MINHAS CRÔNICAS

quarta-feira, 21 de março de 2012

APONTAMENTOS DO JARDINEIRO


SUSSURRO DAS FOLHAS DA AZALEIA    

            Abri a janela do quarto naquela manhã friorenta de inverno e olhei para o céu para me informar de como seria o tempo naquele dia; o sol que normalmente naquela  hora, cumprindo sua rotina, dá sinais de que também acordou e está se levantando, estica seus raios, simulando braços que espreguiçam, e estes furtivamente se desviam das folhas das àrvores,tentando alcançar onde estamos. Sua claridade não se mostra  por inteiro; como se fosse um maestro de orquestra que sabe que a plateia percebe que ele aparecerá para comandar o espetáculo, aguarda que a natureza decida se ele virá.
            Da sacada vi o Dercirio se escondendo da chuva miúda, quase que um chuvisqueiro, debaixo de um pé de munguba, onde conversava com o outro funcionário do jardim com a voz um pouco alterada na altura.
Preocumei-me, porque este não é seu costume; aliás, antes de mais nada acho que preciso apresentar o Dercirio aos leitores que não o conhecem: é a pessoa encarregada das atividades manuais do jardim da Santa T ereza.
No começo ele não gostava do serviço, tendo em vista que estava acostumado com a lida do gado e outras atividades que também exigiam força física, porém, com o tempo foi tomando gosto por esta nova atividade e hoje quem observa o carinho com que ele cuida das flores, pensa que ele foi jardineiro a vida toda.
                        Desço e ao me aproximar dos dois consegui ouvir:
                        - Já lhe expliquei várias vezes que não se deve irrigar as “orquídas” com muita água, elas não suportam, como me ensinou o Doutor, depois que ele fez um “curso de orquida”.
                        Minha chegada foi providencial, pois o outro funcionário já estava “engatando” uma resposta ao Dercirio;  por estar
acostumado com estas eventuais idiossincrasias entre funcionários, resolvi intervir, mudando o enfoque da discussão:
                        - A vida inteira estou envolvido com jardins; minha mãe plantava rosas em latas vazias de querosene e as encostava ao muro na expectativa que elas crescessem e ali se enroscassem, transformando o desajeitado e feioso paredão sem reboco em um mural de ramagens e flores; muito cedo percebi, pelas movimentações da minha mãe, que a palavra mágica a ser usada no jardim é carinho.
                        A jardinagem é uma das poucas coisas do nosso cotidiano em que nunca alcançamos a perfeição; independente de quanto dinheiro se gaste na sua manutenção, do local onde foi escolhido para instalá-lo; o homem poderá trabalhar no projeto que sonhara durante toda a sua vida, depois os seus filhos e os filhos dos seus filhos verificarão que chegaram perto do paraiso com que sonharam,  porém, ainda não o atingiram.
                        Vamos cometer falhas a vida inteira, nunca atingiremos a perfeição, sempre teremos, graças a Deus, alguma coisa para melhorar e
isto é bom; lutamos e nossa luta traz-nos felicidade; nada no jardim pode ser feito com rapidez; ao plantar uma roseira converse com a “muda”, explique-lhe que você irá cuidar da sua vida daqui para frente e em troca, pede-lhe apenas que ela embeleze o seu horizonte com a sua presença multicolorida e espalhe seu perfume ao derredor.
                        Diga-lhe, também, que a brisa da tarde, normalmente suave e delicada, irá levar este perfume para outros viventes, longe daqui; embora ela saiba disto, tenha certeza que gostará de ouvir novamente a afirmativa de que sua vida não será em vão.
                        Pelo silêncio que fizeram, acho que os dois amigos conseguiram entender as minhas divagações, dei-lhes um tapinha nas costas e cada um seguiu o seu caminho; quando chegaram à entrada do orquidário, olharam para trás e falaram qualquer coisa entre si. Será que entenderam?
                        Ao fazer minha caminhada entre os canteiros, observei que as azaleias que plantei há cerca de dois meses estavam florindo, porém não com o vigor e a onipresença que eu desejava; se fosse fazer um comparativo eu diria que elas se assemelhavam ao paciente portador de grave quadro de artrite reumatoide que tenta se levantar da sua cama, faz algum esforço para se sentar, porém verifica que o esforço não é correspondido pela mente que        que sugere que ele se deite novamente.
No entanto observei que as folhas das azaleias, ao receberem o sopro carinhoso do vento que se espalhava pelo jardim, parece que emitiam um sussurro que soava, para quem tivesse ouvidos para ouvir, como melodia.
                        O ruído sussurrante e misterioso provocado pelas folhas, como se acofiassem umas as outras é o eterno segredo da natureza.

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial