MINHAS CRÔNICAS

quinta-feira, 16 de junho de 2011

LITERATURA E MEDICINA – ASMA, DOENÇA DE TALENTOS LITERÁRIOS?

Foi a escritora Hermione Lee que ao escrever a biografia de Edith Wharton, chamou a atenção para esta hipotética constatação; além da sua biografada, que sofria de problemas pulmonares crônicos, ela listou alguns nomes bem conhecidos da literatura mundial que padeciam da mesma doença (John Updike, Charles Dickens, Disraeli, dentre outros).

Não acredito nesta correlação, uma vez que a causa desta doença, apesar de não estar definitivamente esclarecida, passa bem longe desta teoria, não passando, segundo entendo, de especulação a hipótese aventada; provavelmente o sistema imunológico (sistema de auto defesa do organismo) dos indivíduos possa, realmente, ser o fator mais importante a ser levado em consideração nesta discussão.

Tentando unir as duas pontas da corrente, devemos lembrar que a maioria dos escritores pertence à classe média e alta da sociedade e esta, normalmente não está, principalmente quando criança, em contato permanente com a poeira, não anda com os pés no chão.

Meus colegas pneumologistas sabem que aqueles indivíduos que tiveram pouca exposição a infecções quando crianças são mais susceptíveis de sofrerem de asma, justamente porque não desenvolveram defesas imunológicas.

Embora esta teoria (imunidade) tenha maior respaldo científico, não podemos perder de vista outro fator, o psicossomático, que poderia ser coadjuvante ou mesmo o causador principal da moléstia, segundo uma corrente da opinião médica.

Talvez o caso mais emblemático da literatura seja o de Marcel Proust, autor do livro “Em busca do tempo perdido” uma das mais extraordinárias obras de ficção do século XX, que teve seu primeiro surto de asma com a idade de nove anos e, dali em diante ele foi, praticamente, enclausurado dentro de casa, em acomodações climatizadas que simulavam uma bolha.

Vale a pena ler o livro “Senhor Proust” que relata as memórias de Celeste Albaret, que foi funcionária e camareira do escritor durante os oito anos mais produtivos da sua vida literária; esta senhora tornou-se pessoa de sua inteira confiança, inclusive homenageando-a com um tratamento pessoal que dificilmente ele utilizava: “Querida Celeste”.

Celeste descreve o quarto onde ele vivia “Jamais se abria as cortinas e, muito menos as janelas do quarto, se ele estivesse por lá”; “Ao entrar no quarto havia uma fumaça possível de se cortar com uma faca, pois, quando despertava, o Sr. Proust queimava o pó de fumigação e eu não esperava por esta nuvem” e, também, várias crises agudas de asma que ele sofreu, apesar de todos estes cuidados que eram tomados e que ela presenciou, algumas delas de grande gravidade.

Alguns especialistas em doenças psicossomáticas querem encontrar elos entre a doença asma e algum conflito do inconsciente não resolvido; segundo esta teoria, a doença seria precipitada pela separação da mãe, da qual o paciente seria dependente emocionalmente; Proust, teoricamente, se enquadraria neste perfil, pela sua extraordinária dependência à mãe.

Charles Dickens, também portador desta doença, gostava, sempre que surgia oportunidade, de incluir entre os seus personagens um doente asmático; no seu livro autobiográfico (David Copperfield) ele descreve o diálogo entre o herói (ele mesmo) e o proprietário de um pequeno mercado:

“Eu pude ver Mister Omer no interior do mercado, fumando seu cachimbo ... Sente-se, disse ele, a fumaça não o desagrada? Tome uma cadeira e sente-se, eu fumo pela minha asma ... Mister Omer fez sala para mim e sentou-se, agora ele respira fundo e solta as baforadas, sentindo-se como se o cachimbo contivesse o suprimento necessário para seu alívio e sem o qual ele poderá sofrer”

Neste mesmo livro, o escritor abusando da ficção, introduziu como personagem, um cachorro asmático de nome Jip, levando-nos a supor que quando da elaboração do livro, ou pelo menos deste capítulo, Dickens estava enfrentando uma crise de asma, quando então “cachimbava” um pouco de ópio que ele usava, costumeiramente, para tratamento da sua asma, daí a razão do diálogo que foi inserido entre o tal Mister Omer e o menino.

Os especialistas em psicanálise provavelmente verão no cachimbo usado pelo Mister Omer ou nos modernos tubos inalantes de produtos bronco dilatadores, substitutos do peito materno.

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