MINHAS CRÔNICAS

quinta-feira, 1 de abril de 2010

O amor na idade madura

Fazia muitos anos que não me encontrava com John Harrison; a última vez aconteceu, provavelmente, há cerca de oito anos na cidade de Boston, por ocasião do congresso americano de coloproctologia.
Pareceu-me, ao revê-lo agora em Seul, na Coréia, um pouco mais envelhecido, porém, com a simpatia de sempre. Conversamos, durante o intervalo de uma sessão cientifica, por um longo período de tempo; inicialmente discutimos os avanços da cirurgia laparoscópica desenvolvida pelos cirurgiões coreanos, principalmente com o uso de robôs; falei-lhe sobre minha vida profissional, sobre minha família e principalmente sobre meus netos; ele, ao lado de, também, tecer comentários semelhantes, contou-me uma história inusitada a respeito de sua mãe.
Você não vai acreditar, disse-me ele, minha mãe, quando completou 80 anos, apos 15 anos de viuvez, ficou apaixonada por um homem que ela conheceu no Centro de Assistência ao Idoso, mantido pelo seguro social do governo.
À primeira vista pode parecer muito interessante, porém, existia um
problema que não permitia que nós, da família, achássemos o acontecimento maravilhoso: uma senhora com bastante idade, no caso minha mãe, e seu novo amigo (nem sei se posso dizer novo namorado), dois adultos idosos, tentando conduzir um complicado romance em uma situação em que ambos apresentavam alguma limitação motora; ela usava um “andador” e ele caminhava com alguma dificuldade com o uso de uma bengala.
Conflitando com estas limitações, suas mentes eram muito saudáveis e seus sentimentos estavam à flor da pele.
Minha mãe estava feliz; ela telefonava para dizer-me que ele era uma criatura maravilhosa, porém, de vez em quando havia alguma tempestade no relacionamento: “você não acredita o que ele fez comigo; atrasei-me um pouco para o jantar e, ao invés de me esperar, como normalmente ele faz, sentou-se em uma mesa com três outras mulheres e quando cheguei não havia mais lugar para mim”.
Eu vou terminar com ele, disse-me ela, sei que mereço muito mais que isto; consegui acalmá-la e, de repente, ela deu uma boa risada e disse: “estou me portando como uma jovem estudante!”
Eles, pelo que eu entendia, divertiam-se na companhia um do outro, jogavam bridge, ouviam música, conversavam sobre suas vidas e suas famílias, estavam felizes.
Um dia, quando a saúde de minha mãe começou apresentar alguns sinais de enfraquecimento (acentuou sua paralisia e, também, diminuiu sua visão) o relacionamento entre os dois começou a deteriorar e seu namorado telefonou-me para dizer que não estava conseguindo manejar esta situação, pois havia sempre a lembrança da sua falecida esposa e nunca havia esquecido da sua dor e sua morte e tinha medo que tudo se repetisse.
Disse-lhe que sentia muito a situação e não estava preparado e nem sabia como ajudá-lo, porém, alguns dias após, recebi nova ligação, agora de parte de minha mãe, quando me leu um poema que fez para ele.

Quando ouço sua voz, sinto o influxo da sua presença
Quando toco suas mãos, sinto a sua presença
Não deixe que o silêncio se interponha
Deixe, ao menos, que eu sinta a falta do seu carinho.

É estranha a vida; nós, os brasileiros, que começamos, tal como o que ocorre com os norte-americanos, a viver uma nova realidade (a mudança de expectativa para uma vida mais longa) precisamos estar alertas para esta nova possibilidade e procurar entender, semelhantemente ao que meu amigo Harrison está fazendo, esta nova realidade.
O idoso pode voltar a amar, porém, a maturidade leva-o a entender que o amor entre pessoas que já enfrentaram tormentas, prazeres e ilusões durante sua vida anterior a este novo acontecimento, não será semelhante ao amor da juventude; será quase que um companheirismo.
Cabe repetir o que já foi dito: “Os jovens andam aos bandos, o idoso anda sozinho!”

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