BATISTÃO VIRA MÉDICO DA ROÇA
Batistão
estava vivendo uma fase que, se fosse mais “letrado”, ele diria que estava de
“baixo astral”; perdera o emprego de vaqueiro na fazenda do Sr. Janjote, onde
viveu por muitos anos e andava sem eira nem beira a procura de onde se
“arranchar”.
Cavalgava a passos
lentos sob um sol que felizmente não era escaldante como costumava ser aqueles
cafundós dos gerais do Tocantins no mês de agosto, chapadões imensos, seguidos
de vales e gargantas que foram formadas pelas enxurradas morro abaixo; mesmo
assim, de vez em quando, ele parava debaixo de uma ou outra árvore que se postava
na beira da estrada para se refrescar e, eventualmente, tomar alguns goles da
água que carregava na cabaça amarrada na cabeça do arreio.
Algumas vezes ele aproveitava estas paradas
para apear do “neguinho”, sentava-se onde ficasse mais cômodo para se levantar
depois, geralmente um cupim ou um tronco de arvore, tirava o chapéu e passava a
fralda da camisa no rosto para enxugar o suor; de vez em quando, é preciso que
se diga, Batistão também se deitava de costa, colocava os braços sob o pescoço,
como se fora um travesseiro e ficava olhando a copa da árvore a procura de nada
em particular, encimesmado com as suas “pensas”.
Na verdade ele procurava
alguma coisa, procurava entender o porquê do desfecho com o Sr. Janjote, afinal
trabalhara ali por mais de dez anos e nos “finalmente” já desfrutava de uma
grande confiança do fazendeiro e, por que não, de toda a sua família; alguma
coisa, que ele até agora não atinara aconteceu; no fundo o Batistão reconhecia
que ele teve alguma parcela de culpa no desenlace, adianto-lhes alguma coisa
(tem rabo de saia envolvido no imbróglio), porém, não tenho tempo de
contar-lhes por agora; mesmo porque, antes disso, estava me esquecendo de dizer
que cavalgava junto com o Batistão o seu amigo Doracino.
Como não estava para
prosaria pros ventos, provavelmente em respeito à dor do amigo, mantinha-se
calado; sua presença poderia não ser notada se não fosse a intenção que o
acompanhava: ajudar o Batistão a arranjar um novo oficio.
Quando pararam debaixo
de um frondoso Ipê, Doracino voltou a dar instruções ao amigo a respeito do que
tentava ensinar-lhe: o oficio de curador dos males da gente do sertão, desde
feridas bravas até eventuais casos de espinhela caída; o primeiro mandamento é
você “já de cara” se intitular de portador de “sabença” que aprendeu com algum
farmacêutico; diga, de imediato, os milagres que fez por este sertão gerais,
exagere na dose.
Neste embornal que lhe
dei, você tem algumas plantas e raízes que venho ajuntando, “cravo de defunto,
coentro, herva cidreira, hortelã, sabugueiro, bico de papagaio, losna, onze
horas, jasmim, perpétua, língua de urso, palma de Santa Rita”; não se preocupe
em saber o nome da árvore das quais elas vieram, pois, depois que viraram raízes
e murcharam, ficam tudo do mesmo jeito, você precisa se lembrar somente da sua
serventia; diante da queixa, especula bastante sobre o mal: quando começou, se
está piorando, se já usou algum remédio; é bom saber para não repetir o mesmo e
com isto diminuir a fé na cura.
Se você tiver a sorte de
tratar e curar, logo de inicio, uma pessoa conhecida e que está sendo
considerada como carta fora do baralho do mundo dos vivos, você pega fama;
outra lembrança, nunca deixe de pegar o pulso do enfermo, principalmente se ele
estiver acamado e colocar a mão na sua testa com ar de sabença, se estiver
quente, dar, como primeira providência, um chá suador de folhas de laranjeira,
algumas horas depois, se for maleita, a pessoa vai ficar encharcada de suor e a
febre passa. Nesta hora você deve dar a quina, se não fizer bem, mal não faz.
Enquanto as pessoas vão procurar as
folhas e fazer o chá, você tem tempo de prosear um pouco mais com a família
para arrancar alguma pista da doença, da situação financeira; nesta hora de
melhora do “perrengue” aproveite para combinar o preço do seu serviço; não se
esqueça de deixar encomendado algumas rezas.
Doracino, tanta coisa junta, já
embaralhou minha pensa, se eu não tiver um espigão mestre para me orientar,
acho que não vou dá conta; você não quer trabalhar de pareia comigo?
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