ACAMPAR NAS PRAIAS DO RIO ARAGUAIA! HAVIA A MESMA MAGIA HÁ 150 ANOS!
Frequento os acampamentos do rio
Araguaia desde 1966, quando ali fui pela primeira vez; desde então, nunca mais deixei de visitá-lo pelo menos uma vez
ao ano, quase sempre na companhia da querida família Costa Campos e, de uns tempos para cá, com a família do
amigo Juarez Lobo.
Tenho tido, portanto, a oportunidade
de acompanhar o desenvolvimento da cidade de Aruanã, naquele tempo pretérito
vivendo a efervescência do bar do Elpidio, lugar de encontro obrigatório de
toda a comunidade boemia das barrancas do nosso rio; hoje, após a dinâmica gestão do ex-prefeito Hermano
de Carvalho, a cidade transformou-se, realmente, em um polo turístico de Goiás,
com quase todas as comodidades necessárias ao conforto do visitante.
Sentados em cadeiras, protegidos do
“perigoso” sereno, debaixo do ranchão (segundo o Juarez Lobo, não estamos mais
em condições de ficarmos expostos à “intempéries”), conversávamos, Juarez Lobo,
Rui Pacheco, Omari Costa Campos e eu,
sobre os tempos idos e vividos à beira do nosso rio; contei-lhes sobre a viagem
que o ex-presidente da antiga Província de Goiás, Couto de
Magalhães, fez no ano de 1863, quando
percorreu grande extensão do rio em barcos à remo.
Couto de Magalhães deixou registrado em um
livro (Viagem ao Araguaia, 1863) todas as peripécias daquela viagem, inclusive
com descrição do percurso entre a cidade de Goiás e Santa Leopoldina (antigo
nome de Aruanã), feito em lombo de animais, com duração de sete dias. Este é o
primeiro grande contraste, hoje percorremos este trecho em poucas horas, com
ótima estrada asfaltada, em vias de ser duplicada.
Transcrevo um pequeno trecho da
descrição da localidade de Santa Leopoldina (Aruanã), feita por Couto de
Magalhães naquele seu livro:
“O Presídio de Santa Leopoldina
está colocado na margem direita do Araguaia, junto à barra do rio Vermelho; é
um povoado nascente e que promete próspero futuro.
Foi fundado a primeira vez, no
mês de março de 1850, pelo doutor em matemática, João Batista de Castro Morais
Antas, na presidência do Dr. Eduardo Olimpio Machado; destruído em 1853, foi de
novo fundado em 1855, sob a presidência
do Dr. Antonio Cândido da Cruz Machado no largo dos Tigres, à margem do rio
Vermelho, de onde foi removido para o lugar em que agora está, em 1856, sob a
presidência do Dr. Antônio Augusto Pereira da Cunha.
Hoje conta com 30
casas, entre as quais uma com telhas; a casa da
administração tem 66 palmos de frente, 18 de altura e 45 de fundo, sendo
toda construída em aroeira; a barreira do rio dista 14 braças da primeira rua
de casas e deve ter outro tanto de altura”.
Quem conhece os
acampamentos do rio Araguaia sabe que após a terceira cervejinha (nunca é
cervejão), os assuntos variam de acordo com a inventividade do freguês, são
“filhotes” que escaparam do anzol na hora de embarcar na canoa, é o pirarucu
tão grande que exigiu três homens para puxá-lo para fora d’água e mais algumas
outras mentiras, que sempre provocam gargalhadas homéricas.
Nosso
grupinho, os da melhor idade, não fugia à regra, conversávamos sobre tudo e
sobre nada, apenas pelo prazer de provocar o companheiro e colocá-lo na
berlinda, inventando assuntos os mais estapafúrdios possíveis, apenas para
provocá-lo, com a certeza de que logo em seguida receberá o troco; Omari Costa
Campos é o mais prolixo, inventa histórias sobre acontecimentos “ocorridos” no
Araguaia, alguns impossíveis de terem acontecido, como o caso do pescador, seu
amigo (portanto, mentiroso como ele), que enfrentou, sozinho, uma tribo de
índios na ilha do Bananal, presumindo que o mesmo venceu a porfia porque,
senão, quem iria contar a história, uma vez que o dito cujo estava sozinho.
A discussão só fica séria quando alguém grita: gente! A
lua vai sair!
Começa a escurecer, o sol, que não
mais pode ser visto mostra, ainda, sua
grandeza resplandecente por intermédio dos seus últimos raios que teimam em
permanecer no horizonte, desafiando a claridade da lua que duvida da sua
própria força e ainda não o enfrenta; no entanto, a natureza resolve intervir e
põe fim a esta disputa.
Inicialmente , o sol que até aqui
lutava para manter sua hegemonia, rende-se à formosura da companheira de
eternidade e mergulha, aos poucos, é verdade, porém, como se fosse um
trapezista que perdeu o equilíbrio, falta-lhe sustentação e cai no abismo do
poente, escrevendo mais um capítulo dos mistérios da vida.
No
inicio percebemos um clarão que surge
com toda intensidade por detrás das árvores que margeiam o rio, paulatinamente
descobrimos de onde vem a claridade: uma esfera, como se fora um passe de
mágica, vem despontando e vai subindo aos poucos, acabando por ofuscar as
estrelas que estavam nas suas imediações; agora seus raios luminosos alcançam o
leito do rio e se refletem nas águas que uma brisa gentil provoca um discreto banzeiro,
só visível pela câmara fotográfica dos artistas Frederico e Juliana Riccioppo.
Espetáculo inacreditável, dá-nos
vontade de ajoelhar na areia e agradecer ao Grande Arquiteto do Universo que,
com mãos invisíveis, sustenta a esfera luminosa na imensidão do espaço.
Para termos uma dimensão do que representa
este momento para o visitante do rio Araguaia, transcrevo um pequeno trecho do
livro escrito por Couto Magalhães já
citado acima:
“Ancoramos em uma das
maravilhosas praias que o rio vai formando nas suas margens, na sua descida
rumo ao oceano; acendemos uma fogueira e sentamos ao seu redor, enquanto um
índio preparava uma tartaruga moqueada para nosso jantar. Impossível esquecer
esta impressão! O céu estava um pouco
nublado, o vento soprava com delicadeza, porém, de maneira intermitente,
algumas gotas de chuva caíam, sem no
entanto nos aborrecer, apesar da sua frialdade; paulatinamente, como se fora
combinado, as nuvens se dissiparam e o céu tornou-se límpido.
As
estrelas, distribuídas na abóboda celeste como se fossem ali colocadas pelo
pincel de um artista, foram, paulatinamente perdendo a majestade da
onipresença; era a lua que despontava no oriente, ainda vista de muito longe,
pequena, porém já com luminosidade suficiente para suplantar suas companheiras
do infinito eterno. Calma, senhora de si e da sua hegemonia, revestida do
encanto mágico e também melancólico onde tem residido, eternamente, na alma de
todos os sonhadores, vem subindo lá do infinito, sem nenhuma sustentação
aparente. Sua luminosidade, clareando as campinas adjacentes e refletindo nas
águas calmas do rio, leva-nos a sonhar, trazendo-nos vagas saudades e incertas
esperanças.
A noite era silenciosa; se o indivíduo
que participa, com a sua presença, deste cenário, não se acautelar, pode
assumir um estado de espírito que é uma mistura de nostalgia e alegria,
nostalgia pela solidão e alegria por desfrutar das benesses, como diria um meu
amigo fraterno, oferecidas pelo Grande Arquiteto do Universo”.
Cento
e cinquenta anos separam estas duas descrições, a magia do encantamento é a
mesma!
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