MINHAS CRÔNICAS

domingo, 13 de maio de 2012

ROSARITA FLEURY – CONTINUA VIVA NOS SONHOS QUE CRIOU PARA SEUS PERSONAGENS


         Goiânia, porque não dizer o estado de Goiás, está vivendo uma semana que ficará inolvidável na sua memória cultural; foram relançados na noite de ontem, sob o patrocínio do governo do estado, dois extraordinários romances da falecida e sempre presente escritora Rosarita Fleury: Elos da Mesma Corrente e Sombras em Marcha.
             Tive a ventura de conhecer pessoalmente a Da. Rosarita! Apesar de haver certa aproximação familiar (minha mulher é irmã do esposo de Elizabeth Fleury, sua filha), só tive oportunidade de visitá-la em sua residência uma única vez, nos idos de 1968. Naquele dia ela dedicou-me o seu livro “Elos da mesma corrente”; lembro-me que conversamos sobre suas lides literárias; mais ouvia suas histórias do que propriamente falava das minhas.
Quando a instiguei a fazer comparação entre o seu estilo literário e o da escritora inglesa Jane Austen, principalmente no livro que hoje é considerado um dos maiores clássicos da literatura inglesa “Orgulho e Preconceito”, Da. Rosarita não fugiu do assunto, porém se recusou a aceitar a semelhança.
            Do que me lembro daquela discussão (a memória começa a trair-me, afinal já se passaram mais de 40 anos!), lembro-me que falamos, dentre tantos outros assuntos,  sobre a coincidência de temas (neste seu  romance Jane descreve a sociedade rural inglesa, entrelaçando personagens e sentimentos); Da. Rosarita, com a modéstia que lhe era peculiar, não aceitou a comparação; não tenho a argúcia de Austen, disse ela, tentando encerrar este assunto.
            Insisti: - Quem irá definir se a senhora tem argúcia serão seus leitores de agora e os do futuro; por outro lado a senhora descreve neste seu livro o ambiente rural de Goiás e por extensão do Brasil, com maestria incomum, segurando o leitor do começo ao final do livro, com a expectativa de se inteirar do seu epílogo.
            Embora não seja a proposição deste texto, gostaria de opinar nesta “fictícia discussão”; Da. Rosarita não disse, porém, pela sua inteligência e perspicácia, sei que ela poderia ainda acrescentar como um dos diferenciais entre o seu estilo e o de Jane Austen: ela, Da Rosarita, não tratava os seus personagens com ironia, como fazia Austen.
             Ficou-me, daquela visita, a imagem de uma pessoa extremamente modesta, de prosa agradável e de espírito superior, com a capacidade de deixar no interlocutor a sensação de que tinha muitas mais coisas para dizer.
                        Tenho observado na imprensa várias manifestações a respeito deste acontecimento (relançamento dos livros), principalmente alusões à premiação Julia Lopes de Almeida que foi concedida ao primeiro deles (Elos da mesma corrente) pela Academia Brasileira de Letras em 1959.
                        Como já havia planejado, voltei a ler os dois livros, o de Rosarita e o de Jane Austen; embora a época e os ambientes das narrativas sejam, como se poderia imaginar, diferentes (a zona rural da Inglaterra no inicio do século 19 e zona rural de Goiás em meados do século 20), convido os leitores a fazerem este exercício de comparação, verificarão “elos da mesma corrente” que os interligam.

             Não faz muito tempo tive a oportunidade de discutir com a escritora Elizabeth Fleury, por sinal membro da Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás, alguns aspectos da vida de Dona Rosarita, principalmente no que concerne ao este seu premiado livro “Elos da Mesma Corrente”.

                            Procurava, naquela oportunidade, descobrir algumas curiosidades a respeito da produção daquele livro, hoje considerado um dos clássicos da literatura goiana.
              A maioria das informações que serão aqui divulgadas é inédita, portanto, sinto emoção e alegria por trazer ao conhecimento dos leitores alguns acontecimentos da vida desta grande escritora goiana, orgulhosamente, para nós, pertencente aos quadros da Academia Goiana de Letras.
              Conta-me Elizabeth que a mãe gostava de dizer que desde criança sempre sonhou escrever um romance, por ouvir relatos de tias e avós a respeito de acontecimentos em fazendas de escravos; sua mente de criança registrou as estórias fantásticas contadas pelo negro Salu, escravo alforriado pelo seu avô.
              Uma curiosidade interessante: seu primeiro projeto de livro, na realidade, foi “Sombras em Marchas”, porém, teve que interrompê-lo pela impossibilidade de viajar ao estado de Mato Grosso, palco da trama, a fim de pesquisar; aliás, diga-se de passagem, que em 1970 ela conseguiu fazer a viagem e então completou aquele livro, lançando-o em 1985.
              Diante do impasse foi encorajada pelo esposo a escrever o que seria a segunda parte daquele primeiro projeto, uma vez que a trama deste, “Elos da mesma corrente”, se desenvolve exclusivamente em Vila Boa de Goiás, facilitando, portanto, a sua execução, até porque ela, no seu intimo, já o havia resenhado.
Quando começou a escrever o romance Da. Rosarita estava com menos de quarenta anos de idade, morava em Araguari, onde o esposo era engenheiro da estrada de ferro Goiás; por se sentir muito sozinha (conta-me Elizabeth) resolveu dar asas à imaginação e iniciou os originais do livro; utilizava-se de uma maquina Olivetti e trabalhava no período da tarde (quando as crianças estavam na escola) e de madrugada.
Ela afirmava, como sempre acontece com o escritor ficcionista, que os fatos e personagens do romance, não guardavam nenhuma semelhança com pessoas vivas ou mortas, porém, muitos parentes que leram o livro na época do seu lançamento se achavam retratados no mesmo.
A este respeito o autor do livro “Casas de Família”, Denis Tillinac, escreveu na página de rosto: “A família Aubac não existe. Nem os ambientes, os personagens e as situações evocadas neste romance. Nada, entretanto, foi inventado...”.
De fato, conhecendo (como conhece sua filha) os fatos reais, podem-se verificar algumas coincidências: a fazenda Santa Tereza, que pertenceu aos avós da autora, local onde ela passava algumas férias escolares, ganhou, no romance, o nome de Santa Lúcia, aliás, é necessário acrescentar que o Dr. Gerônimo, seu esposo e primo, por ser 13 anos mais velho, lembrava-se de muitos detalhes que ela olvidava, inclusive, reconstruiu, para ela, a planta da fazenda, facilitando, portanto, que os personagens “circulassem” pelas veredas com maior facilidade.  
Tenho minhas dúvidas, porém; acho que o personagem “nêgo José” do romance poderia ser superponível ao antigo nego Salú, escravo do avô da autora; bem, de toda maneira, pode-se parafrasear Oscar Wilde: “A arte imita a vida”.
Depois de escrito o romance (três anos de trabalho intelectual), a grande dificuldade foi a impressão; cinco anos de lutas e muitas contrariedades, pois a mesma foi feita na oficina gráfica da Estrada de Ferro Goiás, no sistema de linotipia (linha por linha), com infindáveis idas e vindas entre Araguari e Goiânia, onde ela passou a residir a partir de 1954, dos “bonecos” dos capítulos.
Finalmente, em 1958, cansados, ela e o esposo, de corrigirem os originais, resolveram “fechar os olhos” para os erros e, em junho de 1958, o livro foi lançado no Bazar Oió, com grande expectativa do meio cultural.
Da. Rosarita, em uma oportunidade, voltou à antiga fazenda Santa Tereza, ficou decepcionada com o que viu; até o rio Fartura onde, provavelmente, ela mergulhou quando criança, já estava quase seco...
No entanto, se naquele dia ela fosse escrever novamente o romance, como grande ficcionista que foi, tenho certeza que ela recriaria todas as fantasias, reconstruiria a casa da fazenda, faria a água voltar a correr no rio Fartura e voltaria a embalar os sonhos dos seus leitores!



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