RIO ARAGUAIA – tempos idos e vividos!
O
Grande Chefe sentou-se em um pedaço de tronco que sobrou do que fora outrora um
frondoso pé de angico e que a correnteza das últimas chuvas trouxera para a praia.
Se ele tivesse adrede escolhido aquele local, provavelmente não teria
conseguido uma posição tão estratégica como aquela: justamente na ponta de uma
praia de onde lhe possibilitava visualizar todo o rio, naquele ponto correndo
suavemente e com tranquilidade.
Tentou
fechar os olhos como se quisesse fazer uma introspecção, aliás, como costumava
fazer com tanta frequência em momentos como aqueles, porém, sua atenção foi
desviada para o outro lado da margem do rio.
Procurou entender o que estava
ocorrendo; no entanto, sua vista mais uma vez não o ajudou!
Inicialmente
fez o que qualquer um faria, fechou um pouco as pálpebras, com o intuito de,
talvez, concentrar o foco da visão; debalde, a imagem não estava focada.
Lembrou-se, quase que num ato reflexo, dos óculos que estavam no bolso da
camisa; agora conseguia ver com mais clareza, tratava-se de uma paca que, com
certa dificuldade tentava subir o barranco, porém a topografia do terreno naquele
ponto era muito inclinada.
Inicialmente o animal subiu
até a metade do barranco, porém, escorregou e caiu de volta para dentro d'água;
nova investida, percorrendo o mesmo trilheiro, novo escorregão, nova arrancada
e, finalmente, vitoriosa, galgou o pico da "montanha", olhou para
trás, como se quisesse conferir o feito, caminhou alguns passos margeando o
rio, e, logo embrenhou-se no mato.
Ainda emocionado pela cena que teve
oportunidade de ver, o Grande Chefe deu asas ao pensamento e voltou no tempo:
um ligeiro sorriso entreabriu-lhe os lábios.
Quantas e quantas vezes, canoa
cheia de cães, espingarda de dois canos, estrategicamente colocada entre as
pernas, margeava o rio à procura, justamente, das capivaras e das pacas. Ao
menor sinal das suas presenças, soltava os cachorros na beira do barranco e
ficava sentado no bico da canoa, agora com a espingarda em posição de tiro,
aguardando que o animal saltasse para dentro d'água, refúgio derradeiro do
assédio daqueles animais treinados em acuá-los. A pontaria era sempre certeira,
apenas um tiro era o suficiente, bastava que ele emergisse do mergulho.
A única dificuldade era
conseguir acertar o local onde isso iria ocorrer, tinha que ser rápido no
gatilho e na mira, frações de segundos, era o tempo suficiente para o animal
tomar um pouco de fôlego com a ponta do focinho e novamente submergir, mais
alguns minutos de expectativa, mais um capítulo da briga entre a vida e a
morte.
O animal não poderia
voltar para as margens porque os cães continuavam fazendo guarda, correndo e
latindo de um lado para outro, parece que eles, os cães, também, querendo
adivinhar o local da próxima aparição. Normalmente esta disputa não era muito
prolongada, dificilmente o animal dava mais do que dois mergulhos.
Os barqueiros de Aruanã se encarregavam de
propagar a lenda: não existe, por estas redondezas, melhor caçador do que o
Grande Chefe.
Ficou triste com estas
lembranças; se pudesse, ele as apagaria do arquivo localizado nas circunvoluções
do seu cérebro.
Uma lágrima ameaçou
escorregar pelo canto dos seus olhos, não fez nenhuma tentativa para contê-la,
deixou que outras fizessem companhia àquela que já estava atingindo a comissura
da boca; de repente o choro tornou-se quase convulsivo e soluçante.
Respirou fundo, tirou os
óculos, colocou-o novamente no bolso da camisa, deitou de costas na areia
branca e macia; antes, colocou os dois braços por detrás do pescoço com o intuito
de substituir um travesseiro, fechou os olhos!
O sol começava a apontar com seus
raios luminosos por detrás da serra que dominava o ambiente; esta imagem era
uma repetição de muitas outras a que estava acostumado, através dos anos, a ver
no seu querido rio Araguaia. Parecia uma fotografia, repetida incontável número
de vezes, feitas pelo mesmo fotógrafo, porém, sempre em ângulos diferentes. A
disposição das nuvens, a tonalidade do azul do céu e o contraste destes com a
serenidade da água, sempre mudavam, dependendo, inclusive, do estado de
espírito do observador, mesmo que, como no caso, este fosse sempre o mesmo.
A temperatura era agradável,
uma brisa passava rasante ao rio e soprava com suavidade seu rosto, encrespando
seus cabelos brancos e já ralos, dando-lhe uma sensação indescritível de íntima
alegria.
Aquele era o seu ambiente,
parece que ele e a natureza fizeram um pacto de mútua vantagem, ele passou a
ser o seu protetor e, em troca, era-lhe permitido desfrutar de todas as suas
benesses.
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