MINHAS CRÔNICAS

sábado, 24 de março de 2012

TEMPO RISONHO E FRANCO


            Dias destes passados, conversava com um dos meus netos (11anos) a respeito das suas atividades escolares; depois de ouvir a sua “carga horária” de afazeres diários (colégio durante toda a manhã; período da tarde: natação - 4 vezes por semana; aulas de violão – 2 vezes por semana; aulas de inglês – 3 vezes por semana; uma vez por semana aula extracurricular de robótica, oferecido pelo colégio; tardezinha - quase noite, já no ambiente do local onde ele reside, futebol com os amigos na quadra do condomínio, volta para casa com a mesma condução que o levou, os adorados patins sobre rodas).
                        Ao chegar à casa a mamãe já organizou seu banho, senta um pouco para assistir alguns programas de televisão, intercalado com o manuseio do “Hi Phone”, pela necessidade de se colocar em dia sua correspondência com os amigos e amigas que lhe enviaram mensagens por intermédio do “face book”.
                        Jantar sempre com a família reunida; após breve descanso e “papear” um pouco com o papai, com a mamãe e os irmãos, vai para o quarto fazer os deveres (tarefas) escolares e... dormir, para acordar no dia seguinte bem cedo para reiniciar a labuta diária.
                        Não fiz referência ao fato de que ele mora em um condomínio um pouco afastado de todos os locais destas atividades, tendo que se deslocar (felizmente por automóvel, na companhia do irmão, dos primos e primas, em sistema de revezamento, tendo em vista que os outros têm atividades diferentes) de um lugar para o outro (ainda bem que o trânsito em Goiânia deslancha com real agilidade!).
                        Confesso que fiquei cansado só de ouvir o relato desta “via sacra” diária; será que seria capaz de fazer isto no meu tempo de criança? Observem que a pergunta já embute uma posição do autor deste texto: seria capaz? Para quem sabe ler, “um pingo é letra” como diziam os antigos: estou afirmando que no meu tempo de criança eu não fazia todas estas “estripulias”. Ou será que fazia?
                        Lembro-me que me levantava bem cedo (6 horas), minha mãe já estava com o café, leite quente, chocolate e as quitandas prontas para serem levadas para nosso barzinho da estação da estrada de ferro, onde vendíamos (eu e meu irmão) para os passageiros do trem da Rede Mineira de Viação que circulava naquela hora (06h30).
                        Era o tempo de o trem partir (07 h00), correr para casa levando de volta o material que trouxera, pegar os livros (já estava uniformizado) e correr para a escola que se situava não muito longe da nossa casa e chegar antes do início das aulas (07h30).
                        Grande parte do período da tarde era ocupada na ajuda ao meu pai na capina de milho, feijão, tratar dos porcos, galinhas, ou então atender minha mãe em alguma precisão doméstica (ela era proprietária da pensão); o tempo que sobrava era dedicado a brincadeiras de crianças (pegar passarinhos, jogar bola, pescar e nadar no ribeirão que passava em frente da nossa casa e tantas coisas mais...).
                        Antes de deitarmos fazíamos os deveres da escola, lembro-me que não eram muitos; hoje consigo entender a razão desta “folga”, por vivermos em uma zona rural, as professoras sabiam que quase todos os alunos trabalhavam nas suas casas, portanto, aprendíamos o que se precisava no horário das aulas. Tenho a pretensão de dizer que aprendemos muito!
                        Recentemente tive a oportunidade de ler a autobiografia (El Mundo de Ayer – O mundo de ontem, 1942) do escritor austríaco Stefan Zweig que viveu esta fase encantada da vida na cidade de Viena, no final do século 19.
                        Naquela época, a Áustria vivia sob a Monarquia dos Habsburgo, cujo imperador, Francisco José, se orgulhava em dizer que a educação ministrada às crianças do seu Império era superior a da maioria dos outros países da Europa.
                        Vejam, no entanto, o que pensava o escritor Zweig a este respeito:
              “Cinco anos de escola primária e oito anos de Ginásio, passávamos sentados em banco de madeira, todos os dias de cinco a oito horas por dia e no tempo livre havia os deveres de matérias gerais, francês, inglês, italiano, além do grego e do latim, não deixando espaço para os exercícios físicos, esportes e muito menos para diversões.
                        Até quando me lembro, a atividade escolar era monótona, desalmada e insípida, estragando a época mais formosa e mais livre da nossa existência.”.
                        Algumas páginas depois deste julgamento tão severo, ele acrescenta:
                        “Era um frio esquema de ensino que nunca levava em consideração o indivíduo, que era tratado como um autômato e como tal era classificado “bom”, “suficiente” e “insuficiente”. Havia falta de afetividade humana, o que nos amargurava. Nunca um professor nos perguntou o que desejávamos aprender.”.
                        É difícil analisar estas considerações se lembrarmos de que ele escreveu isto quando estava com 60 anos de idade, em plena II Guerra Mundial, amargurado pela sua situação de judeu perseguido, expatriado (suicidou-se, juntamente com a esposa, quando morava no Brasil, fugindo da perseguição nazista) e, sobretudo sem esperança.
                        Tenho certeza que meus netos, apesar do “sacrifício atual” terão, assim como eu tenho, gratas lembranças deste tempo.
                        Semana passada estive em uma festa cultural no Externato São José, colégio onde todos meus filhos e todos meus netos estudaram ou estudam; comemorava-se o lançamento da “IX Feira de Livros do Externato”, homenageando nesta oportunidade as “Mulheres na Literatura Brasileira”; fiquei feliz ao encontrar quatro daqueles meus amigos “globe-trotters” que mencionei acima; um deles, a mais “sapeca” de todos, declamando poesia em homenagem a minha querida e saudosa Irmã Laura Chaer.
                        Ou Stefan Zweig estava enganado ou o colégio em que ele estudou estava longe da realidade do Externato São José, pois as crianças que vi naquela noite estavam todas felizes em participar da vida do Colégio, mesmo em horário fora das suas rotinas e com frequência não obrigatória!

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