MINHAS CRÔNICAS

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Discussão sobre CRÔNICAS – (Parte I)



        Semanalmente, atendendo convite do diretor do Jornal dos Lagos, meu primo Toninho Camilo, uso este cantinho que me tem sido reservado para conversar com meus conterrâneos de Alfenas e, por extensão de Gaspar Lopes, onde nasci; desafio que enfrento com muita satisfação.
                 De vez em quando sou questionado - escrevo crônicas? O que é crônica? Se os leitores tiverem paciência com este escriba vou, a partir deste texto, tentar esclarecer o que penso sobre o assunto; provavelmente vou ter que discuti-lo em alguns capítulos, tendo em vista que devo respeitar o espaço que me foi definido pelo editor do jornal, o amigo Valdir Cezário, zeloso da necessidade de dividir as colunas do jornal com uma grande gama de assuntos, muitos deles mais interessantes do que o meu ponto de vista sobre este tema.
              Aproveitarei parte de uma palestra que proferi, há alguns meses, no recinto da Academia Goiana de Letras em uma tarde-noite de “tertúlias” no nosso sodalício.
               O primeiro desafio a ser enfrentado ao se discutir o assunto “crônicas” será a necessidade de definir o que entendemos por crônica; segundo os dicionários é “História ou narração de um ou mais acontecimento em um determinado tempo” ou “narração dos principais acontecimentos”; tenho por mim que o dicionário diz o que todo mundo pensa de uma coisa quando usa determinado termo e, como a língua é dinâmica, provavelmente nenhuma destas duas definições consegue, hoje em dia, expressar o que todo mundo pensa sobre a crônica.
            Com a intenção de atender a diferentes pontos de vista, alguns críticos classificam a crônica em várias categorias, tais como a descritiva, narrativa, dissertativa, lírica, humorística, ficcional, narrativa histórica, texto sobre literatura, assunto científico, esporte, pequeno conto baseado no cotidiano, etc.
No meio deste emaranhado, parece que há algum consenso: o cronista deve estar atento a alguns pormenores a serem seguidos na elaboração do texto; alguns deles me proponho a discutir, sem o academicismo que muitas vezes afasta o interlocutor do escritor.
Normalmente a crônica é narrada na 1ª. ou na 3ª. pessoa (mais comumente), utilizam-se poucos ou às vezes nenhum personagem, sua linguagem é simples, situando-se entre a oral, a jornalística e a literária, facilitando com isto a empatia entre o leitor e o cronista.
Mario de Andrade, um dos precursores do modernismo no Brasil pela sua participação na semana de arte moderna de 1922, disse certa feita e, modestamente, concordo com ele, “Crônica é tudo o que o autor chama de crônica”.
Leiam comigo estes versos da poesia “Paisagem no. 1” que ele escreveu sobre São Paulo (que, segundo ele, algumas vezes imita a cidade de Londres) e depois me digam se isto não é uma crônica do cotidiano:

Minha Londres das neblinas finas!
Pleno verão. Os dez mil milhões de rosas paulistanas.
Há neve de perfumes no ar.
Faz frio, muito frio…
E a ironia das pernas das costureirinhas
parecidas com bailarinas…
O vento é como uma navalha
nas mãos dum espanhol. Arlequinal!…
Há duas horas queimou Sol.
Daqui a duas horas queima Sol.
                Peço ao crítico literário, Aleiton Fonseca, para ajudar-me a entender o que Mário de Andrade quis dizer com este poema (crônica?); a primeira aparente contradição: como pode fazer frio, muito frio, existir neblinas frias em “pleno verão”? O clima paulistano se define pela contradição (sol agora, depois neblina, daqui a duas horas volta o sol); as palavras neblina e frio e sol estão no campo de significação relativo a clima, o que permite definir São Paulo como um símile de Londres (cidade onde acontecem fenômenos semelhantes), aproximando o clima paulistano do clima europeu.
         No poema, são os dez milhões de rosas que constituem a diferença positiva em favor de São Paulo; as rosas dão harmonia ao perfil climático da cidade ao proporcionar “neves de perfumes no ar”.
            Leiam este poema de Manuel Bandeira (ele se baseou em uma noticia de jornal) e digam se não é uma crônica do cotidiano:
Estrela da vida inteira
            João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número
            Uma noite ele chegou ao bar Vinte de Novembro
            Bebeu
            Cantou
            Dançou
            Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
            Gostaria de perguntar-lhes se esta carta (resumo) que Mário de Andrade enviou para Câmara Cascudo em 1924 não estaria enquadrada dentro das definições de crônicas citadas acima, leiam-na comigo:
“... E agora um pedido. Tenho uma fome pelo norte, não imagina. Mande-me umas fotografias de sua terra. Há por ai obras de arte coloniais? Imagens de madeira, igrejas interessantes? Conhecem-se os seus autores? Há fotografias? Acredite: tudo isso me interessa mais que a vida. Não tenha medo de me mandar um retrato de tapera que seja. Ou de rio, ou de árvore comum. São as delicias de minha vida essas fotografias de pedaços mesmo corriqueiros do Brasil. Não por sentimentalismo. Mas sei surpreender o segredo das coisas comesinhas da minha terra. E minha terra é ainda o Brasil. Não sou bairrista”.
Se esta carta não for crônica, a resposta que foi dada a mesma, seguramente será!


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