MINHAS CRÔNICAS

terça-feira, 15 de junho de 2010

LONDRES – Caminhando por suas ruas e avenidas

O escritor, dicionarista, poeta, polemista e, sobretudo, frasista, Samuel Johnson (1709-1784), mais conhecido no meio cultural da língua inglesa como “Doctor Johnson”, cunhou uma frase que até hoje é repetida: “Quando um homem está cansado de Londres, ele está cansado da própria vida”.
Tirando o exagero da citação, realmente não há como deixar de encontrar, todas as vezes que voltamos a Londres, alguma coisa que deixamos passar despercebido em outros encontros.
Peço licença ao Mister Gladstone (1809-1898), Primeiro Ministro da Inglaterra por quatro vezes, para discordar do alerta que dava aos visitantes: “A melhor maneira de conhecer Londres é de cima de um ônibus, de cima de um ônibus, meus senhores!”; acho que a melhor maneira é percorrê-la caminhando, sem pressa e procurando detalhes da sua arquitetura, seus jardins, a movimentação de gente e, principalmente, de bem com a vida.
Sempre que caminho pelas ruas de Londres procuro ficar atento com as fachadas dos edifícios à procura de “marcações literárias”, que são placas de cor azul, colocadas pelo governo municipal a fim de identificar locais históricos e possíveis ex-residências de figuras notáveis da vida literária, histórica e política de Londres.
Em uma das caminhadas que fizemos (Hélio Junior e eu) a procura da rua onde Couto de Magalhães morou nos anos de 1876 a 1880, deparamos com a casa onde Charles Dickens viveu e escreveu o famoso romance Oliver Twist; ficamos, nós ambos, até um pouco emocionados com o inusitado do encontro e discutimos, bem em frente, alguns detalhes daquele romance e imaginamos o grande escritor observando-nos através das vidraças da sua casa.
Um dos “encontros” mais emocionantes desta minha viagem foi a ida à livraria “Hatchard”; caminhávamos sem compromisso de roteiro e, principalmente, sem preocupação com o tempo; estávamos nas imediações de Westminster, atravessamos a ponte, ladeamos a casa do Parlamento, sabendo que o big Ben pairava, majestoso, acima das nossas cabeças; rodeamos a Trafalguar square e, ao chegarmos ao Picadilly, demos de cara com aquela que é considerada a mais antiga e legendária livraria da Inglaterra.
No livro - Couto de Magalhães, o último desbravador do Império – “levei” Couto a esta livraria, “obrigando-o” inclusive a comprar um livro, sentar-se em um banco situado nos fundos da loja e que era reservada para clientes especiais, onde “leu” um folheto que informava que a Realeza, além de Gladstone, Disraeli e Oscar Wilde freqüentavam aquela livraria.
Quase nada mudara desde 1797, ano da sua fundação; continua no mesmo local, continua existindo a mesma sala reservada nos fundos e, provavelmente, a mesma
freguesia diferenciada; conversamos com o solícito vendedor que nos atendia, falamos da razão da nossa presença ali, folheamos alguns livros, compramos dois deles e continuamos nossa jornada.
Se eu fosse consultado sobre qual rua ou avenida seria mais representativa da vida urbana de Londres, não teria duvida em afirmar que seria a Regent street; acrescentaria ainda, como orientação ao inquisidor: caminhe no sentido de Oxford Circus para o Picadilly, faça-o sem pressa, observe a movimentação das pessoas, a decoração das lojas e tente, se você já esteve ali antes, encontrar os mesmos endereços comerciais de vinte, trinta anos atrás. Eles não mudaram!
O seu atual traçado vem de 1.800, quando o Príncipe de Gales, que reinava como Regente da Coroa, solicitou ao arquiteto de nome John Nash que a remodelasse completamente para tornar-se uma via que facilitasse a vinda da sua mansão em Pall Mall para um Palácio que ele pretendia erguer em Regent Park.
O seu desejo foi parcialmente atendido, pois, Regent Street, com suas curvas harmônicas, semelhantes ao curso dos rios, seus edifícios encimados por chaminés, suas colunas gregas embelezando suas fachadas, dando-lhes uma feição de falsa homogeneidade, obriga os transeuntes a parar, praticamente a cada passo, para sentir a sua grandeza.
Infelizmente, para ele, o Príncipe, onde estava planejado para se edificar seu Palacete (Regent Park), construiu-se um zoológico (inaugurado em 1828).
Certa feita estive em Londres na época do Natal; dificilmente haverá uma via pública tão belamente decorada para esta ocasião como a Regent Street; todas as lojas, com seus enfeites, davam vazão à contagiante alegria alusiva à data; guirlandas coloridas estavam estendidas de um ao outro lado da rua, formando túneis multicoloridos; espetáculo inesquecível!
Um dos momentos de grande emoção para nós dois, Hélio Jr e eu, foi o meu reencontro com a escola de inglês St. Giles, localizada nas imediações da Oxford Circus; voltei no tempo e relembrei-me que há cerca de quarenta anos, todas as tardes, encontrava-me com Marília, minha mulher, bem no local onde paramos agora; eu voltava do Hospital onde estagiava e ela saia da sua aula.
Eram momentos de cumplicidade, de afirmação, de dependência mútua e, principalmente, hora de falarmos sobre nossos filhos, com cinco, três e um ano de idade, que deixamos no Brasil e viemos à procura de um futuro mais promissor, para nós e para eles.
Éramos tão jovens! É, o tempo passou!

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