MINHAS CRÔNICAS

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A IGREJA CATÓLICA E A CATEQUESE DOS INDIOS NO VALE DO ARAGUAIA

Já faz alguns anos, em uma tarde radiosa e cheia de encantamento no ambiente da Santa Tereza, conversava com a querida e saudosa freira Laura Chaer que ainda habitava entre nós, embora já fosse um anjo a serviço da sua igreja.
Discutíamos sobre a presença e, sobretudo, o trabalho dos dominicanos na catequese dos índios do vale do rio Araguaia no século 19 e inicio do 20; Irmã Laura falava com empolgação sobre o destemor daqueles religiosos que se aventuraram por terras inóspitas para levarem a mensagem de Cristo àquelas povoações de selvagens.

Há alguns dias tive acesso a um pequeno livro, escrito pelo Padre Provincial dos Dominicanos em Toulouse na França, Frei Estevão M. Gallais, com tradução para o português por Octaviano Esselin, maquinista de barcos no rio Araguaia e contemporâneo das andanças de Couto de Magalhães por aquele rio.

O livro, originalmente (francês) impresso no final dos anos de 1890, foi editado no Brasil no inicio do ano de 1900, com edição esgotada; tenho comigo uma edição de 1954, feita pela Liv. Progresso Editora-Salvador-BA; ao resumir o que li, presto singela reverência à alma daquela que Deus colocou em meu caminho para trazer-me luz e reflexões.

Os Padres dominicanos se estabeleceram na Cidade de Goiás, nossa antiga capital, no ano de 1881; depois de quinze anos de trabalho missionário, a congregação resolveu que chegara a hora de evangelizar os índios que habitavam o vale do rio Araguaia, naquela época, como sabemos, absolutamente selvagem.

Dois padres foram escolhidos para esta empreitada, Pe. Gil Villanova e Pe. Ângelo Dargaignaratz, ambos franceses; no final do ano de 1896 os dois chegaram a Santa Leopoldina (Aruanã), daí, desceram o rio numa distância de duzentas léguas, explorando as suas margens, tentando se comunicarem com os índios que encontravam e, principalmente, procurando um local adequado para se estabelecerem; precisavam de uma área salubre e espaçosa para permitir a formação de um povoado.

Ainda indecisos onde se instalarem encontraram, em maio de 1897, com um explorador francês, a serviço do governo do Pará, Sr. Henri Coudreau, que subia o Araguaia e este lhes prestou preciosas informações topográficas da região; continuaram a navegação por mais vinte léguas, onde encontraram o que procuravam: um planalto de fácil acesso e com elevação suficiente para se livrarem das inundações.

Os dois Padres tomaram posse do terreno e o colocaram sob o manto da Imaculada Conceição; paulatinamente algumas famílias cristãs vieram agrupar-se em torno do núcleo inicial que os missionários haviam construído e formaram um embrião de povoado; depois fizeram contato com a tribo dos Caiapós e cerca de 500 destes índios vieram viver na vizinhança e foram os primeiros a serem catequizados.

Para registro histórico, considera-se o ano de 1897 como o inicio da catequese católica em Nossa Senhora da Conceição do Araguaia, hoje cidade de Conceição do Araguaia, município do estado do Pará, situada no lado esquerdo do rio Araguaia, quase que de frente da hoje cidade Couto de Magalhães, que está situada no estado de Goiás e que leva o nome daquele intrépido desbravador, ex-presidente da então Província de Goyaz.

Em 1898 vieram da França mais três missionários, Pe. Guilherme Vigneau, Ir. Luiz Casemayou e Ir. Gourlin; durante este tempo (1898, 1899) o Pe. Gil conseguiu junto ao governo do Pará auxilio financeiro para construir uma nova igreja e que ficou pronta somente depois de dez anos de labuta e sacrifícios; em 1931 ela foi reconstruída, porém, naquela oportunidade o pé de pequizeiro, onde às suas sombras frei Gil rezou a primeira missa no incipiente povoado, não mais estava de pé.

Em 1902 vieram da França as freiras Dominicanas de Monteils, quando criaram o colégio Santa Rosa, para moças.

Em reunião da congregação de dominicanos realizada em julho de 1900 em Biarritz (França), ficou decidido o envio de um visitador para tomar conhecimento da situação das três casas anteriormente fundadas (Uberaba, cidade de Goiás e Porto Nacional) e, sobretudo, da nova obra de catequese em Nossa Senhora da Conceição do Araguaia; foi o autor do livro que estamos tentando resumir, Frei Estevão M. Gallais, o escolhido para esta empreitada.

A viagem deste homem (segundo sua narrativa), desde a cidade de Goiás a cavalo até Santa Leopoldina (Aruanã), com duração de uma semana, foi uma verdadeira epopéia, debaixo de chuvas torrenciais, pontes levadas pelas enchentes, barcos improvisados (jangadas feitas de coqueiros), enfrentando animais selvagens, cobras e insetos, alem de escassez de alimentos.

Depois de uma semana em Aruanã (aguardando a construção do barco de 8 metros de comprimento), no dia 18 de janeiro de 1901 Frei Estevão Iniciou a descida do rio Araguaia, passando por Dumbá, Cangas e no final do mês aportou no barranco do povoado de Conceição.

Frei Estevão permaneceu em Conceição de Araguaia por cinco meses, tempo suficiente para admirar a obra realizada pelos cinco missionários: criaram, em quatro anos, um povoado onde era somente selva; quis o destino que por aquela época estivesse ocorrendo, nos limites do estado de Goiás e Maranhão, uma revolta civil e para fugir deste entrevero, cerca de 200 pessoas (homens, mulheres e crianças) vieram para as imediações do pretenso povoado e passaram a ajudar na construção da igreja, do convento e de casas, assim como produzir víveres alimentícios para serem vendidos aos Padres.

Padre Gil era o diretor da missão e do futuro povoado; padre Ângelo ficou encarregado de definir as obras publicas a serem construídas e o Irmão Gourlin o executor; traçaram-se, paralelamente ao rio, três largas avenidas com um quilômetro de comprimento, depois ruas transversais, perpendiculares ao rio; construiu-se uma grande praça quadrada, unindo as três avenidas, sendo um dos lados de frente para o rio e o de cima limitando-se com as construções reservadas aos padres, onde se situa, também, a igreja com a sua porta de entrada virada para a praça, além de uma escola, com local de moradia para os pequenos índios, com capacidade para 50 meninos.

Se atentarmos para o fato que tudo isto foi construído há mais de um século, em condições inacreditavelmente difíceis, há que se repetir o que disse o desbravador Hermano Ribeiro que andou por aquelas paragens nos anos de 1930 “Pelo que tenho visto, realmente a catequese católica supera todas as demais, vê-se, pois, que o governo deve atentar para a orientação religiosa, fazendo com que jamais falte o sacerdote nos postos pacificadores”

Frei Gil Villanova, com sua imensa barba branca imitando os Patriarcas Russos, foi um homem impetuoso, fundador de cidades e pacificador de índios; morreu em sacrifício cotidiano, no contato com índios, sob ataques de flechas e golpes de borduna, desprovido de recursos, com escassos núcleos de apoio de brancos, sofrendo fome e privações impostas pela natureza e pelo ambiente. Tudo isto para reafirmar sua fé em Cristo e na Igreja Católica.

Presto, modestamente, minhas homenagens àqueles intrépidos missionários Dominicanos, pois, por conhecer um pouco do atual rio Araguaia, de 1966 a esta parte, posso, palidamente, aquilatar o que foi aquela proeza.

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial