MINHAS CRÔNICAS

domingo, 16 de fevereiro de 2014

VIENA - A VISÃO DO TURISTA E A DO HISTORIADOR

               

Quando estive em Viena no inicio da década de 1970 animava-me, exclusivamente, o aspecto turístico da viagem; estava envolvido com as imagens coloridas dos filmes musicais que assistira quando criança e adolescente.
                     Procurei “reencontrar” os seus decantados bosques, embalar-me, se possível pessoalmente, com as valsas de Strauss, principalmente o “Danúbio Azul” e o “Canto dos bosques de Viena”; procurei vestígios da “Família Trap” e, com as ilusões dos meus olhos de sonhador, admirar as águas azuis do rio Danúbio. 
                     Tinha um encontro marcado com Sissi, a Imperatriz,  no Palácio de Schonbrunn; precisava certificar, pessoalmente, o local onde morara a família de Dona Leopoldina, ex-esposa do nosso Imperador Dom Pedro I e ver as pinturas que retratavam nossos antepassados.
                   Não conheci Viena! Naquela época não conhecia sua história, suas artes e sua literatura; principalmente não percebi, com os olhos curiosos do historiador que ainda não era, que Viena ainda mostrava sinais da destruição provocada pela segunda guerra mundial, terminada há menos de três décadas.
                   A partir da década de 1980, voltei várias vezes a Viena, agora, embora ainda turista, com visão mais humanística da vida que nos rodeia; cada reencontro, escudado nas leituras que iam sendo acumuladas pela maturidade intelectual, trouxe-me sedimentação de cultura.
                    Certa feita, sentado a uma mesa de um café situado na Ringstrasse, enquanto saboreava um cappuccino, folheava um livro que adquirira em uma livraria nas imediações, escrito por um americano de nome Carl Schorske (Fin-de-siécle Vienna - Politics and Culture - Viena fim de século, política e cultura); inteirei-me de alguns fatos ligados a esta tão importante via publica.
                  Após a revolução de 1848, as forças liberais que assumiram o governo de Viena, embalados pelas ideias do modernismo que assolavam a Europa, resolveram construir esta via que circunda a chamada parte velha de Viena; para muitos historiadores esta construção representou uma mudança estética e política da cidade.
                  Viena foi, possivelmente, o ultimo bastião europeu das fortificações ao redor de uma esplanada de construções que serviam como centro administrativo do Império e que se mantinha isolado dos seus subúrbios, como mostra um mapa de 1844, inserido no citado livro.
                 No lugar desta fortificação construiu-se a Ringstrasse e optou-se, ao longo da sua extensão, pela construção de uma série de edifícios públicos com vários estilos arquitetônicos, como o neogótico, neobarroco, neorrenascentista e neoclássico.
                A leitura daquele livro levou-me, em outra oportunidade, década de 1990, a procurar o local onde frequentavam, no final do século 19 e inicio do 20, os escritores e os poetas austríacos.
               O café Griensteidl, localizado na Michaelerplatz, tem uma história inacreditável, digna de ser mencionada, senão vejamos: foi inaugurado em 1847 dentro do espírito de todos os “Wienerkaffeehaus”; ali o freguês pode permanecer o dia todo, consumindo apenas água, aliás, gratuita e renovável por garçons sempre simpáticos; funcionou até 1897, portanto durante cinquenta anos e foi reaberto em 1990 e continua com as mesmas características de antigamente, como pude constatar pessoalmente.  
              Do mesmo modo que ocorria no Rio de Janeiro em datas semelhantes, onde um grupo de intelectuais da época (Olavo Bilac, Guimarães Passos, Emilio de Menezes. José do Patrocínio, Bastos Tigres, dentre outros) frequentavam as confeitarias Pascoal e Colombo, situadas as ruas Gonçalves Dias e Ouvidor, respectivamente (O Rio de Janeiro do meu tempo, Luiz Edmundo, Ed. Conquista, 1957) também em Viena os intelectuais escolhiam os cafés para os seus encontros, o Griensteidl era o preferido por um grupo, autodenominado Jung wien (jovens de Viena).
           Arthur Schinitzel, médico por insistência do pai, porém, com a mente toda voltada para a literatura, era o timoneiro deste grupo que incluía, dentre outros, o escritor e ensaísta Alfred Polgar, o poeta, contista e romancista Peter Altenberg, o poeta, ensaísta e jornalista Karl Kraus e o romancista de primeira grandeza, premio Nobel de Literatura, Herman Broch.
          No final do século 19 e inicio do 20, Viena era considerada a cidade com melhor padrão de vida da Europa, era o centro de arte moderna e da cultura, era o período do Império Austro-Húngaro, quando sua população triplicou, passando de 730.000 em 1880 para 2.100.000 em 1910.
        Daquele grupo habituée do café Griensteidl, Schinitzel era, de longe, o de maior talento, tendo sido um dos precursores do romance realista em língua alemã, haja vista o seu livro “Crônica de uma vida de mulher” (Ed. Record, 2008).
        Por ter estudado psiquiatria, interessou-se pela hipnose, tendo, inclusive antecipado ideias a serem preconizadas por Freud na descoberta da psicanálise.
       Em 1983, conforme anotação que fiz na folha de rosto, veio-me às mãos o livro “A Morte de Virgilio” (Ed. Nova Fronteira, 1982 - Hermann Broch), como vimos, pertencente ao grupo de Schinitzel; abandonei-o por considerá-lo com linguagem hermética e de difícil leitura, provavelmente ainda traumatizado pela tentativa de ler, sem sucesso e na mesma época, o livro Ulisses de James Joyce, ambos com estrutura semelhante: monólogo intimo; pretendo voltar a enfrentá-los!
       

  


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