BATISTÃO E EÇA DE QUEIROZ
Eça de Queiroz
Semana passada, em uma das minhas investidas na biblioteca,
encontrei um livro que há muito não folheava “A correspondência de Fradique
Mendes, Eça de Queiroz, Editora Lello, Porto, 1933”; ao ler a carta que ele
escreveu de Paris para seu amigo Ramalho Ortigão, deparei-me com uma passagem
que me levou ao meu amigo Batistão.
Sei que meus
leitores não estão compreendendo esta ligação entre estes dois personagens com
personalidades tão díspares, porém, peço-lhes paciência e leiam, inicialmente o
resumo do que Eça diz ao seu amigo Ortigão e depois ouçam o que o Batistão me
disse e vejam se não tenho razão em fazer a esdrúxula comparação.
Eça, na
companhia de dois outros amigos, tomava café em um daqueles famosos ambientes
de Paris (café de La Paix) , quando se aproximou da mesa um argentino que era
conhecido de um dos seus amigos, era o Sr. Mendibal.
Com a
maestria que lhe era peculiar, Eça consegue transpor para o papel o que o Sr.
Mendibal falou a respeito da sua esposa (dele, Mendibal) e, principalmente os
seus cuidados (dela) para com a mãe do Mendibal, antes disto tudo ele explica a razão de aquele
assunto entrar na roda de discussão na mesa.
Com o fino
humor que lhe caracterizava a escrita, ele diz “Mendibal, tendo posto ao lado
sobre uma cadeira, com cuidados devotos, o ramo de cravos, desfiava as virtudes
e os encantos de Madame”; “ Sentia-se ali uma d’essas admirações efervescentes,
borbulhantes, que se não podem retrair, que transbordam por toda a parte, mesmo
por sobre as mesas dos cafés””; “onde
quer que passasse, aquele homem iria deixando escorrer a sua adoração pela
mulher, como um guarda-chuva encharcado vai fatalmente pingando água”; “O
prazer que ele repuxava mais para fora o caroço da garganta, revelou que madame
Mendibal era francesa”; e assim por diante até se dirigir, especialmente a Eça,
para falar dos predicados de Madame, como nora.
“Sim,
positivamente, não havia outra em Paris! Por exemplo, o carinho com que ela
“cuidava da mamã (da mamã dele, Mendibal), senhora de grande idade, cheia de
achaques! Pois era uma paciência, uma delicadeza, uma sujeição... De cair de
joelhos! Então nos últimos dias a mamã andara tão rabujenta!... Madame Mendibal
até emagrecera”.
Até comecei,
diz Eça, a simpatizar com o argentino, por compreendê-lo e não poderia haver
nada mais sinceramente grotesco e tocante do que ouvi-lo, pois então
continuemos a fazê-lo: “Neste domingo lhe pedi que se fosse a Versallhes, onde
a mamã dela, madame Jouffroy, habitava por economia; pois senhores, todo o dia
em Versalhes, a santa criatura estivera com cuidado na sogra, cheia de saudades
da casa, n’uma ânsia de recolher! A maior parte da tarde e uma tarde tão linda
gastara-a a reunir aquele esplêndido ramo de cravos amarelos para lhe trazer, a
ele”.
“É verdade!
Veja o senhor! Este ramo de cravos! Até consola. Eu não sei se o senhor é
casado. Perdoe a confiança. Mas se não é, sempre lhe direi, como digo a todo
mundo: - Case com uma francesa, case com uma francesa!”.
Na verdade o
Batistão, até pela sua cultura machista arraigada na sua natureza, embora possa
ser carinhoso (ao seu jeito) com a sua esposa Narandinha, não podemos dizer que
ele tenha os rompantes de galanteios semelhantes aos do argentino de Eça de
Queiroz; ele a ama a seu modo (desde que ela se adapte ao seu!).
A prova
disto passo a lhes contar: - Em uma tarde, à beira do curral, após soltarmos as
últimas cabeças do gado, encostamos debaixo de um Ipê que sombreava um toco de angico,
onde sentamos para tomar um pouco de água e, nem sei por que, começamos a falar
sobre o relacionamento familiar, especificamente entre marido e mulher.
- Olha! “Dotor”,
mulher para viver junto com mais eu, debaixo do meu teto, deve ser igual à água
do córrego que desce da serra, escorregando por cima das pedras, às vezes
levando lambadas nos barrancos, porém não foge do rumo que foi determinado por
Deus: chegar até o rio, com a cor branquinha e sossegada.
Num gosto de mulher novidadeira, mexeriqueira, destas que
pegam a fuxicar com o que acontece na casa de fulana, sicrana e beltrana;
devagar vai perdendo o rumo e desguarita para fora do leito, igual ribeirão que
na curva apertada, perde o rumo e descamba pro varjão.
Quanto ao seu relacionamento com a sogra mereceria um
capítulo à parte, porém, como o espaço é pequeno para relatar em detalhes o que
sei, posso dizer que infelizmente o Batistão, depois de muitas discussões, que
começaram após a mãe de Narandinha vir morar com o casal, apelou para a ignorância.
- Os finalmente ocorreram justamente no dia em que eu tava
com “má intenção” com a Narandinha, conta ele, piscando um dos olhos com um
sorriso de galhofa: o sol estava quase que escondendo por detrás do morro, era
o lusque-fusque do dia, avistei a “marvada” na janela, enfeitada com uma flor
de margarida amarela no cabelo que brilhava na briga com as faíscas do sol, que
também clareava sua feição; Ai, Deus! Ao chegar à soleira da porta ela veio me
receber com a alegria da mulher do canarinho da terra que encontra a
companheiro.
Quando encostamos as duas caras um no outro, escuto a
“cascavel” da minha sogra falar cheia de razão: - Está faltando mistura para
fazer o jantar, homem de Deus, faça sua obrigação e vá buscar!
Não vou contar em detalhes o que aconteceu!
Foram embora as duas, este é o problema de morar com sogra,
parece que viram “irmãos filipes”; uma não fica sem a outra; dois meses depois,
voltaram as DUAS!
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