MARCEL PROUST E A NEUROCIÊNCIA
Quando lemos um livro, dificilmente percebemos o que existe nas
suas entrelinhas a não ser que o leitor resolva pesquisar a vida do autor;
nesta minha fase de inicio de vida na planície da existência, quando consigo
mais tempo para mim mesmo, tenho
procurado, sempre que possível, descobrir o caminho que determinado escritor
percorreu para escrever determinado livro.
Um dos
escritores mais emblemáticos é Marcel Proust, cujo conjunto de livros “Em busca
do tempo perdido” é repleto de simbolismo e provavelmente é um dos trabalhos
intelectuais de ficção mais extraordinários da literatura, tendo-o escrito
quando estava confinado na cama em sua casa em Paris por problemas de saúde
(asma), utilizou a única coisa que ele possuía naquela situação: sua memória,
tendo então afirmado, “nossa vida é preguiçosa, nossa memória é sedentária”.
Neste seu
silencioso refúgio, Proust usou três quesitos na sua escrita: sua intuição, sua
devoção por si mesmo e sua arte; ouvia seu cérebro, acabando por descobrir como
ele funcionava, segundo ele dizia; neste seu livro ele descreve, de memória,
instantâneos da sociedade parisiense, durante os seus dias de glamour e gloria.
Algumas das
suas afirmações, contidas naquele livro, como “A impressão é para o escritor o
que a experimentação é para o cientista” continuam sendo repetidas nos dias atuais;
algumas outras, como “nosso sentido de cheiro e gosto, são os únicos que são
armazenados na memória” na época em que foi enunciada não tinha comprovação
científica, porém, mostrou á luz da neurociência atual, estar correta, pois
sabe-se que o gosto e o cheiro são os
únicos sentidos que se conectam diretamente com
o hipocampo, o local do cérebro que arquiva memórias de longo tempo, ao passo
que o tato, audição e a visão são processadas inicialmente no tálamo, porta de
entrada do consciente; portanto, estes três sentidos são menos eficientes para
recuperar o passado.
Este enunciado foi feito em 1909, cuja
história é contada por vários de seus biógrafos; ouçamos o que diz George D.
Painter (Marcel Proust, 2ª. edição, Ed. Guanabara): “Ao chegar a casa, após
enfrentar a neve que cobria a rua, sentou sob o abajur para ler, ainda
tiritando de frio. Sua criada Céline, forçou-o a tomar uma xícara de chá,
acompanhada por um biscoito (Madeleine) que ele molhou no chá e levou aos
lábios a mistura assim umedecida; de imediato ele foi assaltado, para sua
alegria, pela memória inconsciente; procurando reter o gosto na sua boca, ele
meditou, até que de repente as portas da memória se abriram. Voltou-lhe à
lembrança o jardim de seu tio-avô Louis Weil em Auteuil e os mesmos biscoitos
molhados no chá aquele lhe oferecia nos anos de 1880, quando Proust ainda era
criança.
Não se tem
informação se Proust chegou a ler os trabalhos de Freud sobre este tema, porém,
com certeza ele já havia lido, por volta de 1905, como afirmam vários de seus
biógrafos, alguns livros sobre doenças nervosas, tendo ficado muito interessado
na teoria de que o inconsciente seria o responsável por várias doenças.
Estou,
atualmente, bastante envolvido no trabalho de escrever um ensaio sobre a vida
de Freud, particularmente na análise do seu “leitmotiv” para pesquisar o mundo
do cérebro e suas relações com a vida das pessoas e com os costumes da época em
que ele viveu em Viena e que culminou com descobrimento da nova ciência que ele
denominou de psicanálise.
Se eu fosse
desafiado a descrever, em poucas linhas, o pensamento de Freud, faria um resumo
da discussão sobre o tema “memória do inconsciente” no cotidiano das pessoas,
pois a partir das suas descobertas, o homem perdeu o domínio completo das suas
ações; havia algo, que até então não se conhecia (o inconsciente) e que Freud
denominou de “Id”; esta “entidade” nunca é vista, no entanto, nos dirige nos
momentos de vigília e assume o controle absoluto da nossa mente nos momentos
dos sonhos.
Algumas
pessoas são mais geniais que outras; Freud enfrentando todas as resistências e
preconceitos da época, tinha certeza que suas observações deveriam ser levadas
às últimas consequências e ele estava certo. Proust, ao analisar este episódio
“chá com madeleine”, como ficou conhecido na literatura e compará-lo com o que
ele escrevera sobre a natureza da criação artística alguns dias antes, quando
afirma, entre outras coisas que “Aquilo que o intelecto restaura em nós sob o
nome de passado não é o passado”, o
“inconsciente é a própria realidade, liberta da máscara do tempo e do
hábito, pois no momento em que a vivemos ela não está presente em nossa
memória, mas cercada de sensações que a sufocam”.
Mais
Freudiano, impossível!
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