MINHAS CRÔNICAS

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

DERACINO, BATISTÃO E A SAUDADE!

Já fazia bastante tempo que os dois estavam andando, de “pareio” e na mesma toada, cada um mais calado que o outro, nenhum deles era de despachar prosaria sem serventia, esparramar ao léu palavreado piquitito; de vez em quando o Batistão tentava espantar o silêncio, falando com o seu velho matungo:

- Meu companheiro de muitas caminhadas, nós dois estamos ficando passados no tempo, você pode aposentar e todo mundo te esquece; eu não, preciso provar que ainda tenho serventia para não ser refugado pelo patrão.

Campeavam uma rês que faltou na contagem; não havia mais fundo de grota e nem topo de serra que não houvessem passado, ao dobrarem um morro avistaram uma chapada que perdia de vista, o sol dava sinais que desejava ir descansar lá onde o céu se encontra com a terra, a sombra da noite já descia pelas fraldas dos morros. Hora que provoca nostalgia no sertanejo, principalmente se estiver por perto uma araponga serradeira, cujo canto escandido parece conversar com quem está por perto.

O cavalo tordilho que levava Batistão de repente falseou as munhecas e modificou o trote, o passo ficou meio abaloso, ele que era tão maneiro e macio. Ôta, acho bom pararmos um pouco para descansar os animais e, se ocê não tiver melhor idéia, seria bom nóis voltar nos pés, pela estrada mestra, disse Batistão, olhando para o Deracino que, ao perceber a dificuldade, já havia parado e apeado.

- Deracino, qual o nome daquela árvore que acabamos de passar por baixo e os frutos se parecem com figos; parece, mas não é figo Batistão; suas sementes são vermelhinhas e só os passarinhos que apreciam; quando avisto um pé de “marinheiro” como este, me dá tristeza no coração, quase não existe mais, está acabando a raça.

- Tenho observado nestas nossas andanças pelos matos que você conhece quase todas as árvores que avistamos; como você consegue guardar na pensa todos os nomes?

- São muitos anos vividos da vida curta que me foi reservada, seleciono o que devo guardar na minha cachola, porque o espaço é pequeno para lotar de badulaque sem serventia; meu pai, que Deus o tenha, me incutiu a necessidade de saber muito, de poucas coisas; tudo o que sei e que tem serventia a respeito do sertão, devo a ele.

Meu pai foi peão do Cel. Severino, que Deus o tenha, desde quase criança; com o tempo tornou-se homem de sua confiança, inclusive dos seus “pulos de cerca”, acho até, que aquela arvore muito grande que conseguimos avistar daqui desta distância, tem o nome de “solta cavalo” por causa dele, vou te contar:

O coronel, segundo me disse meu pai, avisou-lhe naquele dia que arriasse dois cavalos porque ele tinha uma viagem para fazer lá pras bandas do morro dos Fonseca e precisava da sua companhia. Para quem sabe ler, um pingo é letra, meu pai entendeu a astúcia do homem!

Na verdade, o coronel estava com tino de ir era na casa do Fonseca, seu agregado e marido de um pancadão de mulher de parar disparo de boiada nelore; saíram no lusque-fusque da tarde e, no caminho, o homem inzonou um pouco com o palavreado e no final contou a verdade para o meu pai; você vai ribancear as margens do ribeirão pescando umas traíras, enquanto vou acertar uma dívida que fiz com o Fonseca.

- Coronel, o Fonseca foi para o povoado

- Deixo então o dinheiro com a mulher dele.

Prá resumi a história: quando o coronel estava no meio do pagamento, o Fonseca apareceu e foi aquela correria desgramada para chegar ao lugar onde havia amarrado o cavalo, justamente nesta árvore que eu estava falando; o animal havia fugido, pois, apesar de ser árvore muito grande, os seus galhos são quebradiços igual pururuca.

- Deracino, você já teve saudade?

- Por que, se mal lhe pergunte?

- Esta história do coronel me deu uma saudade dos infernos dos tempos em que eu ainda não era chulo, possuía o sangue quente de rapaz; pensei que não haveria mais chuva para usar meu ponche; a troco de nada e de vereda, ressuscitou logo agora. O corpo envelhece e caminha para o destino que Deus marcou, mas o pensar do que restou de um antigo treme-treme das sirigaitas, fica guardado, proseando com a saudade em algum canto da pensa e não se mata; morre por si, ou acaba um dia por matar a gente, devagar, devagarzinho...

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