CONSTRANGIMENTO NA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS
É costume na
Academia Goiana de Letras, embora não seja um dispositivo estatutário, permitir
que o candidato a ser empossado em uma cadeira para a qual foi eleito, escolha,
entre os membros do sodalício, aquele que vai saudá-lo na efeméride.
Não sei se a
Academia Brasileira de Letras ainda mantém a tradição de que esta indicação
seja feita pelo Presidente da Instituição, como acontecia nas primeiras décadas
do seu funcionamento.
Na sessão de
posse de um novo acadêmico, ocorrida no dia sete de janeiro de 1911, aconteceu
um fato que deve ter trazido alguma contrariedade e, principalmente,
constrangimento, não só aos acadêmicos que assistiam à sessão, mas, também aos
convidados que lá estavam presentes.
Tomava posse na cadeira que
pertenceu a Joaquim Nabuco o General e, posteriormente, Marechal, Dantas
Barreto e, para saudá-lo, o presidente da ABL indicou o acadêmico e jornalista
Carlos de Laet.
Não temos
informação, porém, tudo indica que esta indicação foi “caso pensado”, pois, era
sabido que Carlos de Laet tinha grandes restrições ao General Dantas,
provavelmente não à pessoa em si, mas sim, ao que ela representava: era
ministro da Guerra do Presidente Hermes da Fonseca, sobrinho do Marechal
Deodoro da Fonseca, a quem Laet nunca perdoou pelas perseguições que sofrera
após a proclamação da república (foi aposentado como professor do Colégio Pedro
II e foi preso durante a revolta de 1893 no Rio Grande do Sul, pela sua estreita
ligação com a Monarquia).
Mais dois fatos
corroboraram para o imbróglio: O recipiendário, no caso o General, discursaria
antes do orador encarregado de dar-lhe as boas vindas e a sua oração deveria
ser, por norma da casa, de elogios ao ex-titular da cadeira que este deveria
passar a ocupar, no caso Joaquim Nabuco, a quem Laet combatia, sem dó nem
piedade, pelo fato deste antigo defensor da Monarquia, ter aceitado um cargo de
embaixador do governo republicano (A vida literária no Brasil 1900, Brito
Brota, José Olympio Ed., 2005).
Possuo vários
volumes de discursos proferidos em posses acadêmicas na ABL e, por tal motivo,
ouso afirmar que este discurso de Carlos de Laet foi um dos mais belos e mais
bem construídos, literariamente falando, de toda a história daquele sodalício -
foi irônico, poético e, sobretudo, mordaz.
Após a leitura
desta peça literária, pode-se compreender a razão pela qual Machado de Assis,
Rui Barbosa e Carlos de Laet, serem cognominados, na época, como a “tríade da
suprema perfeição linguística”.
O preâmbulo da
oração já sinalizava o desiderato do orador: “Por um impulso de modéstia, o
General pondera que os sufrágios a ele concedidos, foram, na verdade, ao
exército brasileiro. Escusai-me, General, nesse atalho da sua modéstia, ouso
antepor-vos as resistências da verdade. O triunfo é vosso, não são os vossos
títulos militares que vos dão entrada neste recinto”.
Após tecer
considerações genéricas, porém sempre inclementes a respeito da obra literária
do novo acadêmico: “A certo grupo o seu estilo há de parecer menos colorido, e
talvez o léxico menos opulento, com orgias vocabulares. Vossos livros retratam
o homem da vossa época, pois, participais das paixões e preconceitos, nem
sempre isentos do influxo político”, Laet enfoca, com ironia, o livro publicado
pelo General - Impressões militares:
“Ao narrardes o abandono de Corumbá, ensejou que profligasse o descalabro do
nosso exército monarquista, apenas confiado na muito apregoada sabedoria de um
rei inimigo do exército.
Felizmente
General, o senhor pertence ao número daquelas testemunhas que, citadas ou para
a acusação ou para a defesa, em nada altera os fatos, pois, em outro lugar, do
mesmo livro, encontro-o a bosquejar as ruínas do exército em 1894, cinco anos
após o exílio do Imperador, portanto, deixai que disto, em prol da justiça, eu
tire proveito e concedei-me que, ao menos, no descalabro de 1894, nenhuma culpa
teve o Soberano”.
Ao comentar o
livro Expedição a Mato Grosso, Laet
volta, veladamente, a criticar o General-acadêmico “Referís ao tentame de
restaurar um governador exautorado; nos lúgubres disparos que terminaram o
pleito reconhecemos, entristecidos, o quanto falta de liberdade”
Já quase no
final do discurso, quando ninguém pensava que pudesse surgir mais algum
desacato, Laet resolve responder aos comentários, elegantes e protocolares,
(diga-se de passagem), feitos pelo recipiendário a respeito de Joaquim Nabuco.
Reafirma a
acusação de desertor, formulada na sátira “O embaixador” que ele produzira;
pergunta ao General “como ele procederia, se na guerra, visse alguém abandonar
a trincheira. Faria fogo! Fora o que ele fizera, com respeito a Nabuco. Um dia,
em 1889, na última sessão da Câmara dos Deputados da Monarquia, eu ouvi Nabuco
dizer de Ouro Preto - Ele assemelhou-se, na defesa dos seus compromissos, ao
imóvel rochedo que enfrenta as águas do oceano, quedando imóvel, assinalando as
raias do litoral. Sabeis o que houve depois!”.
O epílogo foi a
repercussão na imprensa, com comentários desfavoráveis a Laet e à Academia;
fora esta quem fuzilara Nabuco no tiro disparado por Laet.
Finalmente a
Academia fez estampar no Jornal do Comércio uma carta, declarando não se
considerar solidária a tal opinião.
Oh tempos!‘
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