MINHAS CRÔNICAS

segunda-feira, 2 de abril de 2012

BORIS PASTERNAK – A LUZ CONTRA A ESCURIDÃO

         Semana passado tive oportunidade de ler uma revista que me provocou um pouco de nostalgia; tive acesso a uma edição do “The Paris Review” publicada no final do verão de 1960, onde é estampada uma entrevista do famoso poeta e escritor russo Boris Pasternak.
                       A citada entrevista, uma das poucas e provavelmente a ultima (ele morreu alguns meses depois) concedida pelo autor de “Dr. Jivago”, foi feita, a pedido da revista,  pela escritora Olga Andreyev Carlisle, na casa onde ele vivia, no vilarejo de nome Peredelkino, distante cerca de 20 quilômetros de Moscou; a nostalgia a que me refiro deve-se ao fato de que em 1998, ao visitar Moscou (Entre o sonho e a realidade – H. Moreira, Ed. Kelps, 2001), estive tão perto deste vilarejo e não tive condições de visitá-lo.
                  Olga conta com detalhes as dificuldades que ela enfrentou para conseguir a entrevista, tendo em vista que naquela oportunidade, ano de 1960, Pasternak andava arredio às manifestações da imprensa, especialmente da ocidental, tendo em vista o fato de que após ter recusado (sob pressão das autoridades soviéticas)a  receber o Prêmio Nobel de literatura que lhe foi conferido em 1957, principalmente pelo seu romance “Dr. Jivago”, ele se refugiou nesta pequena vila, onde morreu meses depois de conceder esta entrevista.
                Acompanhe comigo a descrição das peripécias que Olga enfrentou para conseguir conversar com ele; sintam a emoção da narrativa que ela fez (verdadeira obra literária) e procurem descobrir o que Boris Pasternak “escondia” no seu relato.
                A grande pressão política que ele recebia naquela época pode explicar a razão dele dizer, dentre outras coisas, que não havia “extravios” da correspondência que ele recebia do ocidente; por que então ele foi “enviado” para aquela vila? 
                Estava acontecendo em 1960 justamente o que ele  previu ao participar em Paris no ano de 1935 do Congresso Internacional de Escritores, (sob a presidência de André Gide) e que tinha o intuito  exclusivo de manifestar apoio à União Soviética; ao ser-lhe concedida a palavra ele disse em mensagem cifrada:  “Falar de política? Fútil, fútil... política? Para o campo, amigos, ide para o campo colher flores!”.
                O grande diferencial entre estas duas ocorrências é que, por ocasião daquele congresso ele contava 45 anos de idade e agora 70.
                Escreve Olga “Era um domingo em Moscou, decidi ir Peredelkino; era um dia radiante; no centro da cidade, onde estava, uma chuva de neve batia nas cúpulas douradas do Kremlin, as ruas estavam apinhadas de gente, famílias, que caminhavam descompromissadas com o tempo; tomei um taxi e fui para a vila de Peredelkino, distante 20 quilômetros de Moscou”.
                Ao chegar frente à casa de Pasternak, ela se deparou com um aviso escrito em inglês, na porta da entrada “Estou trabalhando, não posso receber ninguém, por favor, vá embora”; salvou-a de não perder a viagem o fato de que o seu avô, o escritor russo Leonid Andreyev, ter sido grande amigo de Pasternak.
                A casa de Pasternak, continua ela “ localizava-se à beira da estrada, bem próxima das montanhas, onde muitas crianças brincavam de “esqui” e trenós; havia, separando a casa da estrada, uma cerca feita de madeira. A sua varanda assemelhava-se a uma casa de fazenda norte-americana de 50 anos atrás, os móveis são confortáveis, embora velhos transmitem um clima de austeridade e hospitalidade, característica das casas dos intelectuais russos do século 19”.
                Convidou-a adentrar a casa e passou a lhe contar alguns fatos da sua vida presente e passada; muitos escritores e artistas russos, disse ele, viviam naquela vila, em casas conseguidas pela ”União de Escritores Soviéticos”, inclusive o escritor Isaac Babel que morava em uma casa vizinha, onde foi preso pela policia soviética em 1939 e morreu, segundo as autoridades, em um campo prisional na Sibéria em 1941.
Olga continua narrando:  “Alguns passos dentro da casa, iniciando pela cozinha que é pequena, um fogão velho e que tem a função, também, de ajudar a secar a neve das roupas; na sala de jantar, uma janela envidraçada, tendo no seu parapeito, um canteiro de gerânios; nas paredes algumas pinturas que foram feitas por seu pai (Leonid Pasternak), retratando Tolstoi, Gorki, Rachmaninov e algumas gravuras retratando Boris Pasternak, seus irmãos e irmãs quando crianças. Este era o mundo de Pasternak, suas reminiscências à vista, onde escrevia seus poemas sobre sua vida e seus amores de adolescente.
                Ele queria saber noticias sobre política e literatura na França (onde ela morava) e dos Estados Unidos, mostrou estar bem informado sobre os acontecimentos políticos e culturais no estrangeiro; falei-lhe da qualidade musical que ele imprime às palavras, respondeu-me: “Escrevendo ou falando, a musicalidade das palavras não tem nada a ver com som, ela não resulta da harmonia de vogais e consoantes, mas sim da relação entre o falar e sua significação. O significado das palavras sempre é considerado em primeiro lugar”.
                De repente, diz Olga, “dei-me conta de que estava falando com Pasternak, um homem de 70 anos de idade, um ícone da literatura mundial, com aparência jovem e com boa saúde”.
              Um enigmático homem, completo eu, longe daquele que escreveu em 1959 este libelo que transcrevo (os primeiros versos), contra as forças do obscurantismo, ao ser forçado a renunciar ao prêmio Nobel de Literatura.
                Prêmio Nobel (tradução livre do inglês)

                Sou um gangster ou assassino?
                De que crime sou acusado?
                Condenado? Eu fiz o mundo chorar pela beleza da minha terra!

                Mesmo assim, a um passo da minha sepultura
                Eu acredito que a crueldade, apesar do poder da escuridão,
                Será esmagada, com o tempo, pelo espírito da luz.





 

               


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