MINHAS CRÔNICAS

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

BATISTÃO ENSINA MEDICINA ALTERNATIVA

Batistão, amigo muito mais que funcionário, tem conhecimento de certas “coisas” que muitas vezes duvidamos; há cerca de dois meses estávamos, na companhia do meu genro Dr.Antônio Leite e de vários peões, sentados à varanda da sede da fazenda Santo Antônio de Edéia, aguardando o carvão esquentar a picanha, quando ele, o Batistão, mostrou, mais uma vez, sua “verve”.

Conversávamos sobre doenças, para variar meu cotidiano de assuntos de saúde e, no meio da prosaria, saiu o assunto da morte do seu sogro, o finado senhor Marcolino Recoreco.

- Dotore, disse Batistão, desviando o olhar da latinha de cerveja que sorvia, dei um pouco de azar, se eu tivesse tido mais prazo para conseguir o remédio, acredito que hoje ele estaria aqui conversando com a nossa turma e contando mentiras.

- Acho difícil Batistão, pois, segundo sei, o caso dele era um câncer em fase muito avançada!

- Espera ai Dotore, só avançou porque nós não tivemos tempo de evitar.

- Que remédio é este, Batistão?

- É o chá de fel de urubu...

-O que?

- É verdade Dotore, atalhou o peão Ressaca, também profundo conhecedor da medicina alternativa, já ouvi falar muito neste chá, porém, tem que ser urubu de cabeça preta, não serve o urubu campeiro.

Batistão, preocupado pela possibilidade de perder os holofotes da discussão, interveio sem olhar para o interlocutor que endossava sua afirmativa – o problema Dotore é a dificuldade para matar o urubu; quando recebi a incumbência, convidei o compadre e cunhado Nico e fomos procurar o disgramado do urubu.

Compadre Nico tinha uma espingarda “rabo de cotia” que era “tiro e queda”, aporém, tinha, pra meu gosto, um defeitinho: o gatilho tinha que ser posicionado debaixo do queixo do atirador, o que dificultava, um pouco, fazer a pontaria; de reserva levamos a espingarda do Xelenguinho, uma “mola de arame”, com o gatilho sendo puxado de lado, bem no rumo do zóio que fica aberto na pontaria, como é o normal.

Prá dizer a verdade, verdadeira, eu prefiro esta à chamada “espingarda do Lao” onde o gatilho é puxado de cima, além de que o quebra espoleta é de tardança, dando até 10 tiros seguidos, sempre com adjutório da escova com lã de algodão para não tardar o disparo.

Sei que muitos dos meus leitores, talvez com exceção do amigo Bariani Hortêncio, que conhece bem este folclore, estão, assim como eu, um pouco confusos com tantas informações; ao tentar clareá-las um pouco, o Batistão, sem dar-me tempo, continuou seu relato:

- Uma vez meu primo Xexeu, lá na Bahia, deu um tiro no namorado da filha dele com uma espingarda “Lazarina”; o cabra da peste ficou oito dias na cama antes de morrer; o fato assustou todo mundo pela resistência do homem, pois, tiro com Lazarina é “pau-bosta”; anliás, quanto mais perto o alvo, melhor, a bala não pega açoite no balote ou no chumbo (sic); cem metros é o ponto, já a “filobé” é de 500 a 1.000 metros, variança de acordo com a pontaria do atirador.

- Batistão, por que este apetrecho todo só para matar um urubu?

- O senhor acha muito porque ainda não procurou matar um; acho que esta ave tem contrato com o capeta ou com as almas das carniças que eles comem. É difícil acertar um tiro num “escumunguento” destes; a gente faz a mira, apóia o coiceiro no queixo, prende a respiração, por causa do fedor da carniça e, prá não atrapalhar a mira, puxa o gatilho com a leveza do andado do gato e, mesmo assim, parece que a bala desvia do rumo; se não fosse a esperteza do compadre Nico, não tínhamos matado o tinhoso.

Vestimos uma capa preta (feita de lona preta) e fomos “arrastejando” até perto da carniça, não sabia se tapava o fôlego para não cheirar ou puxava o ar para acabar o sufoco; estava tudo combinado, quando o compadre Nico piscasse o olho direito, era para armar o tiro, piscar o esquerdo, prender o fôlego e apontar, fechar os dois olhos, prá evitar fagulha de chumbo, era para atirar.

Mas teve um problema, quando ele piscou o olho esquerdo, eu já tava há muito tempo sem respirar por causa da carniça, quando ele piscou o direito, já dei o tiro, não sei como acertei, pois fiz isto com os dois olhos fechados.

Trouxemos o urubu para casa e minha muié foi fazer o chá com o fel, dizem que o gosto é o mais amargo que existe no mundo, não há cristão que não chore na hora de provar; meu sogro estava muito fraco; sentamos o homem na cama e demos uma tigela cheia de chá, goela abaixo. A reação imediata foi um grito, parecia que estava sentindo dor, mas o compadre Nico disse que já era a reação favorável do remédio.

- Bebe compadre, bebe...tigum, tigum!

Ele arregalou os olhos, mas parece que não tinha muita força nos braços para tirar a tigela da boca. Bebeu tudo!

- E houve alguma melhora? Quis saber, um pouco curioso.

- Sei não, porque alguns dias depois ele faleceu, mas durante os dias que ainda viveu, notei umas reações muito esquisitas nele: não conhecia ninguém, eu passei a ser o homem do Parque dos urubus e o Nico, fio dele, passou a ser o pasteleiro do setor Coimbra.


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