MINHAS CRÔNICAS

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Batistão diz ter visto a “mula sem cabeça”, será?

Faz muito tempo… Quando? Deracino não sabe ou não se lembra ao certo... o fato é que ocorreu; conto-lhes!

Estavam os dois, ele e o Batistão, vindo para casa depois de uma festa no sitio denominado “Dona Mingutinha”, distante mais ou menos duas léguas da sede da fazenda São Pedro, que está localizada no alto da serra de Monte do Carmo, no estado do Tocantins.

Vinham cavalgando a um passo lento, discutindo os acontecimentos daquela noitada; estava chegando a hora opressiva da luta entre a força do clarão do dia e o vislumbre da treva da noite. Quem conhece o sertão sabe que este horário costuma dar banzo nos habitantes dos gerais.

O lusque-fusque do dia confunde os sentidos das pessoas, as árvores começam a perder a nitidez das suas formas e simulam, vistas de longe, fantasmas de braços abertos e, se acontecer de ouvir o grito agourento do urutau, o desassossego do caboclo é substituído pelo medo.

Ao ser indagado o porquê dele não ter se enrabichado com a filha do Fonsequinha, uma vez que ela estava de “treita” com ele, Batistão disse ao Deracino que corria a notícia de que ela estava de “rolo” com o padre do lugarejo e mulher que enrosca com padre vira “mula sem cabeça” e com este “coisa ruim” quero distância, finaliza ele fazendo o sinal da cruz.

Para comprovar sua teoria, Batistão contou ao Deracino e este me contou o que vou lhes contar:

“Uma vez, lá onde eu morava, caí na besteira de estatelar o coração por causa de uma caboclinha pedaço de mau caminho; uma noite fui visitar a “escumunguenta” e na volta, já escurecendo, vinha a passo cochilento, só lembrando dos “amassos” que dei na pestinha. Ai Deus do céu!

De repente vi a danadinha andando na minha frente, bem no meio da estrada e até com certo remelexo do traseiro; na hora achei que ela estava querendo completar o que principiamos; se eu apressava o passo do cavalo, ela também fazia o mesmo; pensei comigo mesmo, ela quer valorizar o capital.

Quando cheguei a uma encruzilhada da estrada, meu matungo relinchou, buliu as orelhas e principiou a bater com os cascos no chão; no que fui tomar sentido no cavalo, a danadinha da mulher sumiu da minha vista. Você sabe o que é arrepiar os cabelos do corpo todo? Foi o que aconteceu comigo!

O meu desejo era não pegar na encruzilhada o mesmo “trieiro” que a macutena pegou; pedi ajuda ao padrinho padre Cícero e rezei bem alto o que aprendi com meu pai:

Em nome do meu Pai, do seu filho e do Espírito Santo!

Meu bom padrinho padre Cícero nunca deixa ninguém a pé

Livra este pecador desse desencanto

Jesus, Maria e José.



Entrei no caminho do lado direito, fugindo da banda que tinha uma figueira que, como você sabe, atrai tudo quanto é assombração; por causa, desconfio, de eu ser muito pecador, desta vez padrinho padre Cícero me deixou na chapada; caminhei no máximo uns 30 metros e a disgrama da mulher voltou a caminhar na minha frente, agora bem devagar, até que parou em um colchete o qual eu teria que passar.

Deu vontade de voltar nos pés, “aporém” não deu mais tempo; tava de frente com o estrupício que me olhava com olhar de gente pidão; desviei minha mira, na verdade cheguei a fechar o enxergador, não adiantou porque o medo não permite descuido; fiquei, como quem não quer nada, olhando somente com a fresta do olho esquerdo, que era o de melhor valia, para não ser pego de surpresa. Sabe lá o que este capeta tava pensando!

Nesta hora ela arrancou a roupa e ficou do jeito que veio ao mundo, completamente pelada; deu-me vontade de chorar e gritar, mas fiquei com medo de deixar ela nervosa; ela agachou e começou a comer terra e, ao se levantar era um monstro, era uma “mula sem cabeça”. Começou a dar coices nos paus do colchete e depois disparou pela estrada afora, relinchando.

Aproveitei o descuido, sentei a espora na anca do meu cavalo e disparei para o lado contrário do que ela ia; sentia, na minha pensa, o calor da sua língua no meu “gangote”; a dificuldade foi maior porque tive que correr sem segurar as rédeas, pois meu pai havia me ensinado, que quando isto acontecesse, eu teria que esconder minhas unhas dentro dos bolsos da calça para não atraí-la com o seu brilho”.

Após ouvir o relato, fiz ao Deracino a pergunta que ele, com certeza, fez ao Batistão; onde entra o padre nesta sua história? Ouçam a sua explicação:

“Na verdade não descobri o enrosco dela com nenhum padre, “aporém” tenho o testemunho do meu saudoso pai que tinha “sabença” sobre estas coisas; o lobishomem dizia ele, é o individuo que nasceu do sétimo parto e que na sexta feira a meia noite, transforma-se em um cão que inferniza os galinheiros; se for mulher transforma-se em bruxa ou em uma porca brava com 20 leitões; o corpo seco é o homem que só fez maldade na vida, inclusive “fez mal” para a mãe; um dia qualquer ele levanta da cova e passa a vagar, assombrando os antigos amigos; algumas vezes ele está dentro de um redemoinho de vento e poeira, se o freguês fizer gracinha e entrar lá dentro vai topar com o estrupício.

Quanto à “mula sem cabeça”, todo mundo sabe que se escarafunchar bem, coisa que, ressabiado, não fiz com a filha do Fonsequinha, vai descobrir nestes “coisas ruins” algum enrabicho com vigário ou algum pregador de igreja.

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