MINHAS CRÔNICAS

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

UM DIA NO DIÁRIO DE HUMBERTO DE CAMPOS

Muitos escritores gostam de registrar suas atividades cotidianas em seus diários; o motivo que os animam nesta tarefa é a idéia de que estão escrevendo no presente com os olhos voltados para o futuro.

A literatura registra a presença de muitos escritores famosos adeptos desta prática, destacando-se, apenas para citar alguns exemplos o Fernando Pessoa, Thomaz Mann, André Gide e Virgina Woolf; no Brasil temos, também, vários representantes como Alceu Amoroso Lima, Josué Montelo e Humberto de Campos.

Gostaria de conversar com meus leitores sobre o Diário de Humberto de Campos, famoso escritor, jornalista e político que nasceu no ano de 1886 em Miritiba, hoje cidade Humberto de Campos, localizada no estado do Maranhão e morreu no ano de 1934 com apenas 48 anos de idade; embora não tenha tido muito estudo, tornou-se um dos escritores mais famosos do Brasil no início do século XX, com seus livros (geralmente crônicas mordazes e cômicas e poesias) atingindo tiragens inacreditáveis e inigualáveis na época.

Começou a escrever o diário em 1915, interrompeu em 1917 e voltou a escrevê-lo em 1928, só deixando de fazê-lo oito dias antes da sua morte em 1934; o autor teve o cuidado de guardar os originais nos cofres da Academia Brasileira de Letras, da qual era membro, com a recomendação de se publicá-lo apenas 15 anos após a sua morte.

Esgotado o prazo estipulado pelo autor, a revista O Cruzeiro, a de maior tiragem no Brasil daquela época (princípio de 1950) iniciou a sua publicação em fascículos semanais, com sucesso extraordinário de venda, reforçando, com isto, a sua qualidade de ídolo da literatura brasileira, mesmo passados mais de quinze anos da sua morte; posteriormente (1954) a mesma editora (O Cruzeiro), editou aqueles fascículos em dois volumes do livro que denominou “Diário Secreto de Humberto de Campos”.

É preciso que se diga que a publicação deste “Diário” causou enorme polêmica na época, pois, além de levar o leitor a acompanhar todos os episódios da sua doença, contrariamente ao que fez Virginia Woolf, que praticamente registrou no seu Diário apenas a sua doença depressiva, as anotações de Humberto de Campos continham críticas e comentários mordazes aos seus contemporâneos.

Gostaria de tecer algumas considerações apenas sobre algumas “entradas” do Diário no mês de janeiro de 1928, mês que ele iniciou com bastante otimismo, tendo em vista que era Deputado Federal pelo Maranhão há oito anos, família bem equilibrada, com três filhos, dezessete livros publicados, todos de grande sucesso de vendas e, principalmente, financeiramente em boas condições, como ele mesmo registra.

Naquela época era presidente do Brasil o Sr. Washington Luiz e Humberto de Campos era cotado para ser candidato ao Governo do Maranhão e, no “Diário”, ele não se furtava a discutir esta possibilidade.

No entanto, na vida nem tudo são flores, foi neste ano, no mês de janeiro, que lhe foi diagnosticada a doença denominada acromegalia que, infelizmente, demorou um pouco a ser descoberta, tendo em vista, a precariedade de exames complementares daquela época.

Acompanhem, comigo, algumas “entradas” no Diário, alusivas à sua doença:

“6 de janeiro de 1928 – Sensação de inchaço nas mãos (parece que uso luvas de boxe); Dr. Afonso Mac-Dowel, a quem consultei, chama isto de “edema dos escritores”; paulatinamente edema dos pés, nariz, lábio inferior, língua crescendo na boca. Causa? Amígdalas inflamadas, tratamento – amigdalectomia com muita hemorragia. Explicar tudo isto com a teoria do Dr. Mac-Dowel seria levar muito longe o efeito da pena, por que me incham os pés se eu, ao contrário de alguns colegas da Academia, não escrevo com eles.

Voltei ao consultório, o médico ficou surpreso com meu aspecto, vá fazer urgente uma radiografia, isto deve ser problema da hipófise, a glândula cerebral que preside a circulação e o tratamento é muito sério e demorado; não percamos tempo, senão, dentro de pouco prazo você estará inutilizado para o trabalho.

20 de janeiro – Febre alta; gripe? Consulto médico homeopata, Dr. Raul Hargreaves; receitou-me gotas de 2 em 2 horas, dormi e acordei sem febre; Edmundo Goncourt (escritor francês) dizia que a homeopatia é o protestantismo da medicina. Para meus outros males, vou aderir ao protestantismo. A alopatia mata e a homeopatia deixa morrer!

24 de janeiro – Submeti-me a um exame dental com o homeopata, contei-lhe o diagnóstico sobre o diagnóstico do alopata: meu problema é hipófise;

- Não, disse-me ele, o senhor tem é reumatismo articular. Devia haver um código penal para os médicos!”

Concomitantemente a estas preocupações com a saúde que, diga-se de passagem, piorava progressivamente pela impossibilidade de tratamento adequado naquela época (cirurgia da hipófise), Humberto Campos, ao lado de permitir, pelas “entradas” no Diário, acompanhar peri passo a evolução da sua doença e, principalmente, deixou registrada para a posteridade sua maneira delicada e lírica de narrar os fatos do seu cotidiano.

Finalmente, no dia 27 de novembro de 1934, oito dias antes de morrer, ele escreveu no Diário uma das mais belas manifestações de amizade, ao registrar a morte do seu grande amigo Coelho Neto, cujo último parágrafo transcrevo: “Despeço-me! E deixo que as lágrimas me corram pelo rosto, e que os soluços me tomem o fôlego, profundamente comovido. E mando à sua casa uma braçada de cravos vermelhos para o seu caixão”.

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