MINHAS CRÔNICAS

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Apontamentos de viagem – Visita ao Castelo de Nohant, casa de George Sand.

 

                      Quando saímos de Goiânia, Marilia e eu, tínhamos pronto um projeto que era só nosso: desta vez iríamos visitar a casa onde morou George Sand; compramos com antecedência as passagens de trem (Paris-Nohant) e, no dia aprazado nos dirigimos para a estação ferroviária (Austerlitz); deixamos nossos companheiros de viagem (nosso filho José Paulo, nossa nora Juliana e nossos netos Pedro e Luiz Fernando) em Paris e fomos, curiosos, conhecer aquele local.
                        Antes de viajar lemos, mais uma vez, o livro escrito por André Maurois “Lélia ou a vida de George Sand, Cia. Edt. Nacional, 1956”, onde é descrito com detalhes, o envolvimento daquela escritora com o Castelo de Nohan.
                        Viagem tranquila e agradável, como sempre acontece nos trens franceses (alguém já me disse que os franceses têm um verdadeiro atavismo pelas viagens de trens e por consequência estes são absolutamente confortáveis), depois de duas horas, com direito ao desfrute de uma bela e agradável paisagem constituída por pequenas fazendas, várias delas com sistema de irrigação de lavouras ligado, chegamos à estação de Chateauroux, cidadezinha localizada na Província de Berry, no “Vale de Loire”.
                        De lá seguimos de taxi (cerca de dez quilômetros) para Nohant, uma vez que os horários disponíveis de ônibus não coincidiam com a nossa necessidade (voltar para Paris no mesmo dia, pelo final da tarde).
                        Nohant é um pequeno vilarejo onde vivem menos de 500 habitantes (censo de 2009 indicava 476); dentre suas construções sobressai o Castelo onde morou George Sand durante grande parte da sua vida; sua construção não é suntuosa (foi construído no final do século dezoito e adquirido no ano de 1793 pela avó da escritora e que o deixou como herança para George Sand que, na época, usava o seu nome de batismo – Amantine-Aurore-Lucile-Dupin), porém, o simbolismo que o envolve deixa o visitante emocionado e feliz por estar ali.
                        Situa-se no meio de uma pequena floresta, rodeado por um imenso jardim, onde se pode “ver” George Sand circulando, como disse sua neta Aurore em 1927 -  “Minha avó percorria o jardim todos os dias, ela amava suas plantas, ela sabia, exatamente, quando esta ou aquela iria florir”.
                        Ao adentrarmos o vestíbulo do Castelo iniciamos uma viagem de sonhos; o passado começa a fazer eco com o presente, começamos a discutir com os fantasmas das figuras do passado; ali, aos pés da escada que dá acesso ao segundo andar, uma pintura de Delacroix retratando a figura principal da casa (ele também foi um morador da casa em várias ocasiões, tendo direito inclusive a um estúdio particular!).
                        Antes de subirmos as escadarias fomos visitar a cozinha onde, em 1851, George Sand mandou instalar um novo sistema de aquecimento que, por intermédio de encanamentos, levava o calor do fogão para outros compartimentos do Castelo; parece que todos os utensílios (panelas, frigideiras, caçarolas, colheres estão dispostos como foram deixados).
                        Sou tentado, embora o espaço que me é reservado pelo jornal seja previamente determinado, a levar meus leitores a conhecer a sala de refeições que fica ao lado da cozinha, facilitando a ergometria da movimentação dos funcionários da casa; enorme mesa retangular com dez cadeiras estofadas ao estilo Luiz XVI se impõem na majestade do ambiente; no espaldar de cada cadeira está escrito os nomes dos convidados do dia, todos eles conhecidos do mundo das artes.
                        As paredes da sala ecoam as conversas daqueles hóspedes famosos, sentados à mesa em frente dos pratos de porcelana e copos coloridos de cristal, iluminados por suntuoso lustre de cristal.
                        No topo da escada, diga-se de passagem, uma esplêndida escada em formato “caracol” toda de madeira, inclusive o corrimão, entramos no corredor com piso de cerâmica (barro?), que distribui os cômodos (quartos) que, como se poderia imaginar são em vários, tendo em vista o costume da proprietária de receber, constantemente, um grande numero de escritores, musicistas e pintores, que ali permaneciam por longos períodos de tempo, dentre eles Litz e Maria D’Agoult, Balzac, Flaubert, Delacroix, Turgenev, Alfred de Musset e Chopin com quem ela viveu maritalmente por mais de sete anos, quando ele compôs a maioria das suas peças para piano, inclusive os famosos noturnos.
                          Causa impacto, pela sua dimensão, o espaço reservado para Sand, localizado quase que no final do corredor, onde entramos por uma porta a nossa esquerda, ricamente trabalhada em madeira de lei, com várias entalhes para receber pinturas (Delacroix?) imitando vasos de flores; cinco enormes cômodos (quarto de dormir, antecâmara com guarda roupas) com comunicação interna ao seu “estúdio” (biblioteca e sala com a sua mesa para escrever).
                        Apesar da proibição ditada pela guia, não me contive (as ordens não me pareceram muito rígidas) fotografei a mesa onde George Sand escreveu a maioria dos seus romances, principalmente o clássico autobiográfico “Histoire de ma vie – História da minha vida”; os que vivem, como eu, enfurnados na literatura, podem imaginar a emoção que senti durante aquelas quase três horas que passamos naquele recinto.
                        Cada passo, cada vestíbulo que adentrava, trazia-me de volta a figura maravilhosa que Musset deixou gravada para a posteridade -  “George Sand com o leque” aquarela pintada a bico de pena, onde predominam, palavras dele (apaixonado por ela), seus “lindos olhos, pretos e aveludados”.
                        Na despedida, já no jardim, pedi a Marilia que me fotografasse em frente ao Castelo, bem debaixo da janela onde se localizava a sala de estudos de Sand;  pareceu-me ver, por detrás da vidraça, a sua figura já envelhecida a repetir em voz alta o que escrevia:
                           “Chorarei sobre as ruínas do passado? Não, isso há de passar. Alguns querem voltar, a gente não volta; também passa; é a água que murmura (geme?) e corre. Não é bastante ter corrido, murmurado, quando refletimos coisas bonitas e as amamos e celebramos? Ficaríamos entediados se continuássemos, ficaríamos assustados se recomeçássemos. A gente envelhece só, triste a retirada, mas sossegada, cada vez mais sossegada!”.
                        Os restos mortais de George Sand  estão no cemitério de Nohant; ao visitá-lo, já na hora de partirmos, lembrei-me de uma carta (que li) e que ela enviou para um dos seus amigos em 1863 (Joseph Desauce) :
                        “Ausência e morte não são muito diferentes, nós nunca partimos, simplesmente perdemos os sinais da presença do outro”.
                        Para os amantes da boa literatura George Sand estará sempre por perto!                     


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