MINHAS CRÔNICAS

sexta-feira, 20 de maio de 2011

TOCANTINS – conversas ao redor da churrasqueira

(Dedicado ao confrade, escritor Mário Ribeiro Martins)
Estamos, Hélio Junior, Ramirinho, seus três filhos, Da. Serena, sua esposa e eu, sentados à varanda da casa da Fazenda Santo Antonio, encravada entre morros que formam gargantas na medida em que se aproximam um dos outros, às vezes estes espaços se estreitam, parece que com a intenção, exclusiva, de facilitar que a água do ribeirão “Formiga” flua com tranqüilidade, espalhando na sua caminhada, borrifadas de ósculos pela base da serra.

A água, na maior parte do tempo, desce silenciosa, mesmo porque lhe é indiferente se alguém escuta o seu ruído, ninguém lhe apressa o passo a não ser as reentrâncias do terreno que a margeia; de vez em quando embravece ao se sentir estrangulada pelas rochas que tentam impedir sua caminhada; nestas horas ela dá corcovos ao encontrar cotovelos, retrocede e “bufa” bolhas de espumas como se fossem miríades de estrelas que serão depositadas no declive próximo; ali, descansa da labuta que enfrentou e chora; as suas lágrimas são as vaporizações que formam arco iris ao serem beijadas pelas nesgas de raios solares que conseguem alcançar tal profundidade.

Começa a escurecer, o sol ainda pode ser visto entre os galhos das árvores que rodeiam a casa, porém, temos consciência de que, em breve, a serra que nos espreita irá engulí-lo trazendo em seu lugar a claridade da lua que, inicialmente, disputa sua onipresença com os últimos raios luminosos que teimam em permanecer emitindo sinais de vida; no entanto, o voo em bando das maritacas que passam acolá a caminho da árvore de pouso, sinaliza que a noite não demora.

Hélio Junior acende a churrasqueira, Ramirinho traz-me um copo de Whisky com algumas pedras de gelo; lembro do meu velho amigo Dr. Ursulino Leão; por que será? Estaria ele, nesta mesma hora, desfrutando das benesses da Fazenda São João em Crixás? Ou não seria a lembrança das nossas “tertúlias” pós-reunião administrativa da Academia Goiana de Letras, onde, normalmente nos saudamos mutuamente, com um honesto “Scotch on the rocks”?

Enquanto, a intervalos, a picanha é mudada de lado, é hora de “jogarmos conversa fora”; fazia-nos companhia um vizinho que mora a uns 10 quilômetros de distância e veio na garupa da moto do neto, pois, desejava uma consulta médica; Seu Chico da Isabé era o seu nome; já bem andado na idade (prá mais de 75, disse ele), nasceu em uma fazenda nas imediações de Catalão (GO) e vive “neste mundo velho sem porteira” do Tocantins há muitos anos (minha pensa não guarda a conta!).

Seu Chico da Isabé (não abreveia meu nome, porque tem muitos chicos pulando em árvores que não sou eu!) é um homem espigado, caminhando com desenvoltura, barba rala, com alguma concentração de fiapos de cabelos no queixo, fala mansa, bem concatenado com o tempo, calça listrada e um pouco curta, o que permite visualizar as botinas rangedeiras, camisa branca de mangas compridas e com o colarinho abotoado no pescoço, alguns dentes na arcada inferior, bigode espesso, quase entrando boca a dentro.

Antes da consulta, por minha instigação, ele conta “causos” da medicina de antigamente, tanto da sua antiga moradia como daqui do Tocantins e, também, alguns acontecimentos que ele presenciou quando menino, da passagem da “Coluna Prestes” pelo sul de Goiás (o espaço que me é reservado aqui no jornal, não me permite que os narre agora, talvez, em outra oportunidade eu o farei); prefiro ficar, no momento, na minha seara, ou seja, contar-lhes, pelo menos um dos acontecimentos que ouvi a respeito da medicina da roça antes da metade do século passado, até como modesta contribuição ao folclore regional.

Antes de nada, quero deixar bem claro que ao narrar este fato que ouvi, não escondo nenhuma intenção de, simplesmente, provocar risos ou mesmo espanto aos meus leitores; trata-se de fato que precisa ser analisado no contexto onde aconteceu e, principalmente, enaltecer a figura estóica do nosso caboclo, ainda hoje tão mal assistido pelas autoridades públicas do nosso país, embora, há que se reconhecer que esteja havendo mudanças, para melhor nos últimos quinze anos.

Seu Dotô, naquele tempo o recurso da medicina no sertão era quase que impossível, os conhecimentos eram passados pelos avós e assim por diante, as figuras do “rezador”, do “curandeiro” e da “parteira” eram muito comuns e necessárias; teve uma vez que deu sarampo na meninada da região e foi todo mundo para a cama, inclusive com várias mortes; usava-se, para seu tratamento, várias espécies de chá, feitos com raízes, cascas e folhas de determinadas árvores.

O pior destes chás era o feito com fezes de cachorro, conhecido como “chá de jasmim de cachorro”; não precisa se dizer que era o terror da meninada ter que tomá-lo; meu irmão menor estava com muita febre e já havia sido tentado todo tipo de remédio; de repente alguém se lembrou deste disgramado ingrediente e todo mundo passa a seguir a cachorrada na procura da salvação e nada de encontrar; depois que todo mundo desanimou e meu irmão vendo que a coisa estava ficando preta, resolveu ajudar:

Sem descobrir o rosto do cobertor que o cobria, disse com a voz desanimada: - Eu vi o sultão “estrumando” lá na curva da estrada, perto do espigão; trás só um pouquinho, porque ele exagerou na dose!

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