MINHAS CRÔNICAS

terça-feira, 23 de outubro de 2012

RIO ARAGUAIA – tempos idos e vividos!



O Grande Chefe sentou-se em um pedaço de tronco que sobrou do que fora outrora um frondoso pé de angico e que a correnteza das últimas chuvas trouxera para a praia. Se ele tivesse adrede escolhido aquele local, provavelmente não teria conseguido uma posição tão estratégica como aquela: justamente na ponta de uma praia de onde lhe possibilitava visualizar todo o rio, naquele ponto correndo suavemente e com tranquilidade.
            Tentou fechar os olhos como se quisesse fazer uma introspecção, aliás, como costumava fazer com tanta frequência em momentos como aqueles, porém, sua atenção foi desviada para o outro lado da margem do rio.
          Procurou entender o que estava ocorrendo; no entanto, sua vista mais uma vez não o ajudou!
            Inicialmente fez o que qualquer um faria, fechou um pouco as pálpebras, com o intuito de, talvez, concentrar o foco da visão; debalde, a imagem não estava focada. Lembrou-se, quase que num ato reflexo, dos óculos que estavam no bolso da camisa; agora conseguia ver com mais clareza, tratava-se de uma paca que, com certa dificuldade tentava subir o barranco, porém a topografia do terreno naquele ponto era muito inclinada.
                 Inicialmente o animal subiu até a metade do barranco, porém, escorregou e caiu de volta para dentro d'água; nova investida, percorrendo o mesmo trilheiro, novo escorregão, nova arrancada e, finalmente, vitoriosa, galgou o pico da "montanha", olhou para trás, como se quisesse conferir o feito, caminhou alguns passos margeando o rio, e, logo embrenhou-se no mato.
            Ainda emocionado pela cena que teve oportunidade de ver, o Grande Chefe deu asas ao pensamento e voltou no tempo: um ligeiro sorriso entreabriu-lhe os lábios.
              Quantas e quantas vezes, canoa cheia de cães, espingarda de dois canos, estrategicamente colocada entre as pernas, margeava o rio à procura, justamente, das capivaras e das pacas. Ao menor sinal das suas presenças, soltava os cachorros na beira do barranco e ficava sentado no bico da canoa, agora com a espingarda em posição de tiro, aguardando que o animal saltasse para dentro d'água, refúgio derradeiro do assédio daqueles animais treinados em acuá-los. A pontaria era sempre certeira, apenas um tiro era o suficiente, bastava que ele emergisse do mergulho.
                 A única dificuldade era conseguir acertar o local onde isso iria ocorrer, tinha que ser rápido no gatilho e na mira, frações de segundos, era o tempo suficiente para o animal tomar um pouco de fôlego com a ponta do focinho e novamente submergir, mais alguns minutos de expectativa, mais um capítulo da briga entre a vida e a morte.
                       O animal não poderia voltar para as margens porque os cães continuavam fazendo guarda, correndo e latindo de um lado para outro, parece que eles, os cães, também, querendo adivinhar o local da próxima aparição. Normalmente esta disputa não era muito prolongada, dificilmente o animal dava mais do que dois mergulhos.
               Os barqueiros de Aruanã se encarregavam de propagar a lenda: não existe, por estas redondezas, melhor caçador do que o Grande Chefe.
                                     Ficou triste com estas lembranças; se pudesse, ele as apagaria do arquivo localizado nas circunvoluções do seu cérebro.
                                   Uma lágrima ameaçou escorregar pelo canto dos seus olhos, não fez nenhuma tentativa para contê-la, deixou que outras fizessem companhia àquela que já estava atingindo a comissura da boca; de repente o choro tornou-se quase convulsivo e soluçante.
                             Respirou fundo, tirou os óculos, colocou-o novamente no bolso da camisa, deitou de costas na areia branca e macia; antes, colocou os dois braços por detrás do pescoço com o intuito de substituir um travesseiro, fechou os olhos!
                          O sol começava a apontar com seus raios luminosos por detrás da serra que dominava o ambiente; esta imagem era uma repetição de muitas outras a que estava acostumado, através dos anos, a ver no seu querido rio Araguaia. Parecia uma fotografia, repetida incontável número de vezes, feitas pelo mesmo fotógrafo, porém, sempre em ângulos diferentes. A disposição das nuvens, a tonalidade do azul do céu e o contraste destes com a serenidade da água, sempre mudavam, dependendo, inclusive, do estado de espírito do observador, mesmo que, como no caso, este fosse sempre o mesmo.
                               A temperatura era agradável, uma brisa passava rasante ao rio e soprava com suavidade seu rosto, encrespando seus cabelos brancos e já ralos, dando-lhe uma sensação indescritível de íntima alegria.
                              Aquele era o seu ambiente, parece que ele e a natureza fizeram um pacto de mútua vantagem, ele passou a ser o seu protetor e, em troca, era-lhe permitido desfrutar de todas as suas benesses.

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