MINHAS CRÔNICAS

sábado, 10 de outubro de 2009

BONS TEMPOS AQUELES!

Ela estava dividida entre o desejo de me deixar uma ultima imagem sua e o medo de que essa imagem fosse insuportavelmente triste

A Busca do tempo perdido
Marcel Proust
A imagem que guardo da minha mãe, não é de insuportável tristeza. Vejo-a caminhando com dificuldade, é verdade, porém, sempre com a certeza de que seus passos levavam-na ao porto seguro. Nos últimos tempos ela esteve acamada; no entanto, nunca ouvi dos seus lábios um lamento ou alguma manifestação de tristeza; enfrentava com resignação mais aquele desafio que o destino lhe reservou.
Ah se eu pudesse segurar, novamente, as suas mãos; ah se eu pudesse, novamente, caminhar ao seu lado. Ah se eu pudesse... O tempo passou e ficou, guardada na retina e no coração, a sua imagem, austera, impositiva, muitas vezes triste e no mais das vezes alegre.
Outro dia, revirando meus guardados, deparei-me com um caderno de anotações da movimentação de hóspedes da nossa pensão Santo Antônio; a letra, inconfundível para mim, era de minha mãe, legível, porém, “brigando” com os espaços das linhas.
O ano era o de 1953, pois, destaca-se uma anotação da lavra do Sr. Bernardo Piazzalunga, onde aquele saudoso e progressista empresário declara, de próprio punho, que entregou Cr$500,00 (quinhentos cruzeiros), provavelmente à dona da pensão, no dia 23.5.53, para pagamento, por conta, da dívida por ele contraída, pelo fornecimento de refeições para seus funcionários da fábrica de queijos.
Na verdade eu era, juntamente com a boa negrinha Margarida e o meu grande amigo Servinho, mais conhecido como Tutu, um dos garçons da pensão; por isto me lembro que os funcionários acima citados eram os próprios filhos do Sr. Bernardo (Zezé, Pedrinho, Netinho e Paulinho) que se revezavam na assistência aos negócios do pai.
Cada refeição custava Cr$10,00, como se depreende pelos cálculos inseridos no citado caderno; minha mãe obrigava-nos a não deixar, em hipótese alguma, que o hospede pedisse que completasse alguma travessa; éramos instruídos a mantê-las sempre cheias.
Era o diferencial da pensão Santo Antonio, como Da. Olívia gostava de dizer
Folheando outras páginas do antigo caderno, “reencontrei-me” com vários outros hóspedes da nossa pensão: José Marques, Geraldo Loredo, Vicente Mota, José Candido, Bié, Mario Correa, Quelemente, Eucridis, Arineu, João Rocha, Roxado, Arante, João Celestrine, Juaquim Gomes, etc.
Sei que a grafia de muitos destes nomes está incorreta, mas foram assim registrados; a encarregada das anotações não esperava que as mesmas caíssem nas mãos de um bisbilhoteiro, mais de cinqüenta anos depois...
A impressão que guardamos das pessoas que marcaram nossas vidas costuma, em muitas oportunidades, perder no emaranhado do tempo, pois, aquele instante do encontro se apagou, como a luz da vela que morreu pelo definhamento do pavio.
De repente somos tangidos pelas nossas lembranças; a simples menção de um nome, pinçado, como agora, das anotações corriqueiras de uma zelosa dona de pensão, leva-nos de volta ao passado e instintivamente, nos vemos a conversar com algumas destas pessoas.
Momento de pura magia e encantamento; não sei quantas, mas sei que a maioria delas já morreu; no entanto, consigo mantê-las vivas e trago-as para meu momento presente.
Parece que ouço suas vozes, porém, percebo que são apenas ecos. Suas palavras reverberam e escapam ao entendimento; porém, são suaves como a brisa de uma tarde de primavera que transportava o delicado perfume roubado de uma rosa.
O tempo passou, o inverno implacável dos dias vividos estendeu suas garras sobre os sobreviventes de hoje; não tente segurar a sua marcha e nem procure alcançar as mãos que você imagina estarem estendidas. As rosas que embelezavam o seu ambiente de outrora murcharam, o seu perfume foi alegrar o coração de outro vivente, em outras plagas; o resquício que ficou e que seu olfato teima em captar, imita o vapor emitido por um lança perfume que foi acionado na direção sem alvo.
Resta a saudade “daqueles bons tempos”.
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