MINHAS CRÔNICAS

quarta-feira, 26 de junho de 2013

O “COMETA” MARVÃO ENSINA COMO ENFRENTAR COBRAS E CARRAPATOS NOS SERTÕES.



Vital veio me informar que um dos nossos homens, do grupo que ficou para trás, estava com problema de saúde e por isto, ele achava, estavam caminhando mais devagar, portanto demorariam mais a nos alcançar: “O Seu João Catalão, exclusive, ficou prá trais prá oiá ele”.
- Que tipo de problema este indivíduo está tendo? Quis saber, primeiro por questão humanitária e, pelas circunstâncias, provavelmente, a mais importante razão: o fato de um chefe de caravana se interessar pelo bem estar do grupo; o não cumprimento desta regra consubstancia uma falha imperdoável, sob a visão do sertanejo.
- Ele istrepô a canela da perna num pau que estava de travessa na estrada e teve sangria desatada, mas o Seu João Catalão deu conta de estancar a sangueira, mas, dispois disto, ele começou a ter um februme dos infernos e aumentou a dor no local do corte.
- Eu já tinha sabença, hoje vi uma coruja e um anum quase que juntos, sentados num pau de angico, num existe ave mais agourenta que estas duas excomunguentas, diz com olhar de preocupação o recém-chegado Marvão, merecendo, inclusive a aprovação do Vital.
- Deixa ele chegar para vermos o que se pode fazer, além do que  o Curador João Catalão já fez.
Interessante como a vida é cheia de surpresas, de repente, sem nenhum aviso prévio, nos aproximamos de pessoas que nunca tínhamos visto antes e, com meia dúzia de palavras, passamos a ter com as mesmas uma boa dose de empatia, levando-nos, instintivamente, a procurar mais informações sobre a sua vida.
Marvão era uma destas pessoas: simples nas ações e nos diálogos, porém, cheio de sabedoria popular e principalmente vivendo baseado, praticamente, no seu instinto sobre as ações práticas da vida; devia ter mais ou menos 30 a 35 anos de idade, sua pele era bem morena, estatura longilínea, magro, mas não descarnado, estava sempre com um sorriso nos lábios e uma frase “de efeito” na ponta da língua.
Seus cabelos eram um pouco encaracolados e, para não fugir aos costumes da época, possuía uma costeleta bastante larga e mal cuidada; sua mula baia, sem “tretas”, como fez questão de salientar, estava com todos os apetrechos a que tinha direito, as patas dianteiras forradas por um par de ferraduras, a cabeça do arreio era recoberto por um arranjo de prata, assim como o peitoril do animal, feito por um colar de argolas, também de prata, para quando o sol batesse de frente, disse, piscando um dos olhos, o Marvão,  “faiscar nos óios de quem tivesse oiando”, principalmente se esse oiar fosse um daqueles bem pidonhos  de algum “rabo de saia”; barrigueira dupla e sobrechincha caprichada.
“Pode ter igual, mas melhor que a minha besta num tem por estas bandas, ela  tem o troteado firme e valente, principalmente nas travessias dos tremedais e dos corixás da vida, na subida e na descida dos espigões cheios de pedregulhos e pau de estrepe; espadas valente, pescoço fornido e grosso, com as ancas roliças e luzidias; nas orelhas fiz pique enviesado e além de tudo, tem o pelo liso que num aceita a escovação.
Animal que tem a pele da cor de canjica escura, orelhas aprumadas e com batida do passo no compasso da nossa prosa, num nega fogo.
Esta danada conhece meu jeito sestroso, já atravessei rio com vau ou bolapé com água pela orelha da danada, largava a rédea no seu pescoço, agarrava no selim e pegava com Nossa Senhora da Abadia. Nunca morri!”
Para proteger as pernas, Marvão usava botas, com perneiras longas até perto dos joelhos:
“ Comprei estas botas de um homem lá pras bandas de Mariana, este cristão me disse que era bota de couro da Rússia, paguei sessenta mil réis pra ter esta danada mais este ponche mineiro com baeta vermelha com serventia de  forro que vosmecê esta vendo amarrado na garupa.
            O perigo anda por perto, preciso me proteger dos espinharéus, das garrancheiras e dos carrapatis, prá num falar das cobras traiçoeiras!
      Contra os espinharéus e as garrancheiras tenho garantia das botas, das cobras traiçoeiras, se num for das voadeiras que alcançam mais alto, num tem problema, nóis mata com pau, prus combates dos carrapatis eu pego adjutório com uma modinha:
           Carrapati meu cumpadi
           Carrapata minha cumadi
           Carrapatinhis meus afiadis
           Se me morderem estão todos excomungadis.
Minha bota já foi picada por cascavéis, jaracuçus, urutus, jararaca e muitas outras peçonhas, tudo sem problema, exclusivi, nunca deixei uma destas tentação ir simbora sem ser morta, aliás, só teve uma que fiquei acismado e num terminei o serviço, era uma cobra que tinha um desenho de uma cruz branca na sua cabeça preta - com cruz não se brinca.”


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