Discussão sobre crônicas (Parte II)
Alguns de meus
personagens
Na ultima semana,
dentre os muitos tópicos que foram discutidos sobre crônicas, lembro-me que
chamei a atenção dos leitores quanto ao uso de personagens (fictícios ou não) para
facilitar a empatia de quem está lendo o texto com o seu autor.
Costumo, com muita
frequência, utilizar personagens fictícias nas minhas crônicas, algumas delas
até de maneira repetitiva; acredito que esta é uma boa estratégia, tendo em
vista a repercussão (cartas, e.mail’s) que a movimentação destas figuras nos
textos costuma atingir os meus leitores.
Não faz muito tempo
tive que esclarecer, ao final da narrativa de uma das costumeiras “artes” do
Batistão, que o mesmo era um personagem de ficção, acrescentando: “O Batistão
nunca existiu, o lugar onde ele mora, se é que ele mora em algum lugar, nem sei
se existe, porém, tudo o que ele faz e diz é verdade”. Entenderam?
Como cultuo muito a
literatura regionalista, utilizo em minhas crônicas e contos personagens
“oriundas” do meio rural, algumas delas representam a justaposição de duas ou
mais figuras que conheci no passado e que deixaram marcas indeléveis nas minhas
reminiscências.
Muitas vezes, ao
iniciar uma crônica, sinto que a personagem, a qual estou me referindo, toma
conta da escrita e dirige, sem que eu perceba, toda a trama; com isto estou
tentando dizer que ao escrever uma crônica que envolve apenas um personagem, o
narrador precisa, até para “segurar” o leitor ao texto, descrevê-lo, as vezes
algumas poucas caracterizações são suficientes, porém que estas sejam
definidoras do seu biótipo, seu caráter e, sobretudo, sua onipresença na trama
que será urdida. Cito alguns exemplos da minha lida:
MARIA JURUEMA,
(Deixe-me contar enquanto me lembro, 2009)
“Naquele domingo ela
estava mais bonita do que o costume; o véu
cobria-lhe a face, porém, não escondia os seus tentativos olhos negros, seus
lábios, rebocados com muita discrição por um
batom vermelho pálido, movimentava-se em silêncio, no compasso da reza; “adispois” aqueles cabelos no estilo pega-caboclo,
cheios de cachos tentando encobrir-lhe a fronte, aqueles remelexos meio
barulhentos que ela usava no braço, tudo isto transmitia, para ele, certa
melúria”.
BATISTÃO (Alma do Sertanejo, 2011)·.
“Batistão era bem moreno, magro, barba rala,
sem bigode, porém com um par de costeletas enormes, dispostas à maneira de um
triângulo de ápice superior, atingindo, na sua base alargada, até as imediações
dos maxilares. Sorriso de boca fechada, mãos calejadas e pés enfiados
naquelas chinelas de borracha que são presas no vão dos dedos”.
AMOR
DE VIUVA (Alma do Sertanejo, 2011).
“... Para ir à igreja
na sua companhia, ela vestia aquelas roupas de chita estampadas, muito rodadas,
fazendo “fru-fru” quando ela caminhava, o ombro, como convinha, era quase que
descoberto, seu pescoço, modelarmente torneado, sustentava um rosto lindo e
inocente; quando ria, o riso era leve, sem rumor, tal qual moça de família. E
seu andar? Parecia o pisar de uma garça com a intenção de ser caçoísta com o
companheiro: exagerava um pouco, porém sem excesso, o requebro do quadril.
Seu olhar? Ai meu
Deus de misericórdia, quanta doçura! Deixava a moçada alvoroçada e com o
coração em constante “bate-bate”; não lhe tiravam os olhos como se fossem
jacarés chocando ovos, pareciam gaviões andando de um lado para o outro,
comendo com os olhos aquela avezinha sem defesa; porém, ficavam somente na
vontade porque aquela rolinha tinha dono”.
Se
o cronista, o contista ou mesmo o romancista quiser ser lido, precisa prender a
atenção do leitor na primeira página do texto, às vezes na primeira sentença;
uma boa descrição do personagem muitas vezes é o suficiente.
Gosto
muito desta ultima descrição que transcrevi acima e acho que consegui agradar
muitos dos meus leitores, pela constante troca de correspondência (internet); o
maior elogio é a afirmação de um leitor que disse, textualmente: “deu-me
vontade de conhecê-la pessoalmente e, sobretudo vê-la desfilar pelas ruas do
lugarejo”.
Esta
personagem que agradou meus leitores não era a que deu o título à crônica!
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