MINHAS CRÔNICAS

domingo, 16 de fevereiro de 2014

NAQUELE TEMPO PARIS ERA UMA FESTA!

            Na época do Império, todo literato que militava nas letras brasileiras tinha um sonho: Ir à  Paris, fonte e sustentação de toda a cultura mundial da época; o francês era a segunda língua da elite intelectual brasileira.
             Por muito tempo, ainda, Paris cidade continuaria a ser considerada a Meca da cultura universal; por uma questão de justiça histórica, somos forçados, se voltarmos alguns séculos na história, a aceitar que a pujança desta “República das Letras” nos remete, inclusive, ao século XVII com a força literária de Racine ou de Moliére, de Voltaire, Diderot, Rousseau, Danton e Marat no século XVIII, e Sainte-Beuve, Zola, Maupassant no século XIX.
              O nome, “República das Letras”, na verdade foi cunhado pelo escritor e, muitos anos depois, membro da Academia Francesa de Letras, Jean Guéhenno para identificar a Rive Gauche (lado esquerdo do rio Sena), local onde ele morava nos anos 30 do século passado; disse ele “Ela, a república das Letras, está contida em algumas casas parisienses, numas poucas e amontoadas redações de revistas e editoras, em alguns estúdios de desenho, alguns cafés, alguns ateliês de artistas e alguns sótãos. Não é fácil penetrar nesse mundo. O verdadeiro diálogo se dá entre algumas dezenas de escritores que se aceitam uns aos outros, e só isto”.
            O bairro Montparnasse era o que havia sido anteriormente Montmartre, o local identificador desta efervescência de ideias, especialmente pela presença, ali, de uma infinidade de cafés, onde se reuniam os intelectuais, cujas produções culturais, artísticas e, inclusive suas frustrações amorosas, eram discutidas com todos os frequentadores e, quiçá, com o resto do mundo.
            No entanto, o “ponto” mais famoso de encontro da intelectualidade da época, Saint Germain-des-Prés, surgiu com a repentina aparição de André Breton e seu grupo de surrealistas, que começaram a frequentar o Café Deux Magot, além de Picasso que frequentava o café Flore.   
             A França vivia o tempo de intervalo entre duas guerras; havia o desejo de sublimar os efeitos, ainda muito vivos, das feridas causadas pelo conflito da primeira guerra mundial e a incerteza do porvir, que já escurecia o céu no horizonte das nações que alguns anos depois iriam entrar, novamente, em novo conflito, arrastando nesta avalanche, como sabemos, a França e o mundo de sonhos deste grupo de intelectuais.
                 Como sói acontecer quando se reúne uma miríade de livres pensadores, havia, ali também, um emaranhado de díspares visões críticas e políticas, para se falar o mínimo; no entanto, sentavam-se às mesmas mesas, discutiam, se agrediam mutuamente, às vezes chegavam à via dos fatos, porém, mantinham a harmonia civilizada da aceitação das opiniões dos contrários.
               Chama a atenção, consultando a bibliografia à nossa disposição, que embora frequentassem os mesmos lugares, normalmente os escritores de grande prestigio, como Gide, Maurois dentre outros, moravam no Rive Droite (lado direito do rio Sena), o que era motivo de “desprezo” pelos demais, pois ali era o local das grandes residências e grandes hotéis.
            Por outro lado, os moradores da Rive Droit queixavam-se do “preconceito” da revista Nouvelle Revue Française que afirmava: “... Se uma pessoa não mora na Rive Gauche, não se trata de um escritor de verdade”; pela mesma época vários escritores norte-americanos (Hemingway, Fitzgerald, Gertrude Stein, dentre outros) também circulavam por estas mesmas ruas, porém viviam, aparentemente, uma vida um pouco apartada dos escritores franceses.
         “Shakespeare and Company”, uma livraria fundada por uma americana de nome Sylvia Beach, localizada na rue de l’Odéon, na Rive Gauche, tinha uma característica diferente das demais: além de vender, também emprestava livros, era o ponto de encontro desta gente que citei acima, assim como de alguns outros que não pertenciam a este grupo, como o escritor Irlandês James Joyce, que por qualquer motivo, não tinham disposição para compartilhar a sua mesa de café com desconhecidos e iniciar um diálogo ou talvez uma aproximação literária. 
            No seu agradável livro “Paris é uma Festa”, Hemingway confirma esta assertiva ao escrever: “Ali era uma lugar acolhedor e alegre, com um grande fogão aceso no inverno, mesas e estantes de livros, novidades na vitrina e, nas paredes, fotografias de famosos escritores vivos e mortos”.
           Depois veio a guerra, com todos os horrores que conhecemos; aquelas vozes, tão propensas a aceitarem as discordâncias de pensamento com seus interlocutores, assumiram posições políticas; alguns, na realidade, a maioria, permaneceu com o discurso condizente com o seu passado, outros debandaram para o outro barco; alguns outros, por uma questão de justiça histórica, sem entrar no mérito, permaneceram fiéis às suas ideias e assumiram posições de relevo na nova ordem que se instalou na França ocupada.
           O relato da participação da intelectualidade francesa nos acontecimentos da segunda guerra mundial, ainda não está completo, sabemos que muitos foram julgados e condenados pelas suas ideias, outros lutaram e morreram ao lado das forças da resistência, outros, sem alternativa, conseguiram fugir, outros ainda, como André Breton (suposto apoiador dos comunistas) e Victor Serge (apoiador, realmente, de Stalin) se esconderam, junto com outros intelectuais, na zona não ocupada da Franca, nos arredores de Marselha, onde permaneceram por mais de dois anos.
          A parte lamentável, para dizer o mínimo, do após guerra foi o julgamento daqueles intelectuais que participaram do conflito abastecendo as trincheiras do inimigo, os chamados “colaboracionistas”.
            Porém, esta é outra história! 
;.




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