OS MÉDICOS ESTÃO VIVENDO SOB PRESSÃO!
Era um sábado
de carnaval, o ano não tenho certeza, porém, pelo que me lembro (quando era
jovem e dava plantões no Pronto Socorro do Hospital das Clínicas da UFG)
deveria ser final dos anos de 1960, inicio de 1970.
Ao chegar ao Hospital, mais ou menos as
18:hs, encontrei-me com os amigos Drs. Rubens Ferreira de Moraes,
carinhosamente apelidado de Rubico e Luiz Amazonas, meus companheiros de
“infortúnio” naquele plantão que prenunciava muita movimentação, tendo em vista
a data ser propicia para nossos
“clientes” se esbaldarem e cometerem excessos, com a ajuda das bebidas
alcoólicas.
Naquela
época a pletora de pacientes à procura de ajuda em nosso Hospital era muito
maior do que a sua capacidade física para abrigar tanta gente, principalmente
os oriundos do nosso interior e, também dos estados nossos vizinhos, tendo em
vista que aquele era a grande referência hospitalar na região centro-oeste.
Como
não havia as chamadas “Casas do Interior”, locais onde hoje as prefeituras
costumam abrigar os pacientes que são encaminhados à nossa capital para
tratamento médico enquanto aguardam, se não são casos de urgência, vagas nos
hospitais; observávamos tensos e agoniados este quadro de triste lembrança, sem
nada poder fazer, tendo em vista que o Hospital não comportava todos os
pacientes,mesmo após esgotados todos os
artifícios de deitá-los em macas e em colchões colocados no chão das
enfermarias e pelos corredores.
Os pacientes que procuravam o Hospital naquela época (será que mudou
alguma coisa?) eram indigentes sociais e nada reclamavam das dificuldades a que
eram obrigados a enfrentar, parece que recebiam esta assistência como um favor
que o estado lhes estava prestando e
agradeciam a Deus a possibilidade de serem atendidos.
Muitos
daqueles pacientes que não podiam ser “agasalhados” no Hospital, sem terem para
onde ir (por falta de recurso econômico), ficavam ao redor do nosso Hospital,
acomodados, só Deus sabe como, em improvisados abrigos que eles mesmos e seus
familiares “construíam” `a custa de tabuas, folhas de zinco, pedaços de
papelões, etc.
Somente
os médicos e as demais pessoas ligadas à área da saúde, principalmente os (as)
enfermeiros, sabem o que é se envolver psicologicamente com esta tragédia
humana, onde circulam tantos personagens que a partir do primeiro contato, ao
nos inteirarmos das suas dificuldades existenciais, se tornam tão próximos de
nós mesmos.
Muitas
vezes, em noites frias e às vezes chuvosas, corríamos, Dr. Luiz Amazonas, Dr.
Rubens ou eu mesmo, a rodear o prédio a procura da “casa” daquele senhor ou
daquela senhora que vimos na entrada do plantão e que nos trazia maior
preocupação devido à intempérie; em pelo
menos uma oportunidade, juro pela minha conduta, vi o Dr. Luiz Amazonas
chorando em um canto da enfermaria por não ter podido abrigar, mais aquela
pacientezinha, no interior do nosso Hospital.
Desgaste
emocional inacreditável, não é possível para qualquer pessoa, até mesmo para um
médico (hoje visto por alguns como figura desumana), suportar toda esta carga
por toda a vida, chega a um ponto que ele necessita diminuir suas atividades,
até mesmo, precisa fugir destes procedimentos de estresse; no entanto, ele não
quer se aposentar, pois entende que
ainda tem alguma coisa a dar para seus pacientes, angariados em uma vida de
relacionamento quase que diário.
Alguns
médicos, ao atingirem a planície da vida e da profissão, conseguem manter seus
ganhos, restringindo o número de pacientes a serem atendidos; estes são
nominados, por alguns, como mercenários, porque se recusam a continuar sua
carga de serviço como era no inicio da sua vida profissional; alguns outros,
vão a imprensa e bradam: Por que estes recusam a atender em cidades onde não
existem médicos? Estes mesmos que acusam, respondem:- Por que querem mais dinheiro!
Não
somos mercenários! somos iguais a toda
população; um Juiz de Direito, ao ser indicado para uma cidade pequena,
sem recursos materiais e culturais, como ele desejava para sua família, sabe
que a sua permanência ali não será por toda a vida, a sua carreira dentro do
judiciário lhe permite saber que nada atrapalhará sua ascensão funcional e chegará um dia em que ele retornará para um
centro maior, com ganhos adequados para sua manutenção e da sua família.
Com o médico
não ocorre isto, se for funcionário de uma prefeitura, dependerá do humor do
Prefeito a sua manutenção no cargo; o seu futuro e o da sua família dependerão
do que ele conseguir amealhar durante os seus anos de plena capacidade
laborativa; a medicina é uma profissão que depende de atualização constante e,
o mais importante, não é apenas a presença de um médico que resolverá os
problemas de saúde da comunidade, depende de hospitais e, a cada dia surge uma
infinidade de inovações, principalmente novas aparelhagens que facilitam o
diagnóstico e o tratamento dos pacientes.
Acho
que devo uma explicação da razão de ter iniciado este texto evocando o
carnaval. Acreditem! No meio daquela avalanche
de doentes, apareceu um rapaz todo fantasiado de “malandro carioca”, camisa
listrada nas cores branca e vermelha, chapéu palheta, daqueles usados pelos
sambistas, calça e sapatos brancos, bigodinho fino, quase encontrando com a
costeleta que era de base larga, pescoço ostentando uma corrente de ouro que
balançava à medida que ele caminhava, aliás, seguindo o ritmo dos seus passos,
todo cheio de “fricotes” e “negaciatas”; resumindo, era uma figura!
Gostaria de falar com a excelência, o
senhor chefe de plantão, disse ele ao Dr. Luiz Amazonas; - pois não, o que
deseja?
- Excelência! Estou com um pequeno problema e
necessito da sua ajuda, disse, puxando o atarefado Dr. Luiz para um canto –
porém, é um particular entre nos dois, completou, olhando para todos os lados e
piscando, com malicia, um dos olhos.
O
negócio é o seguinte excelência, como o Sr. pode ver, sou o puxador de samba da
minha escola e, para meu azar, chegou agora mesmo lá em casa, vindo do
interior, o meu tio que o senhor está vendo sentado naquela cadeira e que está
com sério problema de saúde e, lá em casa, não tenho onde acomodá-lo, preciso da sua ajuda!
Vaga
não existia, como disse anteriormente, porém, o Dr. Luiz Amazonas, ao discutir
o problema com o Dr. Rubens (Rubico), resolveu participar, de alguma maneira,
para auxiliar o sambista, pois, afinal de contas ele, o sambista,não era o
culpado pela situação e provavelmente, sonhou com este carnaval durante todo o
ano.
A
única maneira, disse Dr. Amazonas, todo circunspecto, é tentar acomodá-lo em
uma das “casas” que foi desocupada agora à tarde (conseguimos internar o
“inquilino”); de imediato o sambista esboçou um grande sorriso, seguido de
forte abraço no seu “salvador”; o problema é que não tem nenhum conforto, acrescentou
o médico, - É apenas um “quebra-galho”, até que possamos interná-lo.
Foram
os quatro, os dois médicos, o sambista e o paciente, seu tio; ao chegarem na
“moradia” o sambista exclamou todo entusiasmado:
Meu
tio! Veja que acomodação espetacular o
Doutor arranjou para o senhor e, antes que o paciente pensasse, deu novo abraço
nos doutores, um beijo na face do tio e “deitou o cabelo” rumo à fuzarca!
Haveria outra solução?
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