MINHAS CRÔNICAS

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

DISCUSSÃO SOBRE CRÔNICAS (parte IV)


 
  
Como enfatizamos no texto da semana passada, entendemos que é o estilo que torna a obra do escritor imorredoura, às vezes um determinado assunto é abordado por vários cronistas, sempre com o selo da individualidade; leiam comigo este belo trecho:  “Ai! De mim... O inverno passara depressa, o verão tornará risonho, mas no meu coração nunca mais, nunca mais! Haverá sol de estio nem flores de primavera”. Acho-o maravilhoso e sei que os senhores concordarão comigo nesta assertiva; o seu autor, Coelho Neto, hoje um pouco esquecido nas dobras do tempo, deixa gravado neste pequeno excerto de uma das suas crônicas publicadas no livro (A bico de Pena, 1919) sua marca inconfundível de pessimismo, pintado pela maestria do artista cultor da beleza.
            Dito isto e em considerando à elasticidade de enquadramento do gênero crônica, acredito que o diferencial que marcará o cronista é o seu estilo literário; aqui no Brasil temos exemplos de cronistas que fizeram uma interface muito duradoura com os leitores, provavelmente, pelo estilo intimista que imprimiam aos seus escritos sempre serão lembrados, instintivamente, alguns expoentes da arte da crônica no Brasil, como Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino e Rubens Braga dentre outros.
            Sempre que tenho oportunidade volto aos livros de Humberto de Campos, cuja dinâmica da escrita me seduz; algumas vezes, sem falsa modéstia, procuro, nos meus escritos, me aproximar do estilo deste mestre.
Infelizmente, as crônicas de Humberto de Campos não são conhecidas pelas novas gerações; escrevia-as diariamente (era o que lhe dava o sustento material) e eram publicadas em uma cadeia de jornais (era, na sua época, um dos escritores mais lidos no Brasil) e seu envolvimento com os leitores era tão intenso que muitos lhe enviavam cartas, solicitando conselhos e orientações que eram respondidas com carinho.
            Consta que na Rua sete de abril em São Paulo juntava muita gente para ler suas crônicas, que o Diário de São Paulo afixava na porta da redação, tendo seu filho, o advogado Humberto de Campos Filho comparado o sucesso das crônicas do pai ao capítulo das telenovelas de hoje; felizmente todo este material foi salvo pela publicação em livros.
            Quando falamos na não perenidade do texto de algumas crônicas, folheio algumas páginas do livro “Últimas crônicas, 1933” uma das obras póstumas daquele autor e leio a crônica “Operários e camponeses” e vejo-o no seu estilo inconfundível (parece que faz uma pregação aos seus leitores) aliado ao preciosismo intelectual, tecendo considerações sobre o êxodo rural para as cidades; mais atual impossível!
            Uma das características das crônicas de Humberto de Campos é a discussão sobre fatos (culturais, históricos e políticos) ocorridos no pretérito de quando ele vivia e que a magia da sua pena os tornava atuais e capazes de segurar a atenção do leitor ávido de adquirir conhecimentos; como exemplos, destaco três crônicas incluídas nas páginas do livro que citei (Últimas crônicas): “Os romances que o diabo escreve” onde ele discute Disraeli e Eça de Queiroz, “A guarnição de Tiflis” onde discute assuntos enfocados por um jornal da Califórnia, “O cinema, o prazer e o pecado”, em que discute a influência que a arte exercia sobre Napoleão Bonaparte.           
Para encerrar esta despretensiosa discussão, leiam comigo esta bela crônica e ajudem-me a identificar o seu autor:
“Chegou o tempo em que os Senhores da obscuridade fizeram cair uma terrível chuva. Olhei o tempo e ele me pareceu medroso (...). Surgiu a manhã, nuvens negras subiram para o céu. Todos os espíritos cativos enfureciam-se, toda a claridade era transformada em obscuridade. O vento sul rugia, rugiam as águas que se avolumavam e já alcançavam as montanhas, afogando tudo e todos. Seis dias e seis noites caiu a chuva, como uma cascata. No último dia o Dilúvio acalmou...”.
Sei que muitos dos meus leitores poderão achar este trecho superponível à uma das crônicas escritas pelo escritor alemão Hermann Hesse, porém... trata-se de um trecho de “Epopeia de Gilgamesh”, III milênios a.C., portanto mais de 2.000 anos antes do Antigo testamento.
 
 
 
 

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