A IGREJA CATÓLICA NA VOZ DE ALCEU AMOROSO LIMA
Em 1957, quando sai da casa paterna pela primeira vez na vida e fui para
Curitiba à procura do sonho de estudar medicina, levava comigo o verdor, a coragem da mocidade e a vontade de realizar
o desejo acalentado nas previsões da minha mãe; carregava no subconsciente toda
a minha formação católica, principalmente minhas lembranças de ter sido
“coroinha” na igreja de Gaspar Lopes, lugarejo onde nasci, no sul de Minas
Gerais.
No segundo semestre de 1958 fui morar em uma “república” e meu
companheiro de quarto era um estudante de medicina, para minha sorte, também
muito religioso. Gilberto, era o seu nome, ia à missa todos os domingos,
levando-me em sua companhia em muitas oportunidades.
No livro que escrevi em 2001 (Entre o sonho e a realidade, do Brasil dos
anos 60 à Rússia dos anos 90, Ed. Kelps), conto com alguns detalhes uma das
lembranças que ficaram marcadas deste convívio fraterno com Gilberto: quando os
cardeais da igreja estavam reunidos no Vaticano, decidindo sobre a indicação do
sucessor de Pio XII e Gilberto, na sua ansiedade, acabou contaminando-me;
achava ele que se não se conseguisse escolher a pessoa certa, poderia criar-se
um “cisma” no seio da igreja, com enorme dificuldade para a religião católica.
O sinal de que os cardeais haviam chegado a uma definição seria a saída
de fumaça branca na chaminé da Santa Sé (Se fosse fumaça preta seria indicativo
de que não havia, ainda, consenso no escrutínio). Este acontecimento foi
noticiado em edição extraordinária pelo “repórter Esso” e foi recebida, por nós
dois, até com emoção.
Ao chegar ao apartamento, Gilberto estendeu-me a mão, gesto que não
estava entre os seus costumes, dizendo-me com indisfarçável emoção:
- O nosso Papa foi escolhido!
Bisbilhotando a longa correspondência mantida entre o professor,
filósofo, pensador e, sobretudo, fervoroso católico Alceu Amoroso Lima, também
conhecido pelo pseudônimo de Tristão de Athayde e sua filha madre Maria Tereza
(João XXIII, Ed. José Olympio, 1966 e Cartas do Pai, Inst. Moreira Sales,
SP, 2003), procurei focar o período correspondente ao tópico transcrito acima
para que os leitores possam comparar o estado de espírito de dois jovens
católicos (Gilberto e eu) com o de quem já era, naquela época, conceituado e
respeitado humanista.
Alceu Amoroso Lima, então com 45 anos de idade, vivia em Nova York, onde ministrava um curso sobre “Civilização
Brasileira” a convite de uma Universidade.
Pela correspondência entendemos que havia por parte de Amoroso Lima,
preocupação semelhante à nossa, a respeito da decisão dos Cardeais na
escolha do sucessor de Pio XII, senão vejamos:
“ Carta de 13,10. 1958... Você verá a lista dos Cardeais papáveis. Com
que melancolia não vejo ali o nome de Monsenhor Montini, o nosso candidato;
19.10... Eu vim para a Igreja na mesma ocasião em que senti inclinação pelas
ideias dos dois últimos Pios. Se agora vier um novo Pio IX ou um novo Pio X,
deverei calar minha pena? Houve Papas maus, como homens, ao longo da História.
Mas nunca houve Papas errados, como Papas. O que sair do Conclave será o melhor,
como Papa, embora possa ou não o ser como homem; 27.10... Ontem houve dois
rebates falsos partidos da própria radio Vaticano, que se enganou com a cor da
fumaça. Quatro escrutínios em vão; 29.10... Então temos novo Papa, João XXIII.
É paternal, os comunistas já o classificam de “um conservador
paternalístico”.Era o candidato dos Cardeais franceses, o que nos afasta dos
perigos reacionários. Ele é um intervalo, um descanso, um banco, um copo de
água, uma cadeira de balanço, depois desta tremenda abertura de caminhos feita
por Pio XI e Pio XII. O Espírito Santo viu isto lá de cima!;
21.01.59...Leio no jornal que o Osservatore Romano de hoje publica um
artigo reafirmando a incompatibilidade formal entre socialismo e a doutrina
social da Igreja; minha posição é a de um distributivo. Nem capitalismo, nem
socialismo. Em Roma, as forças reacionárias é que continuam dominando os
círculos do Vaticano. O Vaticano vai guinar para a direita, isto é, para o
catolicismo aliado à aristocracia, à burguesia e separado das classes
populares”.
Recorro, mais uma vez, ao meu livro citado acima, e transcrevo mais um
trecho das nossas “discussões” a respeito da posição da Igreja Católica no
inicio do Pontificado de João XXIII, para que se compare com o que diz Alceu de
Amoroso Lima:
“Estávamos reunidos (jovens universitários, muitas vezes nas mesas dos
bares de Curitiba, degustando uns chopes) para analisar a participação da JUC
(Juventude Universitária Católica) na formação da AP (Ação Popular), tendo em
vista as mudanças que estavam ocorrendo em algumas conceituações filosóficas da
Igreja Católica, no Pontificado de João XXIII. A ideia desta corrente mudancista
(segundo nosso entendimento) tentava dar novo direcionamento ao pensamento social
do catolicismo, ao indicar a opção por um socialismo católico de inspiração não
marxista. Esta corrente buscava apoio em pensadores católicos, principalmente Teilhard
de Chardin, Maritain e Lebret, que se diziam seguidores de uma “ideologia
própria” e chamavam isto de socialismo-humanista”.
Ao compararmos o que pensávamos ou éramos levados a pensar a respeito do
catolicismo “socialista” e o que, realmente, pregavam aqueles pensadores,
observamos que nossa opção pelo socialismo-humanista, como doutrina católica,
não era, seguramente, a visão daqueles filósofos, pelo menos não era a de Maritain, a quem Alceu Amoroso Lima,
devotava imensa amizade e comunhão de ideias, como vemos na carta que ele, Alceu, escreveu para sua filha, madre Maria Tereza, datada de
01.06.59...”Segundo Maritain, civilizar é espiritualizar, a lição de
Cristo nos ensina que nada que é construído sobre a matéria é durável. Cristianizar
o mundo moderno não é aliar-se ao capitalismo, ao comunismo, aos militares, aos
ditadores ou aos partidos, mas arrancar do mundo- ou tentar diminuir- a
injustiça, a exploração, a miséria, a doença, o vicio, o pecado, a guerra, a
violência e o crime”.
Tínhamos a pretensão de mudar o mundo e
adaptar nossas ideias à da Igreja Católica!
Erramos? Não, tínhamos ilusões! Repito uma citação de Franz
Kafka e que escrevi nas ultimas linhas deste meu livro que referi acima:
“Somos levados na vida, muitas vezes, por ilusões; fomos, com frequência,
superficiais e otimistas. Os momentos são vividos no lapso dos acontecimentos,
depois serão apenas tentativas de reconstrução dos fatos”.
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