MINHAS CRÔNICAS

terça-feira, 29 de maio de 2012

LITERATURA REGIONALISTA – Tema para discussão (II)

 

Segundo Otto Maria Carpeaux, o precursor da literatura Regionalista no Brasil seria o mineiro Affonso Arinos de Mello Franco que publicou em 1898 “Pelo Sertão”, cuja prosa simples, isenta de excessos que a fala regionalista `às vezes apresenta, sem as deformações de linguagem matuta, sem a falsidade dos excessos; depois, segundo o mesmo autor, vieram Hugo de Carvalho Ramos “Tropas e Boiadas” (1917) e Monteiro Lobato “Urupês” (1918), principalmente pelo tipo que ele criou, o Jeca Tatu, onde se revela a dura realidade do homem do campo.

O regionalismo em Goiás, com as mesmas características do regionalismo nacional tem, como vimos, o pioneiro Hugo de Carvalho Ramos; depois, obedecendo à ordem e as citações a que me impus, Pedro Gomes - “Na cidade e na roça” (1924), Bernardo Elis –” Ermos Gerais” (1944), Eli Brasiliense – “Pium” (1949) Léo Godoy Otero – “Gente de Rancho” (1956) e “Caminhos de boiadas” (1958) Bariani Ortêncio – “O que foi pelo Sertão” (1956) e “O Sertão, o rio, a terra” (1959), J.J. Veiga – “Cavalinhos de Platiplanto” (1959)

Tendo em vista a extensão bibliográfica que citei, diga-se de passagem, não está completa, constituída por nomes exponenciais da literatura goiana, portanto, dignos de merecerem capítulos à parte, achamos prudente, até para não cansar os leitores, discutir neste momento apenas o nosso pioneiro Hugo de Carvalho Ramos, que embora vivendo longe de Goiás grande parte da sua vida, conservou da terra a visão das paisagens e, principalmente do homem do sertão, retratando-os em seus contos admiráveis.

                Pretendo voltar ao assunto em outra oportunidade para continuar a discussão sobre alguns outros autores goianos que foram mencionados acima.

HUGO DE CARVALHO RAMOS

É o patrono da cadeira 14 da Academia Goiana de Letras, cujo primeiro ocupante foi justamente seu irmão, o escritor e jornalista Victor de Carvalho Ramos.

Hugo de Carvalho Ramos nasceu na antiga e lendária Vila Boa de Goiás, hoje cidade de Goiás, no dia 25 de maio de 1895 em uma casa situada no Largo do Chafariz.

Seu pai, Manoel Lopes de Carvalho Ramos era poeta e sua mãe era a Sra. Mariana Fenelon Ramos; frequentou o Liceu Goiano na antiga capital e após o término do curso mudou-se, em 1916, para o Rio de Janeiro, onde ingressou na Faculdade de Direito; quando cursava o último ano do Curso, em 1921, cometeu suicídio, enforcando-se com a corda que prendia sua rede de dormir, segundo informação do seu irmão Victor de Carvalho Ramos.

Antes deste acontecimento fatal Hugo estava passando por grande dificuldade existencial acometido de grave quadro de depressão, quando então viajou para o interior de Minas Gerais e São Paulo (1920); voltou para o Rio de Janeiro com o quadro psiquiátrico ainda mais agravado, que o levou ao ato tresloucado.

Desde muito jovem já se dedicava à literatura, escrevendo em prosa e verso, alguns de seus contos mais conhecidos quando estava com idade entre 15 e 16 anos e em 1917 publicou, no Rio de Janeiro, seu único livro – Tropas e Boiadas – composto de contos de inspiração sertaneja, com grande repercussão favorável da crítica nacional.

Ouçamos o que diz Gilberto Mendonça Teles, nosso conterrâneo e respeitado crítico literário, provavelmente um dos maiores estudiosos da obra Carvaliana, “Seu estilo é exuberante e conciso, pois aparecem, frequentemente, ao longo dos seus contos como se o autor se esforçasse por adequar a expressão do seu pensamento aos diferentes aspectos da realidade, valendo-se para isto da técnica impressionista, utilizando-se, com parcimônia, de alguns modismos e algumas tendências das falas regionais”.

Penso e estou em boa companhia ao dizer que Hugo de Carvalho Ramos ainda é o expoente máximo desta vertente literária, não só em Goiás como no Brasil; sua literatura deixou-se contaminar pela beleza da nossa terra, pelos temas criados pela sua imaginação e facilitados pela exuberância da nossa paisagem sertaneja; ele descreveu, ou melhor, como se fora um pintor, ele pintou nossos ermos gerais com pincéis que espargiam tintas multicoloridas, retratou o homem do sertão com indulgência, transcrevendo com carinho seus diálogos, seus arrufos e, principalmente, entendendo sua pouca cultura, não expondo ao deboche suas idiossincrasias e suas crendices.

Há quem diga que Hugo de Carvalho Ramos sofreu influência estilística de Eucllides da Cunha (Os Sertões) e da obra de Coelho Neto de quem era grande admirador; acho compreensível este tributo, tendo em vista a sua idade ao produzir a maioria dos seus textos, como vimos, alguns deles, em plena adolescência; realmente, ao ler estes dois consagrados  autores podemos observar contatos literários, senão vejamos, repetindo a observação de Nelly Alves de Almeida:

“Libélulas giro-giraravam com brilho vítreo – Coelho Neto; - Abriu os olhos, meio cerrados, pisca-piscando – Hugo de Carvalho Ramos” ou “E gingava viro-virava, a alisar os braços másculos, como desafio – Coelho Neto; - Ele batia, pois, estas estradas e cafusas... e tanto vira-mexeu que uma noite... - Hugo de Carvalho Ramos”.

O diferencial, em meu ponto de vista, é que Hugo de Carvalho Ramos tinha absoluta consciência do papel da sua literatura denunciativa da condição do homem oprimido do sertão por uma sociedade agrária conservadora; prova disto é a carta que escreveu ao amigo Leônidas de Loiola em 24.11.1919:

“... Fui informado da sua bem elaborada e digna defesa do nosso sertanejo... Senti, porém, em boa hora, que todos nós, moços da nova geração, devíamos cooperar, evitando escola e modismos inadequados ao nosso meio e o mais prático veículo será ainda, por muito tempo, a fórmula regional, em seu sentido lato...”.

E ele fez isto, com rasgos de genialidade literária, passando para o papel o ambiente rural sem cair na pieguice; escreveu para o encantamento auditivo, registrou termos e hábitos do nosso sertão sem cair na tentação do exagero do erro verbal e da concordância, tão comum na prosa dos nossos cabocllos; ele consegue a façanha desejada por todos nós que fazemos incursões neste tipo de literatura: coloca palavras literalmente corretas na boca dos seus personagens, passando ao leitor a ideia de que aquele está cometendo os erros de linguagem que estamos acostumados a ouvir quando deles nos aproximamos.

O escritor que se aventura na literatura regionalista tem obrigações para com o seu leitor; precisa, com sua obra, transmitir cultura, para que esta possa, realmente, ser proveitosa no sentido do seu aprimoramento intelectual, o que não quer dizer que se deva reproduzir o diálogo entre dois viventes dos sertões, com linguagem muito correta, na forma castiça, arredondando as frases, pois, seria fugir da realidade; o difícil é achar o meio termo.

Encontrar elementos da fala simples do povo, salvando expressões que não são mais  repetidas no meio citadino, substituir a frase polida por outra sem rebuços, porém, falando a língua que é ditada pelo homem no seu meio.

Leiam comigo este belo trecho de uma carta que Hugo inseriu em “Tropas e Boiadas”, com o título de “Nostalgias”, escrito longe dos seus familiares, transbordando de saudades da sua vida de antes:

“Já que vais brevemente à Chapada, vê se ainda se encontra legivelmente o meu nome num tronco novo de jenipapeiro que fica junto à casa do teu agregado (se é que ainda o mantém), próximo a umas goiabeiras, e aí  talhado por mim na última vez que lá estive”.

Em “Dias de Chuva”, aliás, o último texto do livro “Tropas e Boiadas” ele quase que chora de saudades da sua terra natal; leiam comigo e, provavelmente, muitos dos senhores e senhoras montarão no cavalo Dourado e caminharão junto com Hugo rumo ao Sitio:

“Vejo, através duma tela úmida as paisagens distantes de meu torrão natal, e afaz-me a que ando viajando, como antigamente, por esses sertões... Anos lá se vão, cavalgava eu por estas estradas ermas da minha terra remota, um macho de aluguer, ou o lépido alazão Dourado, em férias, rumo ao Sitio... E, no silêncio eterno da minha solidão, prosseguia, sob o pala, ruminando saudades. Ah! Viagens e passeios antigos, sob a chuva ou a canícula, nos pagos da minha terra! Quão longe e distantes sois!”

Sei impossível, neste curto espaço de tempo, até porque seria muito cansativo para os leitores, conversarmos aqui sobre toda a obra de Hugo de Carvalho Ramos e entrarmos em mais detalhes sobre a sua vida, porém, gostaria para finalizar este nosso encontro, dizer-lhes algumas palavras sobre uma das facetas da sua vida literária que muito me empolga: O ritmo e a sonoridade da sua escrita; leiam, em voz alta, este trecho de “Pelo Caiapó Velho” e tentem, se puderem, ficar indiferentes ao diálogo dos dois cavaleiros:

“Noite escura e má, patrãozinho. Trovoada e relâmpago eram que nem ronqueira e foguete de São João, patrãozinho  – e o sertanejo cuspiu forte para ambas as bandas da estrada - das bochechas e beiços arregaçados num vermelhão, corria visguenta e fétida por entre uns tocos de dentes amarelos – patrãozinho – uma baba de empestado... Os dedos da mão, não os havia...”.

A descrição leva o leitor a se colocar no lugar do personagem e VER a noite escura, OUVIR o barulho do relâmpago e SENTIR asco de lembrar-se da comida que ele comeu no dia anterior.

Preciso falar mais?

Leiam, por favor, “Tropas e Boiadas” e depois concordarão comigo, Hugo de Carvalho Ramos, com este seu único livro, embora tenha vivido tão pouco (26 anos) deixou uma obra que orgulha nossa goianidade e por que não dizer, nossa literatura regional.

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