MINHAS CRÔNICAS

sábado, 10 de outubro de 2009

Ver não é o mesmo que enxergar


João Severino, apesar de pouco erado, era bem informado: caboclinha igual à Rita da Donana não havia na redondeza, dizia ele.
Acho que ela sabia disso, era só o sol começar a se esconder, surgia a Rita toda enfeitada, andar delicado e até com certo gingado na cintura, semelhante a uma garça vista de longe. O vestido era de chita, cor rosa, com alguns enfeites na barra da saia, o ombro era encoberto pelo modelo fofo das mangas; sapatos rasos, parecendo que os pés, que não eram mostrados, tocavam o chão; usava, costumeiramente, meias cor de rosa que se aproximavam dos joelhos.
Não era somente o João Severino que, ao vê-la, suspirava fundo e se punha a imaginar aquela criatura, aquele corpo sem as vestimentas; toda a rapaziada do lugar tinha o mesmo pensar.
João Severino, no entanto, era diferente do restante da turma, ele sabia, certinho, a hora que ela aparecia na rua, justamente quando os sinos davam a primeira badalada para iniciar a contagem de seis, ele já estava sentado no costumeiro banco da pracinha; lugar privilegiado, pois, como ele percebera, ela dobrava a esquina e já entrava na rua principal e passava a poucos metros de distância. Seus olhos a acompanhavam até o final da rua, até que ela entrasse na igreja.
Depois de algum tempo ela voltava, na mesma toada como foi; não é fácil saber se era mais admirada na ida ou na volta; vista quando ia, parecia à silueta de um violão a procura de violeiro, quando vinha, bambeava o quadril de tal maneira que parecia que ia deslocar do corpo; dava lembrança, na gostosura, de rapadura com queijo; os braços eram sacudidos no mesmo compasso que ela fazia com a cabeça: sereno, porém, transmissor de pensamentos que nem é bom lembrar!
João Severino nunca contou isto para ninguém, porém, é quase certo que ele pensou, muitas vezes, na possibilidade de ver aquele corpo do jeito que Deus colocou no mundo, ou melhor, ele daria uma ajuda ao Criador; tiraria primeiro, seus sapatinhos, e depois suas meias e ia subindo no mesmo galeio (no pensamento) até o pescoço.
Que ele se lembre, somente uma vez ele teve certeza que ela jogou seus olhos tiranos para cima dele, porém, de um jeito de quem não “tava pondo atenção”; não faz mal, pensava ele, vou persegui-la com os óios, sem parada, um dia ela vai descobrir que
João Severino está ansiado, enrabichado que não tem mais conta, prá móde dela.
Mais ou menos na metade do caminho que ela percorria, moravam Da. Zina e Sr. Tiburcio, os dois já bem maduros na idade; como tinham pouca ou coisa alguma para fazerem, passavam a maior parte do tempo debruçados na janela, olhando o movimento, se é que se pode chamar de movimento o que viam na rua e, principalmente, matraqueando a vida dos outros.
Como estavam ali todos os dias, não poderia passar despercebido o passeio vespertino da Rita da Donana; era só ela apontar lá em baixo, Da. Zina já se manifestava:
- Já vem aquela sirigaita regateira e reboladeira, toda embonecada, acho que ela não tem o que fazer; me parece que ela coloca algum enchimento prá aumentar o peito; a saia quase deixa de fora o joelho, só prá provocar os bestas dos hômes.
Senhor Tiburcio, escolado pela vida a dois, não se manifestava, apenas consentia com a cabeça; quando falava, não dizia nem tique nem taque, porém, era o primeiro a cumprimentar a sirigaita quando ela passava debaixo da janela, como a lembrar seu tempo de treme-treme.
Quando ela voltava, Da. Zina recomeçava a colocar defeitos na Rita da Donana, agora “por trás” da pobre coitada:
- Seio não, mas acho que ela coloca, também, um enchimento no traseiro, pois, não acredito que alguém tenha a poupança deste tamanho e ainda por cima tão bem aprumada; deve arrochar a cintura até perder o fôlego, porque não é possível alguém ter o pé da barriga com tanta estreitura. Prá dizer a verdade, num acredito que o empreito dela é rezar!
Senhor Tibúrcio, por força das circunstâncias, não falava nada por saber das arengas da Dona Zina, porém, utilizava do poder da mente para conversar consigo mesmo:
- Estou meio desguaritado, num sei o que é melhor pros óios: as suas duas mangas rosa, coladas por debaixo da blusa, quando ela vem ou a sua poupança quando ela vai. Não vou desdenhar, mesmo porque, não está na minha condição, mas, se acaso tivesse alguma sobra, acho que daria um adjutório para aumentar o rendimento da sua caderneta; tem outro porém, eu tinha vontade de enxergar e apalpar aquelas mangas, prá ver se já estão maduras. Não vou cair no exagero de querer morder, porque meus fiapos de dentes não tem consistência nem para banana ainda mais para manga rosa, tão grandota e desajeitada prá segurar.



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