VIENA - A VISÃO DO TURISTA E A DO HISTORIADOR
Quando
estive em Viena no inicio da década de 1970 animava-me, exclusivamente, o
aspecto turístico da viagem; estava envolvido com as imagens coloridas dos
filmes musicais que assistira quando criança e adolescente.
Procurei “reencontrar” os
seus decantados bosques, embalar-me, se possível pessoalmente, com as valsas de
Strauss, principalmente o “Danúbio Azul” e o “Canto dos bosques de Viena”;
procurei vestígios da “Família Trap” e, com as ilusões dos meus olhos de
sonhador, admirar as águas azuis do rio Danúbio.
Tinha um encontro marcado
com Sissi, a Imperatriz, no Palácio de
Schonbrunn; precisava certificar, pessoalmente, o local onde morara a família
de Dona Leopoldina, ex-esposa do nosso Imperador Dom Pedro I e ver as pinturas
que retratavam nossos antepassados.
Não conheci Viena! Naquela
época não conhecia sua história, suas artes e sua literatura; principalmente
não percebi, com os olhos curiosos do historiador que ainda não era, que Viena
ainda mostrava sinais da destruição provocada pela segunda guerra mundial,
terminada há menos de três décadas.
A partir da década de 1980,
voltei várias vezes a Viena, agora, embora ainda turista, com visão mais
humanística da vida que nos rodeia; cada reencontro, escudado nas leituras que
iam sendo acumuladas pela maturidade intelectual, trouxe-me sedimentação de
cultura.
Certa feita, sentado a uma
mesa de um café situado na Ringstrasse, enquanto saboreava um cappuccino,
folheava um livro que adquirira em uma livraria nas imediações, escrito por um
americano de nome Carl Schorske (Fin-de-siécle Vienna - Politics and Culture -
Viena fim de século, política e cultura); inteirei-me de alguns fatos ligados a
esta tão importante via publica.
Após a revolução de 1848, as
forças liberais que assumiram o governo de Viena, embalados pelas ideias do
modernismo que assolavam a Europa, resolveram construir esta via que circunda a
chamada parte velha de Viena; para muitos historiadores esta construção
representou uma mudança estética e política da cidade.
Viena foi, possivelmente, o
ultimo bastião europeu das fortificações ao redor de uma esplanada de
construções que serviam como centro administrativo do Império e que se mantinha
isolado dos seus subúrbios, como mostra um mapa de 1844, inserido no citado
livro.
No lugar desta fortificação
construiu-se a Ringstrasse e optou-se, ao longo da sua extensão, pela
construção de uma série de edifícios públicos com vários estilos
arquitetônicos, como o neogótico, neobarroco, neorrenascentista e neoclássico.
A leitura daquele livro
levou-me, em outra oportunidade, década de 1990, a procurar o local onde frequentavam,
no final do século 19 e inicio do 20, os escritores e os poetas austríacos.
O café Griensteidl, localizado
na Michaelerplatz, tem uma história inacreditável, digna de ser mencionada,
senão vejamos: foi inaugurado em 1847 dentro do espírito de todos os
“Wienerkaffeehaus”; ali o freguês pode permanecer o dia todo, consumindo apenas
água, aliás, gratuita e renovável por garçons sempre simpáticos; funcionou até
1897, portanto durante cinquenta anos e foi reaberto em 1990 e continua com as
mesmas características de antigamente, como pude constatar pessoalmente.
Do mesmo modo que ocorria no Rio de Janeiro em datas semelhantes, onde
um grupo de intelectuais da época (Olavo Bilac, Guimarães Passos, Emilio de
Menezes. José do Patrocínio, Bastos Tigres, dentre outros) frequentavam as
confeitarias Pascoal e Colombo, situadas as ruas Gonçalves Dias e Ouvidor,
respectivamente (O Rio de Janeiro do meu tempo, Luiz Edmundo, Ed. Conquista,
1957) também em Viena os intelectuais escolhiam os cafés para os seus
encontros, o Griensteidl era o preferido por um grupo, autodenominado Jung wien
(jovens de Viena).
Arthur Schinitzel, médico por
insistência do pai, porém, com a mente toda voltada para a literatura, era o
timoneiro deste grupo que incluía, dentre outros, o escritor e ensaísta Alfred
Polgar, o poeta, contista e romancista Peter Altenberg, o poeta, ensaísta e
jornalista Karl Kraus e o romancista de primeira grandeza, premio Nobel de
Literatura, Herman Broch.
No final do século 19 e inicio do 20,
Viena era considerada a cidade com melhor padrão de vida da Europa, era o
centro de arte moderna e da cultura, era o período do Império Austro-Húngaro,
quando sua população triplicou, passando de 730.000 em 1880 para 2.100.000 em
1910.
Daquele grupo habituée do café
Griensteidl, Schinitzel era, de longe, o de maior talento, tendo sido um dos
precursores do romance realista em língua alemã, haja vista o seu livro
“Crônica de uma vida de mulher” (Ed. Record, 2008).
Por ter estudado psiquiatria,
interessou-se pela hipnose, tendo, inclusive antecipado ideias a serem
preconizadas por Freud na descoberta da psicanálise.
Em 1983, conforme anotação que fiz na
folha de rosto, veio-me às mãos o livro “A Morte de Virgilio” (Ed. Nova
Fronteira, 1982 - Hermann Broch), como vimos, pertencente ao grupo de
Schinitzel; abandonei-o por considerá-lo com linguagem hermética e de difícil
leitura, provavelmente ainda traumatizado pela tentativa de ler, sem sucesso e
na mesma época, o livro Ulisses de James Joyce, ambos com estrutura semelhante:
monólogo intimo; pretendo voltar a enfrentá-los!
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