MINHAS CRÔNICAS

terça-feira, 20 de abril de 2010

DUAS CRIANÇAS NA CHUVA


Ontem, ao caminhar pelo Setor Universitário em Goiânia, com algumas das suas ruas mal cuidadas, emolduradas por residências simples e de acabamento pobre, divisei duas garotas de mãos dadas. Chovia mansamente e a água escorria rua abaixo com velocidade, porém, com maciez proporcionada pelo asfalto liso, quase sem atrito. Conversavam animadamente, provavelmente não sobre as agruras da vida e as dificuldades existenciais enfrentadas pelas suas famílias; conversavam, tenho certeza, sobre as mesmas coisas que as crianças desta idade conversam: bonecas e outras ilusões.
Aparentavam cinco e sete anos de idade, respectivamente; os seus cabelos, caídos sobre as costas, eram lisos e compridos, porém, permitiam que um vento suave, quase que uma brisa, brincasse com os mesmos.
A água da chuva, molhando suas vestes e os seus rostos, dava-lhes uma aparência de frescor, exaltando as suas figuras de inocência e, como se fora um passe de mágica, um raio de sol atravessava a tênue cortina de água e iluminava seus rostos radiosos.
Os pés estavam descalçados, como convinha para aquela situação e a água batia de encontro aos mesmos, fazendo miniaturas de cataratas; pelos seus olhares consegui auscultar a sensação agradável que isto lhes proporcionava.
Nestas horas, o pensamento de uma criança realiza os sonhos inatingíveis pela realidade do cotidiano; consegue deslumbrar um mundo que não é apercebido pelos adultos, soltam-se barcos pela correnteza e embarca-se no calmeiro das ilusões, rumo ao desconhecido.
Ninguém para interferir, tentando mudar o rumo da embarcação!
A mais velha (velha?) usava um vestido vermelho, com comprimento abaixo dos joelhos, adornado por uma gola branca, toda rendada. Um par de brincos argolados enfeitava aquele seu rosto suave.
A outra estava vestida com maior modéstia (seria possível?), exibia uma fita disposta como tiara, realçando a tez lisa e bonita.
De vez em quando as duas agachavam, dando a impressão que procuravam alguma coisa perdida; seguramente analisavam o mundo imperceptível aos demais mortais, sempre insensíveis às pequenas nuanças da natureza: uma formiga, por exemplo, que lutava, agarrada a uma folha para sobreviver àquele "dilúvio", sendo jogada pela correnteza rumo ao desconhecido. Pode ser, também, que tenham visto uma fenda no asfalto por onde a água penetrava, levando consigo tudo o que podia carregar e o que cabia naquele buraco.
A formiga agarrada na folha, balançando e trombando com as reentrâncias do caminho, tinha alguma esperança de chegar a um destino, provavelmente escapar da corredeira com vida e reiniciar o ciclo biológico em outras plagas, longe do ponto de origem. Aquelas que foram levadas para o interior da fenda do asfalto, figuram na lista dos caminhantes das estradas sem volta.
Tive que seguir meu caminho, a necessidade de conviver com o tempo disponível, impõe-nos uma rotina, a que nos submetemos com disciplina, até sem percebermos. Deu-me vontade de libertar das amarras que me prendem á idade adulta e segurar nas mãos daquelas duas crianças e trocar opiniões sobre a necessidade da chuva, do buraco e da corredeira engolfar a formiga nos seus tentáculos e carregá-la, rumo ao desconhecido, contra a sua vontade.
Elas, provavelmente, não me dariam uma explicação lógica (nossa lógica nunca é a lógica delas), mas me informariam no seu linguajar simples e direto:

Existe tudo isto porque, se não houver chuva, não haverá flores e, sem flores, não haverá a alegria da vida das formigas!

Se eu não conseguisse entender, entreolhariam e despediriam com um sorriso de desapontamento e, lá na frente, ainda de mãos dadas, olhariam para trás e os seus olhares denotariam que sentiam, mais uma vez, muita pena dos adultos.





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