MINHAS CRÔNICAS

segunda-feira, 16 de maio de 2011

SERTÃO DO TOCANTINS – UM PEDAÇO DA MINHA VIDA!


(Dedicado à confreira, escritora Ana Braga)
Voltei ao Tocantins, mais especificamente, à Fazenda São Pedro, localizada nas imediações do povoado de Buritirana, nas bibocas entre as montanhas subsidiárias do espigão mestre da serra do Monte do Carmo; levei comigo a emoção e as recordações de um tempo que ficou para trás e, com elas, convivi durante os três dias que ali permaneci; a subida da serra, que se desenhava no azul do horizonte não é mais desafiadora como a conheci há mais de vinte anos: o asfalto com seu novo traçado substituiu a estrada mestra com seus “facões” provocados por erosões de anos de enxurradas morro abaixo, tornando difícil decidir entre enfrentá-los ou se aproximar da beirada do inacreditável desfiladeiro que ameaçava o motorista a cada curva.
                A travessia do ribeirão Piabanha continua sendo um grande desafio, sua ponte, localizada no fundo da garganta formada por duas montanhas, é um ponto de estrangulamento do progresso de toda aquela região, habitada por abnegados proprietários de sítios e fazendas, que sofrem para escoar suas produções e, principalmente, dificulta às crianças o acesso às escolas, obrigando-as a enfrentar longas caminhadas a pé, bicicletas ou a cavalos, sujeitando-se às intempéries.
Todo novo governo faz redobrar as esperanças; um vizinho, senhor de idade já avançada e que foi testemunha ocular de várias ocorrências graves naquele sitio, inclusive com mortes, continua esperançoso: o governador Siqueira agora vai fazer a nova ponte, ele não é de prosaria piquitita, como todos os outros, mas para quem fez o Estado do Tocantins no “peito e na coragem” esta ponte é “café pequeno”; vários outros peões que nos rodeavam apoiaram, esperançosos: - “Ôta! O velhinho enfrentou gente moça e graúda nesta eleição e meteu o pau neles todos e não vai ficar “pombeando” por ai”.
A grande novidade e que domina as conversas é a próxima chegada da luz elétrica para a região localizada do lado de cá do rio Piabanha, sinto até certa euforia nas discussões, quando os vizinhos tocam no assunto, cada um fazendo mais planos a respeito de como utilizá-la; nosso funcionário Ramirinho, auxiliado pelos filhos e pela esposa Da. Serena, decidiu pela compra de uma televisão, um ventilador e uma geladeira.
Todos os filhos possuem telefone celular e o pai um bom aparelho mp4 com mais de uma centena de músicas sertanejas e que carregam na energia quando vão ao lugarejo, os três filhos possuem bicicletas que, aliás, depois que o pai comprou uma moto, estão um pouco abandonadas; há cerca de um ano compraram um carro, ano de fabricação 1995, em prestações que se encaixam no ordenado do Ramirinho.
Na manhã seguinte ao da nossa chegada havíamos programado fazer a vacinação do gado, levantei-me bem cedo com o auxilio do despertador do sertão que cantava bem debaixo da nossa janela; peguei meu copo de leite com café e sentei-me à varanda na companhia do meu companheiro de viagem, meu filho Hélio Junior; de repente presenciamos uma cena inusitada, vários peões da redondeza que haviam sido adrede convidados a nos ajudar, foram chegando, quase que ao mesmo tempo, montados, não nos seus matungos, mas sim nas suas motos barulhentas, trajando vestimentas próprias de vaqueiros (chapéus, botas e calças rancheiras).
Os cavalos estão perdendo espaço como meio de transporte no sertão, ao invés da figura desgraciosa e mesmo estrangolada sobre a sela, oscilando o corpo ao sabor da marcha do animal que observa instintivamente onde pisa, vemos agora, independente da idade do condutor, uma figura esbelta e aprumada.
 Por outro lado, apesar do avanço do progresso, observo, até com certa surpresa, que os habitantes daqueles ermos, continuam cultivando as mesmas crendices que herdaram dos antepassados e, principalmente, as mesmas tradições folclóricas que aprenderam e que possivelmente, transmitirão aos filhos.
Devido às distâncias que os separa dos postos de atendimento da saúde, a medicina é a mais visada; ouvimos narrativas inacreditáveis de tratamentos alternativos para uma variada gama de intercorrências do cotidiano, levando-nos, muitas vezes, a duvidar que estas pessoas estejam vivendo na era da globalização.
Ramirinho conta-me a história da sua sogra que foi “ofendida” por uma cobra (era uma cascavoa!) e que foi curada, graças ao uso de um chá, feito com as folhas das árvores “batata de tiú”, além de banho no local da picada com “óleo de buriti”; naquele tempo, disse-me ele, uma viagem daqui até Taquarussú, em lombo de burro ou em “padiolas de lençol” durava mais de cinco dias; como ela estava sofrendo muito, decidimos usar os remédios que sempre deram certo. Ela ficou curada, apesar de ter ficado com uma paralisia na metade do corpo e a ferida do pé “azangou” tanto que ela acabou ficando cotó.
Não era motivo de riso, logicamente, porém, Ramirinho deu boas gargalhadas ao contar esta ocorrência, emendando, para explicar a razão deste seu comportamento:
- Pelo menos ela nunca mais correu atrás de mim quando eu bebia umas cachaças!



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