MINHAS CRÔNICAS

terça-feira, 30 de outubro de 2012

MADAME BOVARY E ORGULHO E PRECONCEITO


                 Sempre que surge a oportunidade, volto a folhear e a ler alguns capítulos de “Madame Bovary”, obra do escritor francês Gustav Flaubert; em cada uma destas oportunidades volto a encontrar passagens, diálogos e intenções não reveladas do escritor que me haviam passado despercebidas.
            Convido os leitores a lerem comigo o episódio da aproximação do casal (Emma e Charles) recém-chegados à vila de Yonville, com outros personagens que ali viviam (M. Homais, o farmacêutico, e o jovem Léon Dupuis); a ação aconteceu em um jantar que o farmacêutico ofereceu ao médico e sua esposa.
            Percebemos a refinada técnica da narrativa de Flaubert; ele apresenta os personagens e os coloca a discutir, aparentemente sem a sua interferência; ele apenas dirige a orquestra das conversações, funcionando como contraponto para o seu desiderato.
            O médico e o farmacêutico, como se poderia esperar, têm muita coisa a dizer um ao outro (ataques de febres na população, enterites, inclusive sobre as possibilidades de se ganhar um bom dinheiro com estas doenças, etc.) a bela Emma e o jovem Léon falam de coisas mais prosaicas (viagens, montanhismo e musica); quando conversam todos, Homais oferece a Emma o uso da sua magnífica biblioteca e discutem negócios, enquanto que com Léon ela estabelece uma relação erótica.
             Apesar de casada e grávida, ela sente-se atraída pelo jovem Léon, pois encontra nele o oásis de interesses comuns que ela procurava (atração amorosa, admiração recíproca e, principalmente jovialidade), uma vez que o marido era muito mais velho que ela.
            O romance de Flaubert, como a maioria absoluta dos romances do século dezenove, se desenvolve ao redor da temática do adultério, na visão do já falecido crítico literário norte-americano Allan Bloom, no seu magnífico livro “Love & Friendship – Amor e amizade, publicado em 1993.”
            Tudo em Emma Bovary, como Flaubert desejou que fosse, resplandece erotismo: suas roupas, seu andar, a decoração da sua casa, como ela servia a comida na mesa, nada nela era neutro; ao ouvi-la falar, o leitor tem certeza que ela, mais cedo ou mais tarde, irá prevaricar; basta surgir a oportunidade e isto lhe foi concedido em várias oportunidades pelo autor e ela sempre as aproveitou.
            No entanto, outra autora do final do século 18, inicio do 19, a inglesa Jane Austen, para citar apenas um exemplo para contrapor ao que foi dito por Allan Bloom, fez enorme sucesso entre os leitores da época em que ela viveu e continua fazendo até os dias de hoje; escreveu grande número de romances (quase todos na mesma temática) e em nenhuma oportunidade ela usou, para descrever as tramas amorosas dos seus personagens, o artifício do adultério.
            No enredo das tramas por onde circulavam seus personagens, quase não se discute política e muito menos guerras, apesar de que os acontecimentos do seu romance “Orgulho e Preconceito” ocorreram na época da guerra com Napoleão; os soldados que figuraram como personagens são introduzidos apenas para ilustrar a frivolidade (atração pelos seus uniformes) de uma ou outra garota, como Lydia Bennet.
     Parece que o horizonte de Austen é muito estreito e poderia ser acusada, hoje em dia, de ser muito feminina (não confundir com feminista), como era a regra daquela época; as suas personagens femininas não tinham capacidade para entender de política, de guerra ou discutir grandes ideias.
Os personagens masculinos, com uma única exceção (Mr. Gardiner, que era comerciante), viviam de rendas, geralmente herdadas, que lhes permitiam viver confortavelmente, sem necessidade de trabalhar, era um mundo de fantasia;
Quando se compara o mundo de Austen com o de Flaubert, poder-se-ia dizer que o dela era aborrecido, porém, ao lê-la, mesmo na atualidade, não há como não gostar da sua trama, pois suas histórias são contadas para atingir a sensibilidade dos leitores, enquanto que as de Flaubert deixam claro que o autor, como artista, é inimigo da burguesia e tenta, sempre que pode, desmoralizar a sociedade onde vive seus personagens.
 Quando Flaubert foi a submetido a julgamento na Corte por este seu livro, o argumento do Promotor foi o fato dele não ter colocado nenhuma personagem para contrapor a Emma (quando ela agia de maneira adultera), mostrando-lhe que o que ela fazia estava errado, aliás, como encontramos, com facilidade, nos romances de Austen ou de Tolstoi.    
Porém, não se pense que vamos encontrar uma autora que, apesar do ritmo da narrativa possa parecer aceitação do “status quo” vigente na época; ela é irônica e até mesmo ridiculariza alguns personagens que merecem este tratamento, como o Mr. Collins e a irmã de Bingley, pela preocupação desmedida com o dinheiro.
Ela não tenta libertar a mulher da sua dependência do homem (naquela época era a regra), porém, ela nos faz rir destas situações ao expô-las com tanta clareza. Não teria sido esta a maneira que ela encontrou para mostrar sua insatisfação perante uma sociedade tão paternalista, como era na época em que ela escreveu o romance?
Não é por acaso que a personagem principal do romance, Elizabeth, vivia à frente do seu tempo e não era, como as outras garotas da trama e da época da narrativa, desesperada por um marido; enfrentou a arrogância e a prepotência do possível pretendente, Darcy, com a altivez de uma moça do nosso tempo atual.
 

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