MINHAS CRÔNICAS

sábado, 6 de abril de 2013

MARCEL PROUST E A NEUROCIÊNCIA






Quando lemos um livro, dificilmente percebemos o que existe nas suas entrelinhas a não ser que o leitor resolva pesquisar a vida do autor; nesta minha fase de inicio de vida na planície da existência, quando consigo mais tempo para  mim mesmo, tenho procurado, sempre que possível, descobrir o caminho que determinado escritor percorreu para escrever determinado livro.
            Um dos escritores mais emblemáticos é Marcel Proust, cujo conjunto de livros “Em busca do tempo perdido” é repleto de simbolismo e provavelmente é um dos trabalhos intelectuais de ficção mais extraordinários da literatura, tendo-o escrito quando estava confinado na cama em sua casa em Paris por problemas de saúde (asma), utilizou a única coisa que ele possuía naquela situação: sua memória, tendo então afirmado, “nossa vida é preguiçosa, nossa memória é sedentária”.
            Neste seu silencioso refúgio, Proust usou três quesitos na sua escrita: sua intuição, sua devoção por si mesmo e sua arte; ouvia seu cérebro, acabando por descobrir como ele funcionava, segundo ele dizia; neste seu livro ele descreve, de memória, instantâneos da sociedade parisiense, durante os seus dias de glamour e gloria.
            Algumas das suas afirmações, contidas naquele livro, como “A impressão é para o escritor o que a experimentação é para o cientista” continuam sendo repetidas nos dias atuais; algumas outras, como “nosso sentido de cheiro e gosto, são os únicos que são armazenados na memória” na época em que foi enunciada não tinha comprovação científica, porém, mostrou á luz da neurociência atual, estar correta, pois sabe-se que o gosto  e o cheiro são os únicos sentidos que se conectam diretamente com o hipocampo, o local do cérebro que arquiva memórias de longo tempo, ao passo que o tato, audição e a visão são processadas inicialmente no tálamo, porta de entrada do consciente; portanto, estes três sentidos são menos eficientes para recuperar o passado.
                 Este enunciado foi feito em 1909, cuja história é contada por vários de seus biógrafos; ouçamos o que diz George D. Painter (Marcel Proust, 2ª. edição, Ed. Guanabara): “Ao chegar a casa, após enfrentar a neve que cobria a rua, sentou sob o abajur para ler, ainda tiritando de frio. Sua criada Céline, forçou-o a tomar uma xícara de chá, acompanhada por um biscoito (Madeleine) que ele molhou no chá e levou aos lábios a mistura assim umedecida; de imediato ele foi assaltado, para sua alegria, pela memória inconsciente; procurando reter o gosto na sua boca, ele meditou, até que de repente as portas da memória se abriram. Voltou-lhe à lembrança o jardim de seu tio-avô Louis Weil em Auteuil e os mesmos biscoitos molhados no chá aquele lhe oferecia nos anos de 1880, quando Proust ainda era criança.
            Não se tem informação se Proust chegou a ler os trabalhos de Freud sobre este tema, porém, com certeza ele já havia lido, por volta de 1905, como afirmam vários de seus biógrafos, alguns livros sobre doenças nervosas, tendo ficado muito interessado na teoria de que o inconsciente seria o responsável por várias doenças.
             Estou, atualmente, bastante envolvido no trabalho de escrever um ensaio sobre a vida de Freud, particularmente na análise do seu “leitmotiv” para pesquisar o mundo do cérebro e suas relações com a vida das pessoas e com os costumes da época em que ele viveu em Viena e que culminou com descobrimento da nova ciência que ele denominou de psicanálise.
            Se eu fosse desafiado a descrever, em poucas linhas, o pensamento de Freud, faria um resumo da discussão sobre o tema “memória do inconsciente” no cotidiano das pessoas, pois a partir das suas descobertas, o homem perdeu o domínio completo das suas ações; havia algo, que até então não se conhecia (o inconsciente) e que Freud denominou de “Id”; esta “entidade” nunca é vista, no entanto, nos dirige nos momentos de vigília e assume o controle absoluto da nossa mente nos momentos dos sonhos.
            Algumas pessoas são mais geniais que outras; Freud enfrentando todas as resistências e preconceitos da época, tinha certeza que suas observações deveriam ser levadas às últimas consequências e ele estava certo. Proust, ao analisar este episódio “chá com madeleine”, como ficou conhecido na literatura e compará-lo com o que ele escrevera sobre a natureza da criação artística alguns dias antes, quando afirma, entre outras coisas que “Aquilo que o intelecto restaura em nós sob o nome de passado não é o passado”, o  “inconsciente é a própria realidade, liberta da máscara do tempo e do hábito, pois no momento em que a vivemos ela não está presente em nossa memória, mas cercada de sensações que a sufocam”.
            Mais Freudiano, impossível!
             
           



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