MINHAS CRÔNICAS

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

A mulher que salvou Freud dos nazistas



 Tive acesso, dias atrás, a uma entrevista concedida por Sigmund Freud ao jornalista americano George Sylvester Viereck; o inusitado deste acontecimento é o fato desta entrevista ter sido concedida em 1926, quando Freud ainda vivia na Áustria e que havia sido considerada como perdida, até sua publicação em 1957.
                        Trata-se de um “tour de force” entre o jornalista e o pai da psicanálise; variada gama de assuntos são trazidos à baila; Freud “ouve pacientemente cada intervenção, não procurando, jamais, intimidar o entrevistador; ele tem que dizer a verdade a qualquer preço”.
            Dentre os tópicos discutidos, destaco a sua posição a favor do psicanalista leigo “Os médicos dos Estados Unidos e alguns da Europa, procuram monopolizar para si a Psicanálise. Seria um perigo para a psicanálise deixá-la, exclusivamente, nas mãos dos médicos”.
          Conhecendo-se a vida de Freud, podemos entender esta sua posição como sendo  uma intenção de defender muitos dos seus amigos da primeira hora, aqueles que, sem serem médicos, acreditaram e abraçaram suas teorias em uma época de franca contestação por parte da classe médica europeia, especialmente da austríaca; só para ficar em dois exemplos citaria duas famosas psicanalistas, ambas formadas por Freud e que não eram médicas: Marie Bonaparte, sobrinha-neta de Napoleão Bonaparte e a bela russa Lou Andréas Salomé.
                  Em alguma outra oportunidade voltarei a discutir com meus leitores a presença de Lou Andréas na vida de Freud, para o momento gostaria de me ater ao título do texto e resumir a participação da Princesa Marie Bonaparte na fuga que Freud empreendeu da Áustria, fugindo dos nazistas.
       A Princesa Marie Bonaparte vivia na França e era, quando conheceu Freud em 1925, casada com um Príncipe grego e estava à beira de uma terrível depressão por se acreditar frígida; com alguma dificuldade, devida à inacreditável e sempre repleta agenda do já famoso pai da psicanálise, conseguiu marcar uma consulta.
               Após frequentar sessões de análise, quase que diariamente e por mais de três meses, em seu consultório à rua Berggasse em Viena,  viu-se curada da problemática que a afligia; por isto adquiriu, como sói acontecer com muita frequência, uma inacreditável afeição pelo seu benfeitor e pela sua obra,  acabando, inclusive, por se tornar uma psicanalista renomada.
                 Em 1938 aconteceu a anexação da Áustria à Alemanha nazista; Marie percebendo, com antecedência, o perigo que Freud corria, por ser judeu,  veio de Paris para tentar convencê-lo a fugir, porém, seus argumentos não eram, para ele,  convincentes.
          “- Já desempenhei o meu papel. Agora sou um velho doente que encontra no trabalho um pouco de diversão para enfrentar a dor. Enquanto me deixarem fazer meu trabalho...
         - Eles o proibirão de exercê-lo!
         - Escreverei
         - Escreverá livros que eles não deixarão publicar!”
         Por outro lado, será que o senhor não compreende que o senhor é a psicanálise?
         - Se morrer, ficarão meus discípulos! (Freud e a princesa Bonaparte, F.O. Rousseau, 1947).
         Um episódio, no entanto, acabou por convencê-lo da necessidade de fugir: a terrível Gestapo prendeu sua filha Anna a pretexto de vasculhar o escritório da editora da “Revista de Psicanálise”; a partir daí, foi uma corrida contra o tempo, era iminente a prisão de Freud; Marie conseguiu, por intermédio da embaixada da Grécia, telefonar para o embaixador dos Estados Unidos na França, contando-lhe o que estava acontecendo; em seguida passa a informação para a imprensa de todo o mundo.
         Em maio de 1938 Marie deu inicio à difícil tarefa de conseguir vistos de saída para várias pessoas, onde incluía, além da esposa de Freud, sua cunhada, sua filha, seu médico e duas empregadas domésticas.
         Duas personalidades foram fundamentais para o sucesso da empreitada, o Presidente Franklin D. Roosevelt que convocou o embaixador alemão em Washington para solicitar, oficialmente, a liberação dos vistos e, por incrível que pareça, Benito Mussolini, chefe do fascismo na Itália e aliado de Hitler, que enviou telegrama à chancelaria alemã, pedindo noticias de Freud.
         Freud e sua família viajaram de trem; desembarcaram em Paris na gare L’Est, onde uma multidão de pessoas os aguardavam; Marie Bonaparte estava lá! (uma fotografia da época mostra-a com seu perfil alto e elegante, trajando uma estola de pele no ombro, um chapéu com arranjos de flores e um vestido, aparentemente de seda, cheio de plissados, segurando o braço de Freud, para facilitar sua caminhada.
         O resto da história é por demais conhecida, depois de Paris Freud viajou para Londres onde viveu até falecer, em setembro de 1939; poucos meses antes de morrer, Freud escreveu uma bela carta a Marie e que está inserida na coletânea publicada pelo seu filho Ernest L. Freud:        
         “Não lhe escrevo há muito tempo. Suponho que você saiba por que, e possa até constatar pela minha caligrafia (nem a caneta é mais a mesma; como meu médico e outros órgãos externos, ela me deixou). Não estou bem; minha doença e as sequelas do tratamento são responsáveis por este estado, mas em que proporção eu não sei. As pessoas estão procurando embalar-me em uma atmosfera de otimismo, dizendo que o câncer está diminuindo e que os sintomas de reação ao tratamento são temporários. Eu não acredito e não gosto de ser enganado. Algum tipo de intervenção que interrompesse esse processo cruel seria muito bem vindo. Abraço afetuoso, penso muito em você!”







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