (mas o que é isto, querido) como me dizias a mim?”
Arrependido: “...Peço-te, minha querida Nora doce e nobre, que me perdoes a vil conduta, perdoas-me, coração querido, não perdoas? Perdoa-me, minha adorada. Gosto de ti, e só imaginar-te com aquele infame e vulgar celerado me enlouqueceu a tal ponto.Da-me os teus lábios, amor....”
Amor extremado: “...Boa noite, bem amada rapariga, minha noivazinha, meu terno amor da Irlanda. Como eu gostaria de surpreender o teu sono! Há um sitio, Nora, um estranho sitio onde eu gostaria agora de beijar-te. Que não é nos lábios, Nora. Sabes qual é? Boa noite amada!”
Romântico: “Eu queria ficar naquele coração/Como peço e bato à sua porta!/Onde só pode haver paz./Rigores eu teria mais doces/Se ficasse naquele coração”
Amor maduro: “...Amo-te profunda e sinceramente, Nora. Sinto agora que sou digno de ti. Não há uma partícula do meu amor que te não pertença.Gostaria de dar-te tudo quanto tenho, todo o saber que possuo, todas as emoções que eu próprio sinto ou senti, todos os meus gostos e desgostos, todas as esperanças ou todos os remorsos”
Para concluir, gostaria de relatar a estranha, para dizer o mínimo, carta que deu inicio ao relacionamento entre o prêmio Nobel de Literatura, o escritor americano John Steinbeck e a sua ultima esposa, Sra. Elaine Scott.
Estava ele vivendo no seu refugio na California “um selvagem e violento tempo de coração despedaçado” após a separação da sua segunda esposa, quando recebeu a visita de uma amiga, trazendo, a tiracolo, a “pretendente” Elaine.
Quando ela partiu, ele mandou-lhe a seguinte carta:
“ Sou um viúvo com 10.000 acres de terra no Arizona e sete cabeças de gado e se você souber tirar leite, eu ficarei satisfeito se você trouxer um balde, seja pacienciosa, não queira se casar, venha para a terra de Deus”
Resultado? Casaram-se um ano depois desta carta, foram felizes até a morte!

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