MINHAS CRÔNICAS

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Brincar de Artista

Dedicado ao pediatra Dr. Daniel de Almeida


De todas as nossas brincadeiras de criança, uma exercia maior magia: brincar de artista.
Juntávamos a meninada, acredito que a maioria dos da nossa idade e, após a divisão em dois grupos, sempre sob o comando de Zé Olegário, saíamos em desabalada carreira à procura dos refúgios que, previamente, fazíamos nas encostas dos barrancos, no meio da nossa plantação de milho, em cima das árvores, dependendo da capacidade do grupo ou de uma determinada liderança.
O Zé Olegário era imbatível nestes arranjos e, o grupo que saía com ele, dificilmente perdia; ele "bolava" um sistema de túneis interligados entre si, que constituíam verdadeiros labirintos; se acontecia de se descobrir a “boca” de um deles, ficávamos sempre temerosos de entrar para "prender" o antagonista, havia o risco de o Zé Olegário ter armado alguma cilada e o "prendedor" acabava preso e amordaçado no buraco, até terminar a brincadeira.
Algumas vezes, na correria para esconder-nos, caíamos em algum buraco, devidamente camuflado por capim que o Zé Olegário programava.
Se perdíamos pontos com estas “invenções”, contrabalançávamos esta nossa fragilidade, com as estratégias do Pedro meu primo: maior velocidade, maior capacidade de rastejar, maior coragem para subir em árvores e, principalmente, melhor sistema de comunicação (duas pequenas latas unidas entre si por uma linha de costura, por onde conversávamos à maneira de um telefone).
Todos os lances das brincadeiras baseavam-se nas histórias dos filmes que assistíamos no cinema do Sr. Jorge Braga.
O Jarbas, irmão do Zé Olegário, descobriu em uma oportunidade, justamente na ocasião em que os filmes de Tarzan movimentavam as telas do cine São Jorge, um enorme vale, com grande profundidade e, por sorte, bem no seu fundo uma grande árvore.
Só faltava o cipó, que foi substituído por uma corda e estava pronto o ambiente para o Tarzan atravessar o vale de um lado para o outro. Viagem maravilhosa! Sentia-se o vento bater de encontro ao nosso rosto e a sensação de dono do espaço.
Não é necessário realçar os riscos que advinham com estes vôos, era necessário ter coragem para enfrentar esse desafio; não se podia titubear na hora de largar a corda, ao chegar do outro lado do vale; se não houvesse o sincronismo perfeito: soltar a corda e jogar o corpo para frente poderia ocorrer uma queda de costas para o fundo do vale.
Se, ao chegar do outro lado, por qualquer motivo não se soltasse, o impulso da volta não era suficiente para chegar ao lugar de origem, resultado: ficava-se dependurado a uns 5 metros do solo, tendo como única saída, soltar-se e cair sobre um terreno perigoso (paus, espinhos, água).
Pelo menos em uma oportunidade me lembro de que o Sebastião Maracanã levou uma queda e ficou desacordado (?) durante algum tempo, foi um Deus nos acuda!
Quando o indivíduo perseguido era visto, imediatamente ouvia a voz de prisão: “Monsuar”; com esta expressão pensávamos que estávamos falando na língua que ouvíamos no cinema (inglesa) e que queria dizer: “mãos ao ar”; o “preso” ficava estacionado onde estivesse e, em seguida, outra palavra de ordem era proferida: “cameni boy” (venha para cá), se entregava e era amarrado com as mãos para trás e só era solto no final da brincadeira.
Não havia intenção de machucar uns aos outros; tanto é verdade que esta brincadeira era uma das nossas preferidas, usávamos revólveres de pau e as cordas eram feitas de cipó imbira.
É, o tempo passou, quando olho para o meu passado que parece tão distante e ao mesmo tempo tão presente nas minhas reminiscências, sinto saudade e imagino, consultando minhas elucubrações: Eu era feliz e não sabia!

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