MINHAS CRÔNICAS

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

AMOR DE VIUVA DEIXOU ZEQUITA JURURU

Ela era, realmente, uma caboclinha bonita, Zequita tinha razão em ficar enfeitiçado; além de tudo, a disputa para conquistá-la não havia sido fácil, havia vários outros pretendentes com a mesma expectativa.
Para ir à igreja na sua companhia, ela vestia aquelas roupas de chita estampadas, muito rodadas, fazendo frufru quando ela caminhava, o ombro, como convinha, era quase que descoberto, seu pescoço, modelarmente torneado, sustentava um rosto lindo e inocente; quando ria, o riso era leve, sem rumor, tal qual moça de família. E seu andar? Parecia o pisar de uma garça com a intenção de ser caçoísta com o companheiro: exagerava um pouco, porém sem exagero, o requebro do quadril.
Seu olhar? Ai meu Deus de misericórdia, quanta doçura! Deixava a moçada alvoroçada e com o coração em constante bate-bate; não lhe tiravam os olhos como se fossem jacarés chocando ovos, pareciam gaviões andando de um lado para o outro, comendo com os olhos aquela avezinha sem defesa; porém, ficavam somente na vontade porque aquela rolinha tinha dono.
Podem acreditar, os dois saindo da igreja era a própria imagem da felicidade, não havia dúvida, parecia que nasceram um para o outro.
Não existe felicidade sem fim, de repente as coisas podem mudar e com Zequita também aconteceu, sua vida mudou; de repente, todos os que o rodeavam perceberam, passou a não cumprir alguns comezinhos deveres da labuta diária: esquecer de soltar o cavalo após a chegada do pasto, apartar a vaca do bezerro no final da tarde e outras coisas assim.
Da Martinha, sua mãe, foi uma das primeiras a perceber a mudança e, como toda mãe, passou a ficar preocupada; a primeira coisa que fez foi discutir o assunto com o marido.
- Por que será que o nosso Zequita anda tão jururu? Está parecendo aquelas pombas juruti que ficam roncando na beira do ninho sem ovo!
- Me disseram, vou só repetir: naquela viagem que ele fez lá pros cafundó daquelas cordas de morro, apalavrou com aquela viúva endinheirada; não há de ver que a diaba ainda está usando roupa preta e já está exibindo a força dos seus trinta mil pés de café!
- Vamos lá e venhamos cá, não acredito, pois, o nosso Zequita tem um rabicho antigo com a fia do compadre Messias e todo mundo está esperando um desfecho e, ademais, não boto fé naquela muié prosinha, desrespeitadeira de defunto fresco que vive tocando viola sem corda, piscando o zóio e dando risadinha pra todo cristão que passa por aquelas bandas só porque tem condições de fazer subir fumaça no fogão, por sua conta.
- Acho que é por isto mesmo, o nosso fio, que sempre foi corajudo, parece estar meio azaranzado com a situação, seu coração deve estar balangando; este tipo de mulher quando aprochega do cidadão, enseba mais que capim catingueiro-roxo de manhã cedo que molha a barra da calça e só enxuga com o sol esturricando, enxuga, mas fica meloso.
- Não entendi, acho que você não está falando coisa com coisa, está parecendo aquelas pessoas que ficam lobisomando por ai, provocando zunideira nos ouvidos dos outros; se apruma homem, não vê que nosso fio Zequita tá precisando de ajuda?
Felizmente para os aflitos pais, Da. Martinha e seu esposo, a solução para o problema veio do além, como passo a explicar, aliás, vou repetir a versão que corria de boca em boca.
A sirigaita da viúva morava, como informei no inicio, lá no alto do espigão mestre e para chegar até lá, era necessário atravessar um trecho de estrada que diziam ser assombrada, por causa da presença de uma enorme figueira, de cujos galhos caíra e morrera uma mulher, há muitos anos.
A descrição que fazem daquela criatura realmente mexe com a sensibilidade das pessoas: era muito magra, baixa estatura, cabelos enormes e emaranhados, unhas muito grandes e pontiagudas, olhos esbugalhados e vermelhos; vestia-se com um camisolão branco.
Ao caminhar e ela fazia isto, praticamente, a noite toda, sua língua, que era muito comprida, arrastava-se pelo chão e era pisada, praticamente, a cada passo.
O mais assustador eram os gritos de dor que ela lançava no silêncio da noite a cada possível descuido ao pisar na dita cuja.
Não sabemos se o Zequita se esqueceu deste pormenor, mas a verdade é que em uma destas noites muito escuras, ele estava voltando da casa da viúva e ao passar por debaixo da figueira, deu de cara com a mulher cabeluda.
O resultado deste inusitado encontro foi o desfazimento do compromisso que fizera, nunca mais quis saber de voltar por aquelas bandas.
Sei que existe certa curiosidade dos leitores em saber se o final foi feliz; foi em parte, porque o pai do Zequita descobriu que a mulher cabeluda daquela noite, era a sua própria esposa que resolvera fazer o sacrifício de se travestir, para salvar o filho daquela enroscada; a filha do Sr. Messias nunca soube deste amor impossível do seu amado.
O pai do Zequita passou, a partir daquele dia, a ficar desconfiado se a esposa não seria a verdadeira mulher cabeluda, aliás, desconfiança que nunca mais acabou.

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