O MENINO E A PENSÃO
O “Menino” nem bem acabara
de chegar da escola e, antes mesmo de colocar seus “apetrechos” escolares no
seu quarto, Margarida, que o aguardava
com as mãos na cintura, já começou a dar-lhe ordens, sem pausa nem para
respirar, como era o seu costume:
-“
Menino”, sua mãe está nervosa porque você demorou a chegar e adivinhe o que
aconteceria se eu não tivesse inventado uma mentira (O menino me disse que hoje
teria lições de tabuada depois da aula!) para enganá-la; vá correndo à estação
e pergunte para o telegrafista Orestes quantos passageiros virão para almoçar
na Pensão. Volte a falar com ele que ontem o chefe do trem deu o número errado
e perdemos muita comida e, se isto voltar a acontecer, iremos reclamar para a chefia da Rede Mineira
em Cruzeiro informando que o chefe de trem está com preguiça de fazer sua
obrigação, como deveria, e com isto não está sendo cumprido o contrato que a
Empresa fez com a Pensão.
O
“Menino” entregou-lhe os pertences e saiu em disparada rumo à estação de ferro;
minutos depois estava de volta com a informação: Serão oito passageiros e o
trem está um pouco atrasado; o “Menino” não lhe contou que não havia feito tudo
o que ela mandara pois seu relacionamento com o telegrafista Orestes não lhe
permitia chamar-lhe a atenção, até porque ele não tinha nada a ver com o
acontecido e depois ficou preocupado que o mesmo interrompesse os ensinamentos
sobre o código Morse que lhe transmitia
e, tampouco, trouxe o recado que ele, Orestes,
pediu-lhe que transmitisse a ela, Margarida (convidava a filha da dona da pensão para
irem à festa da igreja naquela noite).
É
bom lembrar que Orestes era o que as moças do lugarejo chamavam de “bom partido”, vestia-se bem ( o cargo lhe
exigia este aprumo), cabelos repartidos de lado, porém, penteados para trás
e luzentes pelo uso da glostora, bom aspecto físico, mais
tendendo para magro e um sorriso amigável
e, o principal, tinha ao redor de 23 anos e era solteiro.
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“ O telegrafista
chamava-se Malachine, porém, as moças davam-lhe o nome de Malacha. Era baixo,
magro, de bochechas rosadas, os olhos castanhos, sobrancelhas pretas, mãos de
mulher; homens assim dizem que são belos como estampas. Alegre cordial para com
todos, era muito conhecido e até amado em nossa cidadezinha, onde três mil e
quinhentos habitantes davam-se com calma às suas obrigações rotineiras. Eu
tinha vinte anos, eu sentia-me de tal modo invadido pelo tédio da vida, que a
minha alma estava seca; a indolente agitação das pessoas me deixava irritado
demais e assustava-me mesmo. Um dia encontrei o Malachine que me disse:
-
Estou com um bilhete postal para ti.
E
passou-me o bilhete onde se lia (...)
(MÁXIMO GORKI - O Vagabundo Original)”
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Em seguida,
Margarida atendendo ao olhar da mãe do “Menino”, destrinchou os dois frangos que estavam
preparados à beira do fogão, colocou um pouco de linguiça na frigideira que já
estava com gordura, colocou um pouco mais de água no feijão, refogou o arroz, contou os 8 ovos que seriam
fritados, aumentou a lenha no fogo e deu ordens ao menino para arrumar a mesa
de refeições.
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“ – É como lhe digo,
recapitulava este. – Aquilo não é um
hotel, é uma – casa de família! (...)
– Fica-se muito melhor em uma casa de família, continuava o outro. A
vida em hotel
ou a vida em república é o diabo: estraga-se tudo – o estômago, o
caráter, a bolsa; ao
passo que ali, você têm o seu banho frio pela manhã, torradas à noite
e, se cair
doente (o que lhe não desejo), há quem o trate, quem lhe prepare um
remédio, um
caldo, um suadouro, um escalda-pés... Olhe!
E pensando deste modo,
ergueu-se disposto a acompanhar Coqueiro, que insistia em lhe mostrar a casa.
Principiaram pela chácara.
– Olha. Isto aqui é como vês!... dizia o proprietário. – Boa sombra,
caramanchões de maracujá, flores, sossego!... Bom lugar para estudo! E vai até
o fundo. Vem ver! Amâncio obedecia
calado.
– Parece que se está na roça!... acrescentou o outro. – De manhã é um
chilrear de passarinhos, que até aborrece! Quando aqui não houver fresco, não o
encontrarás
também em parte alguma! Em
seguida foram visitar o banheiro, o
tanque, o repuxo e outras
comodidades que havia no quintal, e a cada uma dessas coisas – novas
exclamações
e novos elogios. Na cozinha um preto, de avental e boné de linho
branco, à moda dos cozinheiros franceses, trabalhava ao fogão. Coqueiro exigiu
que o amigo olhasse para aquele asseio; atentasse para a nitidez das caçarolas
de metal areado, para a limpeza das panelas, para a fartura de água na pia.
– A Madame, dizia ele a rir-se, com ar interessado de quem deseja
convencer – a
Madame traz isto num brinco! Pode-se comer no chão! (ALUISIO DE AZEVEDO, - Casa de Pensão,
1884).”
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O
“Menino” obedeceu as ordens emanadas da Margarida, espalhou os pratos por sobre
a mesa que estava coberta com uma toalha branca, os talheres, a jarra com
água e os copos; dali a pouco o trem
apitou na curva, ele lavou as mãos,
jogou água no rosto, penteou o cabelo e se postou na porta da frente, para
recepcionar os passageiros!
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