MINHAS CRÔNICAS

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

FREUD E A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL

Certa vez, conversando com um amigo polonês que hoje reside nos Estados Unidos, fez-me ele uma afirmativa que sempre trago de volta nas minhas pesquisas sobre as guerras mundiais: - você, que não viveu o problema, não tem a mínima ideia do que seja vivenciar esta tormenta.

Este meu querido amigo, juntamente com a sua família, viveram sob o jugo nazista na segunda guerra mundial!

Realmente, por mais que procuremos entender a repercussão da guerra no seio de uma família, cujo país esteja envolvido no conflito, jamais conseguiremos apreender o torvelinho de emoções que ela provoca.

Segundo David Fromkin (O último verão europeu, 2005) mais de 20 milhões de soldados e civis perderam a vida na 1ª. Guerra mundial e outros 21 milhões foram feridos.

A população austríaca, como de resto toda a população europeia daquela época, vivia uma fase de calmaria e prosperidade, pois há mais de meio século não havia guerras entre as grandes potências e o verão de 1914, quente e ensolarado, era considerado um dos mais belos da memória recente, como escreveu o escritor austríaco-judeu, Stefan Zweig: “raramente experimentei verão mais exuberante, mais belo e, estou tentado a dizê-lo, mais estival do que este agora de Viena”.

Dentre os habitantes de Viena daquela época existia um homem que, pela sua personalidade introvertida, vida tão cheia de dificuldades econômicas e, principalmente, sujeito ao preconceito racial por ser judeu, provavelmente não concordasse totalmente com aquela afirmativa do seu amigo; Freud, por razões que não cabe aqui discutir, não gostava de Viena e não era tão otimista para endossar as palavras do seu amigo Zweig.

Provavelmente ele pressentia a presença de nuvens carregadas no futuro e deveria saber, pela evolução dos acontecimentos políticos, que a aparente calmaria poderia dar lugar à tempestade; foi isto o que aconteceu, justamente naquele verão de 1914 estourou um dos maiores conflitos que a humanidade tinha visto até então, a 1ª. guerra mundial.

Um conflito com esta magnitude provoca, em escala imensurável, enorme sofrimento às populações envolvidas; conheço um pouco, por pesquisas, a sua repercussão na vida de Sigmund Freud; permito-me trazer aos meus leitores algumas reações deste gênio da humanidade, expressas em cartas que ele costumeiramente escrevia, quer em resposta a alguma indagação de caráter científico, de conselhos aos seus seguidores psicanalistas ou de caráter familiar e a clientes.

É sabido que Freud era um inveterado escrevedor de cartas; contam-se milhares delas, como informa seu filho Ernst Freud (Correspondência-1873-1939, 1960); com o intuito de acompanhá-lo (bisbilhotando suas cartas) durante este terrível tempo de guerra (1914-1919), referirei, pelo espaço que me é concedido no jornal, somente a alguns excertos da sua correspondência com a psicanalista russa Lou Andreas Salomé, naquela época vivendo na Alemanha.

Durante este período de tempo (1914/19) foram trocadas entre os dois quase cem cartas, todas elas manuscritas e, chama a atenção como veremos, o estoicismo de Freud, pois apesar de dois dos seus filhos e um genro estarem participando do campo de batalhas da guerra, ele conseguiu manter seu ritmo de trabalho, publicando vários textos em revistas especializadas, além de alguns livros.

Parece que os dois viviam, como costuma acontecer com os cientistas, absorvidos exclusivamente com o mundo da ciência, abstraindo-se dos graves acontecimentos que os rodeavam; Lou Andreas enviava-lhe cartas com até dez páginas, discutindo casos da sua clínica particular e ele lhe respondia dando sua opinião.Vejam comigo os resumos de algumas delas:

25.11.1914 – “... Nossos encontros das noites de 4ª. Feira (Freud reunia seu grupo de psicanalistas todas as 4ª. Feiras na sua casa) têm lugar hoje apenas duas vezes por mês...”

30.07.1915 – “... Há cerca de uma semana nosso filho mais velho foi atingido por uma bala, felizmente acertaram somente o quepe e o seu braço...”

09.11.1915 – “... Minha introdução às “Leituras em psicanálise” está pronta para ser publicada ... Meu filho mais novo teve um golpe de sorte, acabava de sair da trincheira que foi bombardeada, todos os seus companheiros morreram...”

27.07.1916 – “... Entre todos os meus livros A Vida cotidiana faz a melhor carreira, no momento estou preparando a sua 5ª. edição; meu terceiro filho, o engenheiro, partiu ontem para o treinamento militar em Cracóvia; meu livro sobre os Sonhos está terminado, faltam apenas as ilustrações...”

14.06.1917 – “Caro Professor, obrigada por ter-me enviado seu novo livro – Conferências Introdutórias sobre psicanálise, atirei-me sobre ele como um homem faminto...”

01.07.1918 – “... Dentro de alguns dias irei para Budapeste, onde um amigo ofereceu-me acomodação em sua vila, se não fizer muito calor, terminarei aí a 5ª. edição de - A Interpretação de Sonhos...”

Como assinalei no inicio deste texto é impossível aquilatar as emoções das pessoas que viveram pessoalmente a tormenta de uma guerra; ao tomar conhecimento por intermédio destas e de outras cartas dirigidas também, a outros interlocutores, da capacidade de concentração que Freud mantinha para continuar produzindo sua ciência, obriga-me a considerá-lo um homem acima do normal.

Esta assertiva pode ser confirmada se considerarmos o fato de que durante esta fase (1914/19) foram publicados alguns dos seus grandes clássicos, tais como “Totem e Tabu”, “A História do movimento psicanalítico”, “O Narcisismo”, “O inconsciente”, “A Fantasia”, “Luto e melancolia” e muitos outros.

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