MINHAS CRÔNICAS

segunda-feira, 3 de junho de 2013

O ENCONTRO DO DESBRAVADOR DO SERTÃO COM O “COMETA”.



Ao contornar o flanco de uma pequena serra, avistamos uma planície extraordinariamente bela, cortada ao meio por um regato, cujas águas, vistas à distância, sugeriam calmaria e tranquilidade. De onde estávamos conseguimos ver, quase que terminando a descida daquela encosta, uma caravana com  muitos homens montados em burros e cavalos, além de vários outros animais carregando broacas e, acompanhando o mesmo cortejo, um carro de bois composto por seis juntas, também carregado. Devido ao silêncio e à topografia do terreno, um extenso vale, podia-se ouvir, mesmo com a distância que nos separava do grupo, o “choro” do carro, simulando o som de um violino não afinado, guinchando com monotonia o eixo fixo das suas rodas.
Não foi difícil alcançá-los, pois, a parte da nossa tropa que estava carregada seguia, à razoável distância, na nossa retaguarda, como era o costume; portanto, tínhamos mais agilidade para caminhar; à medida que nos aproximávamos daquele grupo, começou a ficar muito nítida para mim, a imagem que a distância me confundia: amarrados na retaguarda do carro de bois, duas juntas de bois tentava caminhar em sentido contrário ao da descida do morro; só quando estava muito próximo da cena foi que consegui entendê-la por inteiro: os bois que puxavam o carro para trás funcionavam como breques ou contra-força, uma vez que a descida era íngreme, impedindo com isto que o carro disparasse.
     Concomitantemente com esta movimentação, outro homem caminhava junto às rodas do carro e, de vez em quando pegava um chifre que estava dependurado no recavém traseiro do carro e derramava, como depois fiquei sabendo, um pouco de azeite para untar os cocãos dos dois lados, a fim de se evitar o superaquecimento e, às vezes mesmo, o incêndio dos cocãos, provocado pelo atrito das madeiras.
Os homens que lidavam com aquele carro eram até gentis com os animais, raramente usavam os ferrões que tinham nas mãos, aliás, estes possuíam um chocalho na sua ponta e a sua movimentação provocava um barulho que era o sinal de comunicação entre o homem e o boi; concomitantemente com esta movimentação, um crioulinho muito esperto andava na frente com um instrumento que denominam de cantadeira, cuja movimentação emitia um som musicado, que, seguramente, deveria ser agradável aos ouvidos dos animais. 
  O chefe daquela caravana era um “cometa” nascido na Bahia, como nos informou; estavam viajando já há muitos meses, não tinham a mínima ideia de quanto, mas tinham certeza de que ainda tinham muita estrada pela frente, pois pretendiam levar esta carga de sal para a cidade de Goyaz e de lá retornarem à Bahia ou São Paulo, dependendo do que encontrassem para comprar.
Chamava-se Marvão este baiano e de imediato estabeleceu-se uma boa empatia entre ele e todo nosso grupo, inclusive comigo mesmo.
Marvão chegou na hora certa; devido ao seu gênio extrovertido, seria a pessoa ideal para animar o meu grupo, uma vez que, como já disse, estava entrando em uma fase um pouco difícil de convivência.
Passei esta impressão ao Vital e este se encarregou de aproximá-lo um pouco mais do nosso pessoal, sugerindo que andássemos juntos, pelo menos até a próxima pernoitada, quando, segundo meus planos, seríamos alcançados pelo resto do nosso pessoal e colocaríamos toda a peonada, a minha e a do Marvão, em contato mútuo para desanuviar um pouco o ambiente.
                           Marvão também achou muito boa a ideia, provavelmente porque ele estivesse com o mesmo problema e sugeriu, baseado em seu conhecimento da região, que se apressássemos o passo, teríamos condições de chegar ao sítio de um tal Sr.Belarmino, onde, seguramente teríamos condições de arranchar.
Marvão caminhou um bom percurso entre eu e o Vital; foi o suficiente para conhecê-lo melhor; tratava-se, como disse, de um baiano que deixou sua terra natal há muitos anos e vivia, segundo suas próprias palavras, perdido pelo mundo.
         Inicialmente pensou em ganhar algum dinheiro e depois voltar para junto dos seus familiares, já que não os via há vários anos, porém, observou bem cedo que seria impossível realizar este sonho, principalmente por quem, segundo ele, não tinha leitura.
- Tem jeito não seu Dotor, quem nasce prá lagartixa num chega a jacaré!
Depois de muito lutar, economizando de onde não podia, foi montando sua tropa de burros até conseguir tornar-se um cometa.
- Prá vencer na pele de cometa o indivíduo tem que ser velhaco, é tatu comendo cobra! Para aturar esta vida no sertão o “individo” tem que sê macho, já fiz coisa que inté meu padinho padre Cisso duvida, hoje estou ficando mais enfraquecido pelos janeiros; num campeio, porém, não fujo das encrencas e das fuzarcas.
Rabo de saia me infeitiça mais que promessa prá ir para o céu, porém, sô respeitadô da muié alheia, dá uma risada matreira, olha para os dois interlocutores, pisca, matreiramente, um dos olhos e completa a frase: Bão, se o aêio não estiver por perto, né? Já tive muitas muié, nem uma de papel passado, bêsta do homem que passa papel, é arranjar sarna para coçar; a mulher fica mandona e cheia de razão, vancê pode até bater na excumungada que a danada num vai simbóra, tem que aturar inté os finarmentes.”...

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