NAQUELE TEMPO, PARIS ERA UMA FESTA!
O autor percorrendo os sebos “bouquins” na Rive gauche - Paris
Na época do Império, todo literato que militava nas letras brasileiras
tinha um sonho: Ir à Paris, fonte e sustentação de toda a cultura mundial
da época; o francês era a segunda língua da elite intelectual brasileira.
Por muito tempo, ainda, Paris cidade continuaria a ser considerada a
Meca da cultura universal; por uma questão de justiça histórica, somos
forçados, se voltarmos alguns séculos na história, a aceitar que a pujança
desta “República das Letras” nos remete, inclusive, ao século XVII com a força
literária de Racine ou de Moliére, de Voltaire, Diderot, Rousseau, Danton e
Marat no século XVIII, e Sainte-Beuve, Zola, Maupassant no século XIX. (A Rive
Gauche, Herbert R. Lottman, Ed. Guanabara, RJ, 1987).
O nome, “República das Letras”, na verdade foi cunhada pelo escritor e,
muitos anos depois, membro da Academia Francesa de Letras, Jean Guéhenno para
identificar a Rive Gauche (lado esquerdo do rio Sena), local onde ele morava
nos anos 30 do século passado; diz ele “Ela, a república das Letras, está
contida em algumas casas parisienses, numas poucas e amontoadas redações de revistas
e editoras, em alguns estúdios de desenho, alguns cafés, alguns ateliês de
artistas e alguns sótãos. Não é fácil penetrar nesse mundo. O verdadeiro
diálogo se dá entre algumas dezenas de escritores que se aceitam uns aos
outros, e só isto”.
O bairro Montparnasse era o que havia sido
anteriormente Montmartre, o local identificador desta efervescência de ideias,
especialmente pela presença, ali, de uma infinidade de cafés, onde se reuniam
os intelectuais, cujas produções culturais, artísticas e, inclusive suas
frustrações amorosas, eram discutidas com todos os frequentadores e, quiçá, com
o resto do mundo.
No entanto, o “ponto” mais famoso de encontro da intelectualidade da
época, Saint Germain-des-Prés, surgiu com a repentina aparição de André Breton
e seu grupo de surrealistas, que começaram a frequentar o Café Deux Magot, além
de Picasso que frequentava o café Flore.
A França vivia o tempo de intervalo entre duas guerras; havia o desejo
de sublimar os efeitos, ainda muito vivos, das feridas causadas pelo conflito
da primeira guerra mundial e a incerteza do porvir, que já escurecia o céu
no horizonte das nações que alguns anos depois iriam entrar, novamente em novo conflito,
arrastando nesta avalanche, como sabemos, novamente a França e o mundo de
sonhos deste grupo de intelectuais.
Como sói acontecer quando se reúne uma miríade de livres pensadores,
havia, ali também, um emaranhado de díspares visões críticas e políticas, para
se falar o mínimo.
No entanto, sentavam-se às
mesmas mesas, discutiam, se agrediam mutuamente, às vezes chegavam à via
dos fatos, porém, mantinham a harmonia civilizada da aceitação das opiniões dos
contrários.
Chama a atenção, consultando a bibliografia à nossa disposição
(Shakespeare and Company, Sylvia Beach, Casa da Palavra, RJ, 2004; Os exilados
de Montparnasse, Jean-Paul Caracalla, Ed. Record, RJ, 2009) que, embora frequentassem
os mesmos lugares, normalmente, os escritores de grande prestigio como Gide,
Maurois dentre outros, moravam no Rive Droite (lado direito do rio Sena), o que
era motivo de “desprezo” pelos demais, pois ali era o local das grandes
residências e grandes hotéis.
Por outro lado, os moradores da Rive Droit queixavam-se do “preconceito”
da revista Nouvelle Revue Française que afirmava: “... Se uma pessoa não
mora na Rive Gauche não se trata de um escritor de verdade”.
Pela
mesma época vários escritores norte-americanos (Hemingway, Fitzgerald, Gertrude
Stein, dentre outros) também circulavam por estas mesmas ruas, porém viviam,
aparentemente, uma vida um pouco apartada dos escritores franceses.
“Shakespeare
and Company”, uma livraria fundada por uma americana de nome Sylvia Beach,
localizada na rue de l’Odéon, na Rive Gauche, e que tinha uma
característica diferente das demais: além de vender também emprestava livros,
era o ponto de encontro desta gente, assim como de alguns outros, como o
escritor Irlandês James Joyce, que por qualquer motivo, não tinham disposição
para compartilhar a sua mesa de café com desconhecidos e iniciar um diálogo ou
talvez uma aproximação literária.
Em “Paris é uma Festa” (Ed. Civilização Brasileira RJ, 1969), Hemingway
confirma esta assertiva ao escrever: “Ali era uma lugar acolhedor e alegre,
com um grande fogão aceso no inverno, mesas e estantes de livros, novidades na
vitrina e, nas paredes, fotografias de famosos escritores vivos e mortos”.
Depois
veio a guerra, com todos os horrores que conhecemos; aquelas vozes, tão
propensas a aceitarem as discordâncias de pensamento com seus interlocutores,
assumiram posições políticas; alguns, na realidade a maioria, permaneceu com o
discurso condizente com o seu passado, outros, debandaram para o outro barco;
alguns outros, por uma questão de justiça histórica, sem entrar no mérito,
permaneceram fiéis às suas ideias e assumiram posições de relevo na nova ordem
que se instalou na França ocupada.
O
relato da participação da intelectualidade francesa nos acontecimentos da
segunda guerra mundial, ainda não está completo, sabemos que muitos foram julgados
e condenados pelas suas ideias, outros lutaram e morreram ao lado das forças da
resistência, outros, sem alternativa, conseguiram fugir, outros ainda, como
André Breton (suposto apoiador dos comunistas) e Victor Serge (apoiador,
realmente, de Stalin) se esconderam, junto com outros intelectuais, na zona não
ocupada da Franca, nos arredores de Marselha, onde permaneceram por mais de
dois anos (Villa Air-Bel-1940, Rosemary Sullivan, Ed. Rocco, RJ, 2006).
A
parte lamentável, para dizer o mínimo, do após guerra foi o julgamento daqueles
intelectuais que participaram do conflito abastecendo as trincheiras do
inimigo, os chamados “colaboracionistas”.
Porém, esta é outra história!
;.
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