MINHAS CRÔNICAS

sábado, 20 de outubro de 2012

BATISTÃO VIRA MÉDICO DA ROÇA


        
 
             Batistão estava vivendo uma fase que, se fosse mais “letrado”, ele diria que estava de “baixo astral”; perdera o emprego de vaqueiro na fazenda do Sr. Janjote, onde viveu por muitos anos e andava sem eira nem beira a procura de onde se “arranchar”.
                        Cavalgava a passos lentos sob um sol que felizmente não era escaldante como costumava ser aqueles cafundós dos gerais do Tocantins no mês de agosto, chapadões imensos, seguidos de vales e gargantas que foram formadas pelas enxurradas morro abaixo; mesmo assim, de vez em quando, ele parava debaixo de uma ou outra árvore que se postava na beira da estrada para se refrescar e, eventualmente, tomar alguns goles da água que carregava na cabaça amarrada na cabeça do arreio.
                          Algumas vezes ele aproveitava estas paradas para apear do “neguinho”, sentava-se onde ficasse mais cômodo para se levantar depois, geralmente um cupim ou um tronco de arvore, tirava o chapéu e passava a fralda da camisa no rosto para enxugar o suor; de vez em quando, é preciso que se diga, Batistão também se deitava de costa, colocava os braços sob o pescoço, como se fora um travesseiro e ficava olhando a copa da árvore a procura de nada em particular, encimesmado com as suas “pensas”.
                        Na verdade ele procurava alguma coisa, procurava entender o porquê do desfecho com o Sr. Janjote, afinal trabalhara ali por mais de dez anos e nos “finalmente” já desfrutava de uma grande confiança do fazendeiro e, por que não, de toda a sua família; alguma coisa, que ele até agora não atinara aconteceu; no fundo o Batistão reconhecia que ele teve alguma parcela de culpa no desenlace, adianto-lhes alguma coisa (tem rabo de saia envolvido no imbróglio), porém, não tenho tempo de contar-lhes por agora; mesmo porque, antes disso, estava me esquecendo de dizer que cavalgava junto com o Batistão o seu amigo Doracino.
                        Como não estava para prosaria pros ventos, provavelmente em respeito à dor do amigo, mantinha-se calado; sua presença poderia não ser notada se não fosse a intenção que o acompanhava: ajudar o Batistão a arranjar um novo oficio.
                        Quando pararam debaixo de um frondoso Ipê, Doracino voltou a dar instruções ao amigo a respeito do que tentava ensinar-lhe: o oficio de curador dos males da gente do sertão, desde feridas bravas até eventuais casos de espinhela caída; o primeiro mandamento é você “já de cara” se intitular de portador de “sabença” que aprendeu com algum farmacêutico; diga, de imediato, os milagres que fez por este sertão gerais, exagere na dose.
                        Neste embornal que lhe dei, você tem algumas plantas e raízes que venho ajuntando, “cravo de defunto, coentro, herva cidreira, hortelã, sabugueiro, bico de papagaio, losna, onze horas, jasmim, perpétua, língua de urso, palma de Santa Rita”; não se preocupe em saber o nome da árvore das quais elas vieram, pois, depois que viraram raízes e murcharam, ficam tudo do mesmo jeito, você precisa se lembrar somente da sua serventia; diante da queixa, especula bastante sobre o mal: quando começou, se está piorando, se já usou algum remédio; é bom saber para não repetir o mesmo e com isto diminuir a fé na cura.
                        Se você tiver a sorte de tratar e curar, logo de inicio, uma pessoa conhecida e que está sendo considerada como carta fora do baralho do mundo dos vivos, você pega fama; outra lembrança, nunca deixe de pegar o pulso do enfermo, principalmente se ele estiver acamado e colocar a mão na sua testa com ar de sabença, se estiver quente, dar, como primeira providência, um chá suador de folhas de laranjeira, algumas horas depois, se for maleita, a pessoa vai ficar encharcada de suor e a febre passa. Nesta hora você deve dar a quina, se não fizer bem, mal não faz.
            Enquanto as pessoas vão procurar as folhas e fazer o chá, você tem tempo de prosear um pouco mais com a família para arrancar alguma pista da doença, da situação financeira; nesta hora de melhora do “perrengue” aproveite para combinar o preço do seu serviço; não se esqueça de deixar encomendado algumas rezas.
            Doracino, tanta coisa junta, já embaralhou minha pensa, se eu não tiver um espigão mestre para me orientar, acho que não vou dá conta; você não quer trabalhar de pareia comigo?

 

                       

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