MINHAS CRÔNICAS

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

BENZEÇÃO SEM EFEITO PARA ÍNGUA DE MIJACÃO

Menino, vá até a casa da Da. Manuelina e peça-lhe para benzê-lo contra esta íngua que já devia ter desaparecido com a benzeção da Sinhá Rita e, como isto não aconteceu, alguma coisa está errada; será que você não pisou em “mijo” de égua com este dedo inflamado nos vãos? Isto está parecendo mijacão.

O tempo estava carregado, lá pras bandas da casa de Da. Manuelina conseguia-se ver nuvens acasteladas nos morros, ameaçando espantar o sol, porém, ainda sem sinal de chuva, igual à quase todos os dias nos finais da tarde; o mês de março sempre fora assim, como lembra a mãe do menino, discutindo com a sua comadre Adélia e mostrando sabedoria na análise do sistema metereológico.

- Dará tempo de ele ir e voltar antes que São Pedro abra as torneiras do céu; isto se ele for ligeiro e voltar antes do cuspe que joguei aqui no terreiro secar.

- Comadre, estamos perto da enchente de São José e esta chega sem avisar, tenho medo de o menino não voltar em tempo, principalmente porque a pinguela do ribeirão da casa da Da. Manuelina não é de confiança. Deus ajude em contrário dos meus pensamentos, porém, para dizer a verdade, não estou muito confiante no erro da minha pensa; quando vinha para cá, passei perto de um pé de “baba de boi” e vi os fios da baba flutuando no ar, sinal certo de chuva!

O menino saiu quase que em disparada, embora apresentasse, visivelmente, alguma dificuldade com a movimentação da perna esquerda, que o deixava um pouco embodocado; num resmungo de tempo chegou ao destino.

- Esta faca tem três pontas, uma, duas... íngua nenhuma. Repita, outra vez, esta faca... Fica bem quietinho menino, embora a faca seja pontuda, em minhas mãos não tem perigo, vou somente apertar a sua lâmina contra o caroço da íngua; nunca falhou um caso!

O menino estava assustado, pois a benzeção a que ele havia se submetido com a Sinhá Rita não envolvia nenhum instrumento, apenas apertava o caroço com algumas folhas de hortelã, depois lavava a perna com folhas de araticum de cerrado escaldado na água quente e ela garantia que, em três dias, estava tudo desinchado. De quebra o menino ainda ganhou alguns frutos de araticum, embora meio espinhentos e com cheiro muito forte, era gostoso, apesar de meio amargoso.

É preciso lembrar que esta nova investida em outra especialista só ocorreu após uma semana do tratamento instituído por Sinhá Rita, sem resultados práticos, pois, o caroço da íngua estava era aumentando de volume.

Na despedida, o menino foi orientado por Da. Manuelina a voltar durante três dias seguidos para repetir a benzeção, sob pena de não surtir efeito e até piorar, além da necessidade de fazer, em casa, tratamento dos vãos dos dedos, cuja causa, não havia dúvida, para ela, de que era mijacão. Diga a sua mãe para fazer um pouco de diquada com cinza de barba timão, que já é cicatrizante, misturar com pedaços bem esfarinhados de fumo de rolo, um pouco de urina de criança, coloque em um pano branco bem limpo e amarra no pé que está inflamado. Não pode tirar antes dos três dias de tratamento, depois, repetir este curativo três vezes. Não quero ser mais benzedora se não resolver o problema.

Olhou, com olhos arregalados e até tristes, mais uma vez para a benzedeira e esta colocou as mãos sobre a sua cabeça, e, com os olhos fechados, fez mais uma oração silenciosa, depois, despediu o menino, recomendando-lhe pressa porque a chuva estava para cair. O menino saiu quase que correndo.

Já recomeçara a chover, chuvinha bem miúda, diferente do dilúvio de hora atrás, o sol já voltava, bem frouxo e sem quentura, é verdade, porém, iluminando as cordinhas de água que caiam da cumeeira da casa e esparramavam pelo chão batido do terreiro, quando o menino chegou.

Estava completamente molhado, tremia de frio e mostrava-se com os lábios roxos; enquanto sua mãe enchia uma bacia com água morna, começou a desfazer-se das roupas e, também, a contar a sua odisséia da volta:

- Aquele banhadal da baixada onde meu pai plantou arroz no ano passado, e que dava val, estava com água até na cintura, tive que nadar em alguns trechos imitando o capincho, graças a Nossa Senhora das Águas estou aqui e quase curado da íngua; com medo de ser repreendido, o menino não contou toda a história da volta, na verdade correu muito perigo e, principalmente, teve muito medo; o capincho que ele referiu, passou nadando, juntamente com a esposa capivara, muito próximos de onde ele estava; naquela hora ele jurou nunca mais enfrentar aqueles caminhos debaixo de chuva.

- Você vai precisar voltar para nova benzeção?

- A Da. Manuelina... (começou a gaguejar) me disse... (fez cara de choro, porém segurou o pranto), que... (agora passou a chorar e a olhar para a mãe com cara piedosa), que... se tiver chuva não preciso voltar!

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