DISCUSSÃO SOBRE CRÔNICAS (parte IV)
Como enfatizamos no texto da semana passada, entendemos que
é o estilo que torna a obra do escritor imorredoura, às vezes um determinado
assunto é abordado por vários cronistas, sempre com o selo da individualidade;
leiam comigo este belo trecho: “Ai! De
mim... O inverno passara depressa, o verão tornará risonho, mas no meu coração
nunca mais, nunca mais! Haverá sol de estio nem flores de primavera”. Acho-o
maravilhoso e sei que os senhores concordarão comigo nesta assertiva; o seu
autor, Coelho Neto, hoje um pouco esquecido nas dobras do tempo, deixa gravado
neste pequeno excerto de uma das suas crônicas publicadas no livro (A bico de
Pena, 1919) sua marca inconfundível de pessimismo, pintado pela maestria do
artista cultor da beleza.
Dito isto e
em considerando à elasticidade de enquadramento do gênero crônica, acredito que
o diferencial que marcará o cronista é o seu estilo literário; aqui no Brasil
temos exemplos de cronistas que fizeram uma interface muito duradoura com os
leitores, provavelmente, pelo estilo intimista que imprimiam aos seus escritos
sempre serão lembrados, instintivamente, alguns expoentes da arte da crônica no
Brasil, como Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino e Rubens Braga dentre outros.
Sempre que
tenho oportunidade volto aos livros de Humberto de Campos, cuja dinâmica da
escrita me seduz; algumas vezes, sem falsa modéstia, procuro, nos meus
escritos, me aproximar do estilo deste mestre.
Infelizmente, as crônicas de Humberto de Campos não são
conhecidas pelas novas gerações; escrevia-as diariamente (era o que lhe dava o
sustento material) e eram publicadas em uma cadeia de jornais (era, na sua
época, um dos escritores mais lidos no Brasil) e seu envolvimento com os
leitores era tão intenso que muitos lhe enviavam cartas, solicitando conselhos
e orientações que eram respondidas com carinho.
Consta que
na Rua sete de abril em São Paulo juntava muita gente para ler suas crônicas,
que o Diário de São Paulo afixava na porta da redação, tendo seu filho, o
advogado Humberto de Campos Filho comparado o sucesso das crônicas do pai ao
capítulo das telenovelas de hoje; felizmente todo este material foi salvo pela
publicação em livros.
Quando
falamos na não perenidade do texto de algumas crônicas, folheio algumas páginas
do livro “Últimas crônicas, 1933” uma das obras póstumas daquele autor e leio a
crônica “Operários e camponeses” e vejo-o no seu estilo inconfundível (parece
que faz uma pregação aos seus leitores) aliado ao preciosismo intelectual,
tecendo considerações sobre o êxodo rural para as cidades; mais atual
impossível!
Uma das
características das crônicas de Humberto de Campos é a discussão sobre fatos
(culturais, históricos e políticos) ocorridos no pretérito de quando ele vivia
e que a magia da sua pena os tornava atuais e capazes de segurar a atenção do
leitor ávido de adquirir conhecimentos; como exemplos, destaco três crônicas
incluídas nas páginas do livro que citei (Últimas crônicas): “Os romances que o
diabo escreve” onde ele discute Disraeli e Eça de Queiroz, “A guarnição de
Tiflis” onde discute assuntos enfocados por um jornal da Califórnia, “O cinema,
o prazer e o pecado”, em que discute a influência que a arte exercia sobre
Napoleão Bonaparte.
Para encerrar esta despretensiosa discussão, leiam comigo
esta bela crônica e ajudem-me a identificar o seu autor:
“Chegou o tempo em que os Senhores da obscuridade fizeram
cair uma terrível chuva. Olhei o tempo e ele me pareceu medroso (...). Surgiu a
manhã, nuvens negras subiram para o céu. Todos os espíritos cativos
enfureciam-se, toda a claridade era transformada em obscuridade. O vento sul
rugia, rugiam as águas que se avolumavam e já alcançavam as montanhas, afogando
tudo e todos. Seis dias e seis noites caiu a chuva, como uma cascata. No último
dia o Dilúvio acalmou...”.
Sei que muitos dos meus leitores poderão achar este trecho
superponível à uma das crônicas escritas pelo escritor alemão Hermann Hesse,
porém... trata-se de um trecho de “Epopeia de Gilgamesh”, III milênios a.C.,
portanto mais de 2.000 anos antes do Antigo testamento.
0 Comentários:
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial