MINHAS CRÔNICAS

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

COMO MARMOTINHA CONQUISTOU O SOGRO

Ontem, o João da Tereza, mais conhecido como João “come quieto”, sendo que este último apelido, só pode ser dito na sua ausência, pelas suas possíveis conotações mundanas e, principalmente, pelo seu novo estilo de vida, como iremos informar, terminou o serviço de “bateção” do pasto.
Veio receber o que lhe é devido, trazendo, na carona da sua moto, um seu irmão que é surdo e mudo, cujo nome, por óbvias razões, nem sempre é declinado.
Fiquei sabendo, pela nossa conversa que tanto ele como o irmão são crentes e estão fazendo todo o possível para salvar a alma do nosso funcionário Marmotinha e este não está nada satisfeito com o assédio, pois, além dos dois, existe um outro peão vizinho, de nome Dilvanir, que professa a mesma religião e tem, também, prometido a ele, a certeza de ajudá-lo a achar o caminho do céu.
Se a oferta não exigisse nenhum sacrifício em troca, acredito que o Marmotinha, pela sua formação, aceitaria sem pestanejar, porém, nem sempre as coisas que almejamos são alcançadas sem nenhuma pertinácia.
O problema é que, para este bafejo da sorte, segundo as orientações dos dois “pastores”, o penitente teria que abdicar de alguns privilégios terrenos, tais como:
Não assistir televisão, não ligar o sistema de som e não ingerir bebidas alcoólicas de maneira alguma.
Quando ouvi esta relação de proibições, comecei a pensar com meus botões: não acredito que o Marmotinha terá condições de receber a graça prometida; a televisão está de tal maneira embrenhada no dia/dia da família que acho difícil ele atender esta exigência, mesmo porque, o contrato está sendo feito com a intenção de salvá-lo, porém, a sua mulher e os seus filhos não foram consultados e não sei se estão interessados em expiar a sua alma.
O sistema de som, comprado com o auxilio das economias da mulher, com quinze prestações ainda a pagar, será outro motivo de dificuldade para ser colocado na mesa de negociações, senão vejamos:
Marmotinha adquiriu, bem antes de comprar o aparelho, uma grande quantidade de fitas K7 (todas com músicas sertanejas), deixando claro, com este gesto, aliás, com bastante antecedência, o desejo de se deleitar com as vozes dos seus cantores favoritos.
O João da Tereza, ou João “come quieto” (que ele não nos ouça) sabe, de antemão, das dificuldades que enfrentará para convencer o Marmotinha a abandonar esta “tentação do Satanás”; aliás, quando ele fala esta palavra tão sonante, porém, tão carregada de maus presságios, seu irmão, o surdo-mudo, provavelmente decifrando a linguagem dos seus lábios, colocou os dedos indicadores na testa, como se fossem chifres do capeta e sinalizou com a boca, como se estivesse soltando fogo pela dita cuja.
No entanto, a última exigência da lista, largar de beber, creio ser a mais difícil, se não impossível de ser atendida, pois, Marmotinha gosta muito de uma pinguinha, segundo ele, desde menino; na verdade, nunca bebeu para “descornar”, mas sim para enfrentar alguma tristeza da vida, alguma contrariedade, para comemorar alguma alegria, alguma “paixão recolhida”, etc.
O “etc” fica por conta da minha interrupção, se não teria que narrar para meus leitores, todas as razões por ele enumeradas e esmiuçadas nos detalhes; vou contar, para não cansá-los, apenas um dos acontecimentos mais pitorescos desta sua desventurada vida de “bebedor”.
“Uma vez, namorava minha atual esposa, aliás, tentava fazê-lo, pois havia muitas barreiras a serem vencidas e, uma delas, a mais difícil, era “dobrar” o pai dela, um homem muito bravo, adquirindo maior coragem quando ficava “tocado” pela pinga.
Nestas horas, poucas pessoas tinham a coragem de contrariá-lo, partia logo para a ignorância.
Eu ficava só rodeando a casa do quase futuro sogro, esperando a oportunidade de me aproximar, quando ele não estivesse “tocado”; infelizmente esta fase nunca consegui observar, nem mesmo seus vizinhos conseguiram.
Estava ficando cada vez mais impaciente com a situação, já havia transcorrido mais de um ano, para ser exato, um ano e cinco meses; um dia, para minha salvação, um irmão do homem, que era encarregado do barco que atravessava o rio, compadeceu de mim
e fez a seguinte proposta:
“ Você compra três botijões de gás e coloca na minha camionete, fugiremos por este mundo afora até o gás acabar, garanto que o homem não vai achar vocês de jeito nenhum”.
A proposta era boa, porém, me deu outra idéia: precisava mostrar para o sogro que estava bem intencionado; a casa que ele morava era de sapé, aproveitei um dia de sol muito quente e um vento suave, fiz uma tocha de fogo e joguei em cima da tapera; logo em seguida comecei a gritar
- gente, óia o fogo!
Entrei correndo pela casa adentro, arrastei todo mundo para fora, inclusive o sogro, naquela altura sem condições de caminhar pela bebedeira do dia.
Por azar, o fogo alastrou para a cozinha, onde um botijão de gás ainda não havia sido consumido.
De longe se ouviam as explosões!
No final tive que ajudar o sogro a construir outra casa, o homem ficou convencido da minha honestidade, casei com esta mulher e estamos sendo felizes, não é mesmo benzinho?”.
Vou reavaliar esta felicidade, não sabia desta história, disse ela, ainda incrédula.

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