MINHAS CRÔNICAS

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O MENINO E A PENSÃO

                   O “Menino” nem bem acabara de chegar da escola e, antes mesmo de colocar seus “apetrechos” escolares no seu quarto,  Margarida, que o aguardava com as mãos na cintura, já começou a dar-lhe ordens, sem pausa nem para respirar, como era o seu costume:
                               -“ Menino”, sua mãe está nervosa porque você demorou a chegar e adivinhe o que aconteceria se eu não tivesse inventado uma mentira (O menino me disse que hoje teria lições de tabuada depois da aula!) para enganá-la; vá correndo à estação e pergunte para o telegrafista Orestes quantos passageiros virão para almoçar na Pensão. Volte a falar com ele que ontem o chefe do trem deu o número errado e perdemos muita comida e, se isto voltar a acontecer,  iremos reclamar para a chefia da Rede Mineira em Cruzeiro informando que o chefe de trem está com preguiça de fazer sua obrigação, como deveria, e com isto não está sendo cumprido o contrato que a Empresa fez com a Pensão.
                               O “Menino” entregou-lhe os pertences e saiu em disparada rumo à estação de ferro; minutos depois estava de volta com a informação: Serão oito passageiros e o trem está um pouco atrasado; o “Menino” não lhe contou que não havia feito tudo o que ela mandara pois seu relacionamento com o telegrafista Orestes não lhe permitia chamar-lhe a atenção, até porque ele não tinha nada a ver com o acontecido e depois ficou preocupado que o mesmo interrompesse os ensinamentos sobre o código Morse que  lhe transmitia e, tampouco, trouxe o recado que ele, Orestes,  pediu-lhe que transmitisse a ela, Margarida  (convidava a filha da dona da pensão para irem à festa da igreja naquela noite). 
                               É bom lembrar que Orestes era o que as moças do lugarejo chamavam de  “bom partido”, vestia-se bem ( o cargo lhe exigia este aprumo), cabelos repartidos de lado, porém, penteados para trás e  luzentes pelo  uso da glostora, bom aspecto físico, mais tendendo para magro e um sorriso amigável  e, o principal, tinha ao redor de 23 anos e era solteiro.
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
                      “ O telegrafista chamava-se Malachine, porém, as moças davam-lhe o nome de Malacha. Era baixo, magro, de bochechas rosadas, os olhos castanhos, sobrancelhas pretas, mãos de mulher; homens assim dizem que são belos como estampas. Alegre cordial para com todos, era muito conhecido e até amado em nossa cidadezinha, onde três mil e quinhentos habitantes davam-se com calma às suas obrigações rotineiras. Eu tinha vinte anos, eu sentia-me de tal modo invadido pelo tédio da vida, que a minha alma estava seca; a indolente agitação das pessoas me deixava irritado demais e assustava-me mesmo. Um dia encontrei o Malachine que me disse:
                               - Estou com um bilhete postal para ti.
                               E passou-me o bilhete onde se lia (...)  (MÁXIMO GORKI - O Vagabundo Original)”
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
                             Em seguida, Margarida atendendo ao olhar da mãe do “Menino”,  destrinchou os dois frangos que estavam preparados à beira do fogão, colocou um pouco de linguiça na frigideira que já estava com gordura, colocou um pouco mais de água no feijão,  refogou o arroz, contou os 8 ovos que seriam fritados, aumentou a lenha no fogo e deu ordens ao menino para arrumar a mesa de refeições.
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
                        “ – É como lhe digo, recapitulava este.  – Aquilo não é um hotel, é uma  – casa de família! (...)
– Fica-se muito melhor em uma casa de família, continuava o outro. A vida em hotel
ou a vida em república é o diabo: estraga-se tudo – o estômago, o caráter, a bolsa; ao
passo que ali, você têm o seu banho frio pela manhã, torradas à noite e, se cair
doente (o que lhe não desejo), há quem o trate, quem lhe prepare um remédio, um
caldo, um suadouro, um escalda-pés... Olhe!
                   E pensando deste modo, ergueu-se disposto a acompanhar Coqueiro, que insistia em lhe mostrar a casa. Principiaram pela chácara.
                                 – Olha. Isto aqui é como vês!... dizia o proprietário. – Boa sombra, caramanchões de maracujá, flores, sossego!... Bom lugar para estudo! E vai até o fundo. Vem ver!  Amâncio obedecia calado.
                                  – Parece que se está na roça!... acrescentou o outro. – De manhã é um chilrear de passarinhos, que até aborrece! Quando aqui não houver fresco, não o encontrarás
também em parte alguma!  Em seguida foram  visitar o banheiro, o tanque, o repuxo e outras
comodidades que havia no quintal, e a cada uma dessas coisas – novas exclamações
e novos elogios. Na cozinha um preto, de avental e boné de linho branco, à moda dos cozinheiros franceses, trabalhava ao fogão. Coqueiro exigiu que o amigo olhasse para aquele asseio; atentasse para a nitidez das caçarolas de metal areado, para a limpeza das panelas, para a fartura de água na pia.
– A Madame, dizia ele a rir-se, com ar interessado de quem deseja convencer – a
Madame traz isto num brinco! Pode-se comer no chão!  (ALUISIO DE AZEVEDO, - Casa de Pensão, 1884).”
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
                                               O “Menino” obedeceu as ordens emanadas da Margarida, espalhou os pratos por sobre a mesa que estava coberta com uma toalha branca, os talheres, a jarra com água  e os copos; dali a pouco o trem apitou na curva,  ele lavou as mãos, jogou água no rosto, penteou o cabelo e se postou na porta da frente, para recepcionar os passageiros!



0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial