Discussão sobre CRÔNICAS – (Parte I)
Semanalmente, atendendo convite do diretor
do Jornal dos Lagos, meu primo Toninho Camilo, uso este cantinho que me tem
sido reservado para conversar com meus conterrâneos de Alfenas e, por extensão
de Gaspar Lopes, onde nasci; desafio que enfrento com muita satisfação.
De vez em
quando sou questionado - escrevo crônicas? O que é crônica? Se os leitores
tiverem paciência com este escriba vou, a partir deste texto, tentar esclarecer
o que penso sobre o assunto; provavelmente vou ter que discuti-lo em alguns
capítulos, tendo em vista que devo respeitar o espaço que me foi definido pelo
editor do jornal, o amigo Valdir Cezário, zeloso da necessidade de dividir as
colunas do jornal com uma grande gama de assuntos, muitos deles mais
interessantes do que o meu ponto de vista sobre este tema.
Aproveitarei
parte de uma palestra que proferi, há alguns meses, no recinto da Academia
Goiana de Letras em uma tarde-noite de “tertúlias” no nosso sodalício.
O primeiro desafio a ser
enfrentado ao se discutir o assunto “crônicas” será a necessidade de definir o
que entendemos por crônica; segundo os dicionários é “História ou narração de
um ou mais acontecimento em um determinado tempo” ou “narração dos principais
acontecimentos”; tenho por mim que o dicionário diz o que todo mundo pensa de
uma coisa quando usa determinado termo e, como a língua é dinâmica,
provavelmente nenhuma destas duas definições consegue, hoje em dia, expressar o
que todo mundo pensa sobre a crônica.
Com a intenção de atender a diferentes pontos de vista,
alguns críticos classificam a crônica em várias categorias, tais como a
descritiva, narrativa, dissertativa, lírica, humorística, ficcional, narrativa
histórica, texto sobre literatura, assunto científico, esporte, pequeno conto
baseado no cotidiano, etc.
No meio deste
emaranhado, parece que há algum consenso: o cronista deve estar atento a alguns
pormenores a serem seguidos na elaboração do texto; alguns deles me proponho a
discutir, sem o academicismo que muitas vezes afasta o interlocutor do
escritor.
Normalmente a crônica é
narrada na 1ª. ou na 3ª. pessoa (mais comumente), utilizam-se poucos ou às
vezes nenhum personagem, sua linguagem é simples, situando-se entre a oral, a
jornalística e a literária, facilitando com isto a empatia entre o leitor e o
cronista.
Mario de Andrade, um
dos precursores do modernismo no Brasil pela sua participação na semana de arte
moderna de 1922, disse certa feita e, modestamente, concordo com ele, “Crônica
é tudo o que o autor chama de crônica”.
Leiam comigo estes
versos da poesia “Paisagem no. 1” que ele escreveu sobre São Paulo (que,
segundo ele, algumas vezes imita a cidade de Londres) e depois me digam se isto
não é uma crônica do cotidiano:
Minha Londres das
neblinas finas!
Pleno verão. Os dez mil milhões de rosas paulistanas.
Há neve de perfumes no ar.
Faz frio, muito frio…
E a ironia das pernas das costureirinhas
parecidas com bailarinas…
O vento é como uma navalha
nas mãos dum espanhol. Arlequinal!…
Há duas horas queimou Sol.
Daqui a duas horas queima Sol.
Pleno verão. Os dez mil milhões de rosas paulistanas.
Há neve de perfumes no ar.
Faz frio, muito frio…
E a ironia das pernas das costureirinhas
parecidas com bailarinas…
O vento é como uma navalha
nas mãos dum espanhol. Arlequinal!…
Há duas horas queimou Sol.
Daqui a duas horas queima Sol.
Peço ao crítico literário, Aleiton Fonseca, para ajudar-me a entender o
que Mário de Andrade quis dizer com este poema (crônica?); a primeira aparente
contradição: como pode fazer frio, muito frio, existir neblinas frias em “pleno
verão”?
O clima paulistano se define pela contradição (sol agora, depois neblina, daqui
a duas horas volta o sol); as palavras neblina e frio e sol estão no campo de
significação relativo a clima, o que permite definir São Paulo como um símile
de Londres (cidade onde acontecem fenômenos semelhantes), aproximando o clima
paulistano do clima europeu.
No poema, são os dez milhões de rosas
que constituem a diferença positiva em favor de São Paulo; as rosas dão
harmonia ao perfil climático da cidade ao proporcionar “neves de perfumes no
ar”.
Leiam este poema de Manuel Bandeira (ele se baseou em uma
noticia de jornal) e digam se não é uma crônica do cotidiano:
Estrela
da vida inteira
João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no
morro da Babilônia num barracão sem número
Uma noite ele chegou ao bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu
afogado.
Gostaria de perguntar-lhes se esta carta (resumo) que
Mário de Andrade enviou para Câmara Cascudo em 1924 não estaria enquadrada
dentro das definições de crônicas citadas acima, leiam-na comigo:
“... E agora um pedido.
Tenho uma fome pelo norte, não imagina. Mande-me umas fotografias de sua terra.
Há por ai obras de arte coloniais? Imagens de madeira, igrejas interessantes?
Conhecem-se os seus autores? Há fotografias? Acredite: tudo isso me interessa
mais que a vida. Não tenha medo de me mandar um retrato de tapera que seja. Ou
de rio, ou de árvore comum. São as delicias de minha vida essas fotografias de
pedaços mesmo corriqueiros do Brasil. Não por sentimentalismo. Mas sei
surpreender o segredo das coisas comesinhas da minha terra. E minha terra é
ainda o Brasil. Não sou bairrista”.
Se esta carta não for
crônica, a resposta que foi dada a mesma, seguramente será!
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