A mulher que salvou Freud dos nazistas
Tive acesso, dias atrás, a uma entrevista concedida
por Sigmund Freud ao jornalista americano George Sylvester Viereck; o inusitado
deste acontecimento é o fato desta entrevista ter sido concedida em 1926,
quando Freud ainda vivia na Áustria e que havia sido considerada como perdida,
até sua publicação em 1957.
Trata-se de um “tour de
force” entre o jornalista e o pai da psicanálise; variada gama de assuntos são
trazidos à baila; Freud “ouve pacientemente cada intervenção, não procurando,
jamais, intimidar o entrevistador; ele tem que dizer a verdade a qualquer
preço”.
Dentre os tópicos discutidos, destaco a sua posição a favor do
psicanalista leigo “Os médicos dos Estados Unidos e alguns da Europa, procuram
monopolizar para si a Psicanálise. Seria um perigo para a psicanálise deixá-la,
exclusivamente, nas mãos dos médicos”.
Conhecendo-se a vida de Freud, podemos entender esta sua posição como
sendo uma intenção de defender muitos
dos seus amigos da primeira hora, aqueles que, sem serem médicos, acreditaram e
abraçaram suas teorias em uma época de franca contestação por parte da classe
médica europeia, especialmente da austríaca; só para ficar em dois exemplos
citaria duas famosas psicanalistas, ambas formadas por Freud e que não eram
médicas: Marie Bonaparte, sobrinha-neta de Napoleão Bonaparte e a bela russa
Lou Andréas Salomé.
Em alguma outra oportunidade voltarei a discutir com meus leitores a
presença de Lou Andréas na vida de Freud, para o momento gostaria de me ater ao
título do texto e resumir a participação da Princesa Marie Bonaparte na fuga
que Freud empreendeu da Áustria, fugindo dos nazistas.
A
Princesa Marie Bonaparte vivia na França e era, quando conheceu Freud em 1925, casada
com um Príncipe grego e estava à beira de uma terrível depressão por se
acreditar frígida; com alguma dificuldade, devida à inacreditável e sempre
repleta agenda do já famoso pai da psicanálise, conseguiu marcar uma consulta.
Após frequentar sessões de análise, quase que diariamente e por mais de
três meses, em seu consultório à rua Berggasse em Viena, viu-se curada da problemática que a afligia;
por isto adquiriu, como sói acontecer com muita frequência, uma inacreditável
afeição pelo seu benfeitor e pela sua obra,
acabando, inclusive, por se tornar uma psicanalista renomada.
Em 1938 aconteceu a anexação da Áustria à Alemanha nazista; Marie
percebendo, com antecedência, o perigo que Freud corria, por ser judeu, veio de Paris para tentar convencê-lo a
fugir, porém, seus argumentos não eram, para ele, convincentes.
“- Já desempenhei o meu papel. Agora sou um
velho doente que encontra no trabalho um pouco de diversão para enfrentar a
dor. Enquanto me deixarem fazer meu trabalho...
- Eles o proibirão de exercê-lo!
- Escreverei
- Escreverá livros que eles não
deixarão publicar!”
Por outro lado, será que o senhor não
compreende que o senhor é a psicanálise?
- Se morrer, ficarão meus discípulos!
(Freud e a princesa Bonaparte, F.O. Rousseau, 1947).
Um episódio, no entanto, acabou por
convencê-lo da necessidade de fugir: a terrível Gestapo prendeu sua filha Anna
a pretexto de vasculhar o escritório da editora da “Revista de Psicanálise”; a
partir daí, foi uma corrida contra o tempo, era iminente a prisão de Freud;
Marie conseguiu, por intermédio da embaixada da Grécia, telefonar para o
embaixador dos Estados Unidos na França, contando-lhe o que estava acontecendo;
em seguida passa a informação para a imprensa de todo o mundo.
Em maio de 1938 Marie deu inicio à
difícil tarefa de conseguir vistos de saída para várias pessoas, onde incluía,
além da esposa de Freud, sua cunhada, sua filha, seu médico e duas empregadas
domésticas.
Duas personalidades foram fundamentais
para o sucesso da empreitada, o Presidente Franklin D. Roosevelt que convocou o
embaixador alemão em Washington para solicitar, oficialmente, a liberação dos
vistos e, por incrível que pareça, Benito Mussolini, chefe do fascismo na
Itália e aliado de Hitler, que enviou telegrama à chancelaria alemã, pedindo
noticias de Freud.
Freud e sua família viajaram de trem;
desembarcaram em Paris na gare L’Est, onde uma multidão de pessoas os
aguardavam; Marie Bonaparte estava lá! (uma fotografia da época mostra-a com
seu perfil alto e elegante, trajando uma estola de pele no ombro, um chapéu com
arranjos de flores e um vestido, aparentemente de seda, cheio de plissados,
segurando o braço de Freud, para facilitar sua caminhada.
O resto da história é por demais
conhecida, depois de Paris Freud viajou para Londres onde viveu até falecer, em
setembro de 1939; poucos meses antes de morrer, Freud escreveu uma bela carta a
Marie e que está inserida na coletânea publicada pelo seu filho Ernest L.
Freud:
“Não lhe escrevo há muito tempo. Suponho
que você saiba por que, e possa até constatar pela minha caligrafia (nem a
caneta é mais a mesma; como meu médico e outros órgãos externos, ela me
deixou). Não estou bem; minha doença e as sequelas do tratamento são
responsáveis por este estado, mas em que proporção eu não sei. As pessoas estão
procurando embalar-me em uma atmosfera de otimismo, dizendo que o câncer está
diminuindo e que os sintomas de reação ao tratamento são temporários. Eu não
acredito e não gosto de ser enganado. Algum tipo de intervenção que
interrompesse esse processo cruel seria muito bem vindo. Abraço afetuoso, penso
muito em você!”
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