MINHAS CRÔNICAS

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Leréias do Batistão – medo de lobisomem

Muitos dos meus leitores já conhecem o Batistão e suas “estrepolias”, porém, tenho certeza, que não conhecem todas elas.
Como sempre, a varanda da Fazenda Santo Antonio em Edéia, é o lugar preferido para reunir os nossos peões no final da tarde, após a estafante lida diária; normalmente estas reuniões se dão ao redor da churrasqueira, regadas por algumas latinhas de cerveja.
Após a terceira geladinha o Batistão, por livre iniciativa, parece que adivinhando o desejo de todos os presentes na roda, inicia a contar suas leréias.
Lembro como se fosse hoje, naquela noite a lua estava desavergonhadamente bonita; surgiu por detrás do espigão mestre de um morro que limita nossa vista para o lado do nosso vizinho Sr. Juvenal; na verdade, foi surgindo devagar, parece que empurrada para cima por mãos invisíveis; inicialmente somente o seu clarão fazia prever sua próxima aparição, no início com certa timidez, porém, já dominando a encosta do morro.
De repente ela aparece inteira na tela do firmamento, a natureza ao seu redor, que nos é mostrada por sombras, parece que inicia o dormitar acalentada pela brisa cariciosa, seguramente presente em todo final de tarde, início de noite.
Era dia ainda e já era noite, os habitantes das matas já se acomodavam para o sono, escutando, somente, o murmúrio dos insetos, inaudíveis para os forasteiros daquelas paragens.
Se prestamos atenção, com a agudeza do nosso olfato e, principalmente, com a sensibilidade dos nossos sentidos, poderemos sentir, no ar, um perfume exalado da boca de mulher nova e bonita, que circulava a custa de um zéfiro gentil.
Ainda perdido nestas elucubrações, vejo o Batistão se levantar e andar, como se fora ao encontro da lua; para, olha para nosso lado, volta a mirá-la e diz com firmeza:
- Num gosto de lua cheia, fico cismado, principalmente se for dia de sexta-feira de coresma.
Meu filho José Paulo, por conhecê-lo, resolveu “colocar lenha na fogueira”.
- Cismado com o que Batistão?
Batistão olhou-nos seriamente, voltou-se para a lua e disse em voz alta:

“Monjolo maceta o milho
Do milho faz o fubá
Lua cheia clareia o caminho
Prá espantar o boitatá.”

É claro que a curiosidade aumentou depois desta inspiração poética; não foi necessário aguardar muito tempo para as devidas explicações.
- É justamente nas sextas feiras de lua cheia, podem aquerditar, que o lobisomem costuma aparecer, anliás, conheço um caso que não me deixa mentir, deu-se com a comadre Deusina, que Deus a tenha. Ela não sabia que estava casada com um lobisomem, anliás, meu compadre Japaci!
Certa noite, a comadre Deusina estava dormindo com o compadre, lá no casario que pertenceu ao defunto Zé Marreco, quando acordou assustada, devido a um sonho ruim que estava tendo e deu de cara com um cachorrão preto todo estrangolado, de olhos vermelhos e esbugalhados, orelha mais comprida que o queixo, dentro do quarto.
Gritou pelo compadre Japaci e este não respondeu; o cachorrão atacou-a sem dó nem piedade, mordendo seu corpo para tudo quanto é lado e agarrou com os dentes as barras da sua camisola, só parou quando ela conseguiu abrir a janela prá fugir e o clarão da lua entrou feito um silibin, clareando tudo que via pela frente, por onde fugiu, credo em cruz, o desgramado do duende. A comadre ainda teve tempo de ver o bicho correr para o galinheiro e comer os estrumes das galinhas.
No dia seguinte ela viu, entre os dentes do compadre, alguns fiapos da flanela da sua camisola; a comadre esconjurou o resto da vida que viveu, a má sorte de ter morado, segundo ela pensava, durante tanto tempo com um lobisomem.
Fez-se um grande silêncio na roda, a mulher do Batistão baixou a cabeça e não disse uma palavra; o gaiato do José Paulo, com intuito de fazer um pouco de “terrorismo”, resolveu provocar:
- Sei não, mas já ouvi falar e até li em uma revista, que as pessoas que são amigas do lobisomem acabam adquirindo, com o tempo, algumas das suas malvadezas. É bom não arriscar Batistão, todo cuidado é pouco.
O silêncio continuava terrível, ninguém para comentar a estória do Batistão, a não ser ele mesmo que resolveu acrescentar mais alguns detalhes:
- Ele gosta de estrume de galinha, mais tem que ser da mole, que nem sabão de cinza que não deu ponto, anda sem parar e nas casas que tem criança que não foi batizada, pode esperar que ele aparece e se não consegue entrar, arranha a parede por debaixo da janela.
De repente Da. Naradinha, a mulher do Batistão, que até aquele momento mantinha-se calada, porém, muito atenta à conversa, olha-o com severidade e pergunta-lhe incisiva:
- Batistão, você está matraqueando muita prosaria deste tal lobisomem, me fala com toda franqueza homi de Deus, você continua amigo do compadre Japaci?

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