MINHAS CRÔNICAS

domingo, 3 de junho de 2012

QUANDO OS ESCRITORES IMITAM OS PINTORES.

         
                       

                               Em 1872 Claude Monet pintou o quadro “Impressão – nascer do sol” que retratava o nascer do sol no Porto de “Le Havre”, no canal da Mancha; mal sabia ele que este acontecimento seria o responsável pelo nascimento do movimento impressionista nas artes.
                               Na sua apresentação, o quadro desagradou à maioria das pessoas que o viram, principalmente aos críticos de arte; estes apelidaram o seu autor como “O impressionista”, pois o quadro, segundo aqueles, sugeria que o pintor possuía habilidade técnica limitada.
                               Proust nasceu em 1871, ou seja, um ano antes deste acontecimento, portanto temos o direito de pensar que este movimento (impressionismo) poderia ter influenciado a sua arte de escrever; acompanhem comigo este relato abaixo:
                                Certa feita um grande amigo de Marcel Proust de nome Gabriel de La Rochefoucauld escreveu um romance (O amante e o médico) e lhe enviou com o pedido de que ele fizesse comentários e lhe desse possíveis conselhos; após elogiar a obra “Você escreveu um romance bonito e poderoso, uma obra esplêndida e trágica, com uma técnica complexa e de alto nível”, Proust, aproveitando a liberdade que lhe fora concedida e tendo em vista a sua ojeriza ao lugar comum na literatura, deu alguns conselhos ao amigo.
                               “Há algumas belas paisagens em seu romance, mas, às vezes gostaríamos que elas fossem pintadas com mais originalidade. Todos nós sabemos que o céu se incendeia ao crepúsculo e que a lua brilha circunspecta, porém a sua repetição é um pouco entediante”.
                               No livro “Como Proust Pode Mudar sua Vida, 2011” o escritor suiço-inglês Alain de Botton reproduz um pequeno trecho do livro de Proust “Em busca do tempo perdido”, onde aquele autor descreve a lua, fugindo, como ele aconselha àquele seu amigo, do lugar comum - “Às vezes pelo céu da tarde passava a luz branca como uma nuvem, furtiva, sem brilho, como uma atriz que ainda não está na hora de entrar em cena e que, da plateia, em toalete comum, olha um momento suas camaradas, apagando-se, indesejosa de chamar a atenção”.
                               Como se fora um pintor impressionista, Proust dá asas à imaginação e rompe com o lugar comum e descreve o que ele vê quando olha para a lua e não o que a maioria absoluta das pessoas está acostumada a ver, mesmo quando estas tentam dar voos de condor aos seus escritos, e diz “O céu incendeia ao crepúsculo” ou “a lua brilha circunspecta”.
                               Tenho certeza que Proust aprovaria este nascer do sol “pintado” por Humberto de Campos – “O sol que não mostrava ainda o seu disco, era apenas adivinhado  pela claridade doce que punha no cabeço dos montes mais altos, fazendo ressaltos nos penedos inteiriços e nus, como chapas de prata fosca nelas engastadas, os finos lençóis d’água ... De repente, um cabeço de monte se acende, como um farol. E outro, e outro e mais outro. E a serra toda se inflama, se ilumina, faísca, fulgura, na gloria resplandecente do dia. Era o sol!”.
                               Já que falamos em astros, leiam comigo esta bela descrição de George Sand: -  “A lua se escondia atrás das tílias altas e desenhava no espaço azulado o espectro negro dos pinheiros imóveis. Uma serenidade profunda reinava entre as plantas; a brisa caíra, morrendo esgotada sobre as compridas ervas, aos primeiros acordes do sublime instrumento. O rouxinol ainda lutava, porém com uma voz tímida e desfalecente. Por fim veio sentar-se num ramo flexível, que não se dobrou mais do que o faria se carregasse um fantasma”.
                                               É claro que não pretendo merecer o beneplácito de Proust, Humberto de Campos ou de George Sand, porém, atingido pela picada da mosca azul (alguns amigos, portanto suspeitos para fazerem julgamento com isenção, disseram-me que gostaram deste trecho de uma crônica que publiquei aqui no JL  e ouso  repeti-lo:                                  
                               “Lembro-me como se fosse hoje, naquela noite a lua estava desavergonhadamente bonita; surgiu por detrás do espigão mestre de um morro que limita nossa vista para o lado do nosso vizinho Sr. Juvenal; na verdade, foi surgindo devagar, parece que empurrada para cima por mãos invisíveis; inicialmente somente o seu clarão fazia prever sua próxima aparição, no início com certa timidez, porém, já dominando a encosta do morro.
De repente ela aparece inteira na tela do firmamento, a natureza ao seu redor, que nos é mostrada por sombras, parece que inicia o dormitar acalentada pela brisa cariciosa, seguramente presente em todo final de tarde, início de noite.
Era dia ainda e já era noite, os habitantes das matas já se acomodavam para o sono, escutando somente o murmúrio dos insetos, inaudível para os forasteiros daquelas paragens.
Se prestarmos atenção ao que nos rodeia, com a agudeza e a sensibilidade do nosso sentido olfativo, poderemos sentir, no ar, um perfume como se fora exalado da boca de mulher nova e bonita e que circulava a custa de um zéfiro gentil ”.








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