MINHAS CRÔNICAS

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

COLAR DE CONTAS VERMELHAS


Era o encerramento da festa de Santo Reis, toda a população que vivia nos cafundós de Esteira estava na expectativa da chegada da hora da missa; o Padre chegara na noite anterior, com tempo de comandar a reza da novena que iniciara na 2ª. Feira; hospedara-se na casa do Coronel Tibúrcio, o festeiro do ano.
Quando falamos em população podemos levar o leitor a pensar em uma multidão de gente, porém, a bem da verdade, o lugarejo deveria ter, no máximo, quinhentos habitantes, contando com os moradores da zona rural.
Todos se conheciam, pois, na via principal, chamada de “Rua do Coronel”, se concentrava a maioria absoluta dos “Esteirenses”; em uma das casas desta rua, morava Maria das Dores, filha do festeiro e, para que todos já saibam de antemão, o homem de maiores posses pecuniárias da região.
Feitas as apresentações, convido-os a se dirigirem comigo até a casa de Maria das Dores, para acompanharmos o que estava acontecendo no seu interior, naquela manhã que antecedia o grande acontecimento da festa: a missa solene.
Antes que cheguemos à casa, preciso dizer-lhes que Maria das Dores era uma menina-moça, provavelmente ao redor de quinze anos de idade; não é só por ser filha de família rica que vamos considerá-la bonita, na verdade era unanimidade a opinião de todos os que a conheciam: ela era uma caboclinha muito catita, formosa como a gabiroba madura!
Maria das Dores sentou-se na beira da cama; com as pontas dos dedos dos pés, procurou os sapatos que estavam escondidos, arrastou-os para o seu ângulo de visão e estampou um leve sorriso de satisfação, Margarida, sua ama-de-leite, havia feito o que pedira: amaciou o couro com gordura de galinha e guardara-o debaixo da cama, para não ressecar.
Levantou-se e, incontinente, mirou-se no espelho que estava bem ali, na sua frente.
Experimentou, pela 3ª ou 4ª vez, o vestido vermelho com alguns bordados de flores ornamentando sua barra; retirou-o e pediu à Margarida que colocasse um pouco mais de goma na saia branca que iria ficar por debaixo.
- Gostaria que a saia ficasse mais engomada para dar uma armação maior no vestido e aparecesse com maior destaque as flores da sua barra; incontinente, como se fora um autômato, Margarida pegou a saia e foi fazer o solicitado.
Seu rosto, depois que passou um pouco de “pó de arroz”, seguido de uma camada de “rouge” nas duas maçãs da face, ficou mais mimoso; com um pedacinho de carvão, escureceu um pouco a sobrancelha.
Vestiu a saia engomada, seguida do vestido vermelho com rosas na barra, calçou os sapatinhos e, novamente, se fiscalizou no espelho.
- Margarida, não estou me achando bonita, está faltando alguma coisa que não sei dizer.
- Eu sei o que falta, é somente a ansiedade da criança para encontrar o Zé Teodoro.
- Será que ele vem?
- Só se for besta demais, deixar de ver uma belezura desta que nunca fez regateirage?
Maria das Dores fez um muxoxo; nesta hora o espelho lhe informou o que estava faltando: o seu colar de contas vermelhas, presente do Zé Teodoro e que ela escondera da família.
- Margarida, não se esqueça, nunca, este segredo é só de nós duas: você me presenteou com este colar!
Colocou o adereço, arranjou melhor a fita que enlaçava sua cintura, passou a mão na tiara de seda que estava encobrindo um pouquinho sua testa lisa e delicada e saiu toda saltitante do quarto, ao encontro de Margarida que já devia estar aguardando-a para irem, juntas, a igreja.
O olhar, muitas vezes, denuncia o que o coração esconde; Margarida mudara de feição, seu cenho ficara carregado, seu sorriso passou a ser um esboço de riso, seus olhos evitavam os olhos da sua “filha de leite”; ao tentar falar, seus lábios tremiam e as palavras não saiam.
- Aconteceu alguma coisa? Conte-me a verdade, o Zé Teodoro não virá?
- Acho... acho que ele não poderá vir, meu anjo, aconteceu alguma coisa de terrível, foi picado pela maueza de uma cascavel bem no lusque-fusque do dia!
Maria das Dores abraçou-a com sofreguidão, as lágrimas, que escorriam de ambas as faces, se misturaram e aqueceram os seus rostos pálidos; ficaram abraçadas, em silêncio, por algum tempo.
- Margarida, eu também gostaria de morrer!
- Não fala assim minha santa, para Deus nada é impossível, vamos rezar pelas chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo, Ele é mais forte que o anhangá.
Foram, por obrigação social, cumprir o dever de participar da missa, Margarida e Maria das Dores, rezaram e choraram todo tempo; na saída o Coronel perguntou à filha a razão de tanta tristeza.
- Foi o colar de contas vermelhas, presente da Margarida, que arrebentou e não consigo mais juntar as peças!

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